Imaginem uma pessoa que viveu o tempo com uma outra pessoa, em todo em um quarto fechado com uma porta. Ela não sabe nada do que está fora do quarto. Primeiramente, estas pessoas irão fazer perguntas, sobre o que é essa porta, pois afinal é a única coisa diferente do quarto. Com muito medo, estas pessoas irão investigar o que é essa porta e para que esta porta serve, até que, eventualmente, ele descobre que a porta do quarto leva ao exterior do quarto. Suponha que uma dessas pessoas saia do quarto e a outra fique. A pessoa que saiu, viu um céu estrelado, que até então era um fenômeno completamente desconhecido. Esta pessoa retorna e conta para a outra pessoa que ficou dentro do quarto o que encontrou lá fora.

O que é ciência nessa história? Neste processo, as pessoas adquiriram conhecimento de várias formas. No primeiro momento, só se conhecia o interior do quarto. A curiosidade levou a investigação da porta. A investigação da porta trouxe às pessoas o conceito de porta e, portanto, a sua finalidade, a sua função. Vamos fazer algumas considerações, aplicando esta analogia à humanidade inteira:

descobertaAntes de sair do quarto, estas pessoas ignoravam completamente a existência de estrelas. Desta forma, para elas, o conceito de estrela é totalmente desconhecido. Eles nem poderiam se perguntar “o que são estes pontos luminosos no céu?”, pois nem isso faria sentido. Na verdade, nem a palavra céu teria significado algum, uma vez que nunca nem o céu nem as estrelas foram vistos, sequer imaginados. Não obstante, estrelas existem. Este tipo de desconhecimento da realidade é tão profundo, que até o momento do primeiro contato com esses fenômenos, o grau de ignorância das pessoas no quarto não permite nem a imaginação. Desta forma, nessa história, o conhecimento de “céu” e “estrelas” é, até então, muito distante. Vamos chamar este desconhecido de ignorância existencial, que é o conjunto dos fenômenos que existem e que não são nem detectados e nem imaginados, por ninguém.

Quando uma pessoa abre a porta e vê o céu e as estrelas, estes conceitos passam a existir para esta pessoa. Ela vai definir estes fenômenos observados com palavras, mas a pessoa ainda não sabe o que é “céu” e o que é “estrela”. Mas agora sabe da existência desses fenômenos, e portanto, tais fenômenos são passíveis de investigação. Vamos chamar este desconhecido de ignorância conceitual, que é o conjunto dos fenômenos que existem e que são detectados ou imaginados, mas não se conhecem nem as suas naturezas intrínsecas, nem as leis da natureza que o regem.

Louis_PasteurNo primeiro momento, a porta podia ser vista, embora não se soubesse o que era, nem para que servia (ignorância conceitual). A investigação da porta levou, a priori, às pessoas o conhecimento da finalidade e do conceito de porta, portando consolidando este conhecimento. Este processo foi totalmente intencional e dependente da curiosidade naquele fenômeno específico: se desejava saber o que era a porta. Chamemos este processo de ciência investigativa, que transformou a ignorância conceitual em conhecimento estabelecido.

No segundo momento, quando se descobriu que a finalidade da porta era prover acesso ao mundo exterior, este processo conduziu às pessoas a descoberta do céu e das estrelas. Perceba que este processo não foi intencional de maneira nenhuma. Uma vez que se desconhecia a existência do céu e das estrelas, este descobrimento foi puramente acidental. Ou seja, o processo de ciência investigativa causou um acidente, levando a descoberta de outros fenômenos, até então totalmente ignorados. Este processo converteu a ignorância existencial do céu e das estrelas, para a ignorância conceitual desses fenômenos. Assim este acidente gerou ainda mais conhecimento do que se esperava inicialmente. Vamos chamar este acidente de serendiptismo. Como Louis Pasteur uma vez afirmou: “A sorte favorece uma mente bem preparada”.

Podemos fazer um panorama geral, conforme ilustrado na figura abaixo:

O que é ciência?
O que é ciência?

Ainda considerando o exemplo das suas pessoas presas no quarto, e apenas uma participou do processo de descobrimento do funcionamento da porta e da existência das estrelas e do céu, todo este conhecimento se tornou disponível. Mas não se tornou difundido. A outra pessoa ainda está imersa na ignorância. Naquele primeiro momento, quando ambos não sabiam para que servia a porta e ignoravam totalmente a existência das estrelas e do céu, o conjunto dos fenômenos ignorados (por ambas as ignorâncias existenciais e conceituais) afetava todas as pessoas. Vamos chamar isso de ignorância sistemática, pois afeta a todos os indivíduos. A partir do momento que uma das pessoas avançou no conhecimento, mesmo que sem a participação da outra, este conhecimento pode ser facilmente transmitido pelo concurso da linguagem. Uma vez que algum indivíduo já criou o conhecimento por meio da ciência, a ignorância deixa de ser sistemática e se torna individual: o indivíduo é ignorante de um fenômeno já conhecido. O processo no qual o indivíduo criador ou detentor do conhecimento transmite esse conhecimento para outro indivíduo se chama educação.

Carl_SaganA ciência como um mero conjunto de conhecimentos estabelecidos, que é o significado mais comum e difundido da palavra, tem gerado muitas confusões. Nas escolas e universidades, não é ensinada a ciência, pois o que se ensina são conhecimentos consolidados. Sem dúvida que quanto maior o grau de educação, mais profundos serão estes conhecimentos, mas isso não faz com que se deixe a universidade um formando conhecedor de ciência (ao menos não necessariamente). Foi neste sentido que o astrônomo Carl Sagan afirmou que ciência é muito mais uma forma de pensar do que um corpo de conhecimentos. O conhecimento é o grande conjunto dessas leis. O que aprendemos é meramente um corpo de conhecimentos. Para discernir criticamente, precisamos conhecer a ciência como método, e não somente seus fatos consolidados. Outra coisa que se deve salientar é a importância da educação como um processo de transmissão de todo esse conhecimento, de forma a combater a ignorância individual.

Desta maneira e de uma forma bem geral, a ciência é o conjunto de processos que leva ao descobrimento das leis que regem a natureza. Acima de tudo, o que alimenta a ciência é a nossa curiosidade. É nosso instinto de desbravar o desconhecido. Somos compelidos a combater a ignorância. Porque, talvez instintivamente, sabemos que tornando o desconhecido cada fez mais conhecido, cada vez mais sentimos menos razões para termos medo, uma vez que tememos tudo o que desconhecemos.