Texto produzido por José Felipe Teixeira da Silva Santos
Após o homicídio de George Floyd, asfixiado em público pelo policial Derek Chauvin, no dia 25 de maio em Minneapolis nos Estados Unidos, uma onda de protestos violentos se desencadeou em todo o País. Os manifestantes protestam pedindo a condenação do policial por homicídio em 1° (quando o autor do crime tem a intenção de matar) e, mais do que isso, esses manifestantes clamam pelas vidas de pessoas negras que, constantemente, são alvo de uma política de extermínio racista.
Já no Brasil, o recente homicídio do menino João Pedro, alvejado pela Polícia do Rio de Janeiro dentro de seu próprio lar, mostra novamente que em nosso país, o Estado segue uma política de extermínio da população negra, semelhante aos Estados Unidos. Isto quer dizer que não foi um caso isolado. Apontar que existe uma política de extermínio é afirmar que não foi o primeiro caso, não será o último e, mais do que isso, é prática rotineira e em muitas medidas legitimadas publicamente.
Os números têm nome e cor
Casos de pessoas negras que tiveram suas vidas interrompidas, como o de João Pedro, de Ágatha Félix, de Marielle Franco, mortos pelas mãos do Estado, permanecem sem resolução até hoje, compondo uma dolorosa e cruel estatística. A maior parte das justificativas compreende a Guerra às drogas e ao Tráfico, mas ao que fica evidente, esta guerra na verdade é declarada a somente uma parcela da população, a que possui cor e endereço bem determinados. Estas guerras acabam com balas perdidas que coincidentemente são sempre encontradas em corpos de comunidades de favelas ou de bairros de periferia, negros.
Essas situações não são novidade, mas têm inflamado ainda mais o descontentamento dos cidadãos brasileiros com o panorama atual do país. Similar aos protestos em Minneapolis, aqui também houve protestos e chamados para sairmos às ruas, exigindo justiça pelas mortes e igualdade racial nas políticas públicas e na vida em sociedade. Desse modo, as ameaças pelo contágio da doença COVID-19 causada pelo novo coronavírus, parece não serem suficientes para conter uma população que morre por tantos outros motivos, incluindo um período de isolamento social. Tais atos apresentam, assim, o lado cruel de políticas, de vivências, de rotina em que a morte é um enfrentamento cotidiano – dentro ou fora de casa.
Nas redes sociais não é diferente, pessoas das mais diferentes posições e crenças criaram filtros para destacar o seu compromisso com uma luta antifascista, têm postado questionamentos assertivos, cobrando posicionamentos de celebridades, intelectuais e veículos de comunicação.
Todos estes momentos e movimentos são fundamentais, pois tornam visíveis os problemas da sociedade. Exaltar a ideia de que “vidas negras importam”, tanto quanto o nome e as vidas que estão sofrendo, tornando-os símbolos não é apontar isoladamente um problema que aconteceu, nem deve ser tomado desta forma. É, sim, buscar empatia de quem não vivencia isto como cotidiano (a população branca, por exemplo), tornar evidente a questão como parte da vida de muitos brasileiros. A luta contra o racismo não deve, portanto, estar restrita aos momentos de solidariedade às vítimas. A luta e o engajamento devem ser diários, pois para as famílias de sangue retinto, muitas vezes esse momento já é tarde.
A famosa a frase da escritora Angela Davis segue apontando para o quanto é preciso protestar contra a desigualdade racial: não basta não ser racista, é preciso ser anti racista.
Você não acredita ou ainda tem dúvida que pessoas negras e suas vidas são as principais vítimas de violência no Brasil? Abaixo seguem estatísticas que retratam parte desta realidade.
Genocídio da juventude Negra no Brasil
Homicídio de pessoas negras no Brasil
O informativo de Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil mostra que a população negra tem 2,7 mais chance de ser morta do que a população branca.
Segundo dados do Sistema de Informação de Mortalidade do SUS, de 2012 a 2017, foram registrados 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato.
Segundo a analista de indicadores sociais do IBGE – na série de 2012 a 2017, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda (categorias adotadas pelo IBGE), passando de 37,2 para 43,4. Enquanto para a população branca esse indicador se manteve constante no tempo, em torno de 16.
Em 2017, para jovens brancos, de 15 a 29 anos, a taxa de mortalidade era de 34 em cada 100 mil habitantes. Para pessoas pretas, 98,5 mortes por assassinato a cada 100 mil habitantes; o recorte apenas para homens negros nessa mesma faixa etária, alcança a taxa de 185. No recorte para mulheres, a taxa é de 5,2 para brancas e 10,1 para pretas.
Crianças negras mortas nos anos de 2019 e 2020 vítimas de bala perdida
No Brasil, crianças negras são vítimas de balas perdidas, dentro ou fora de suas casas, no trajeto para escola ou onde quer que estejam. A seguir, lista de nomes de crianças negras que tiveram suas vidas interrompidas por esta causa nos anos de 2019 a 2020:
João Pedro Matos Pinto, 14 anos. Preto. 19/05/2020.
Luiz Antônio de Souza Ferreira da Silva, 14 anos. Preto. 06/02/2020.
Anna Carolina de Souza Neves, 8 anos. Preta. 29/01/2020.
João Vitor Moreira dos Santos, 14 anos. Preto. 09/01/2020.
Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, 5 anos. Preta. 13/11/2019.
Ágatha Vitória Sales Félix, 8 anos. Preta. 20/09/2019.
Kauê Ribeiro dos Santos, 12 anos. Preto. 08/09/2019.
Kauã Rosário, 11 anos. Preto. 16/05/2019.
Kauan Peixoto, 12 anos. Preto. 17/03/2019.
Jenifer Cilene Gomes, 12 anos. Preta. 14/02/2019.
PM’s negros lideram as estatísticas de mortes em serviço
Mesmo estando em menor número dentro da corporação (37% do efetivo policial), entre os anos de 2017 e 2018, 51,7% dos policiais mortos em serviço eram negros.
#vidasnegrasimportam
Vidas negras importam, seja aqui, seja nos Estados Unidos, seja em qualquer outro lugar do mundo. José Felipe Teixeira da Silva Santos (autor deste texto), em conjunto com toda a equipe do Blogs de Ciência da Unicamp, manifestamos com este documento nossa posição anti racista e antifascista, mais do que não apoiar, nos contrapomos à conivência a qualquer tipo de ação, ato ou política que se articule ao racismo e a antidemocracia, hoje e sempre.
Para saber mais
ARAUJO, Taís.. Como criar crianças doces num país ácido | Taís Araújo – TedxSaoPaulo, TEDx Talks. 14 de nov. de 2017. Acesso em 01 de jun. de 2020.
CERQUEIRA, Daniel RC; MOURA, Rodrigo Leandro de. Vidas perdidas e racismo no Brasil. 2013. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
COELHO, Leonardo. João Pedro, 14 anos, morre durante ação policial no Rio, e família fica horas sem saber seu paradeiro. El País, 19 de mai. de 2020.. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
DIEB, Daniel. Anonymous volta à ativa contra Bolsonaro e Trump; conheça o grupo hacker. Tilt, 02 de jun. de 2020. Acesso em 02 de jun. de 2020.
DUAS novas autópsias afirmam que George Floyd foi morto por asfixia. Portal G1, 01 de jul. de 2020. Acesso em: 01 de jul. de 2020.
IBGE: População negra é principal vítima de homicídio no Brasil. Exame, 13 de nov. de 2019. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
IBGE. Tábua completa de mortalidade para o Brasil. Acesso em: 01 de jul. de 2020.
MARREIRO, Flávia. Marielle Franco, vereadora do PSOL, é assassinada no centro do Rio após evento com ativistas negras. El País, São Paulo, 15 de mar. de 2018. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
MENINO de 14 anos morre atingido por bala perdida na Baixada Fluminense. O Globo, Rio de Janeiro, 08 de fev. de 2020. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
MORRE adolescente de 14 anos baleado em Vila Kosmos. Portal G1, 02 de fev. de 2020. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
NITAHARA, Akemi. Negros têm 2,7 mais chances de serem mortos do que brancos. Agência Brasil, Rio de Janeiro 13 de nov. de 2019. Acesso em: 01 de jul. de 2020.
OLIVEIRA, Leonardo. Da fatalidade epidemiológica à ferramenta de extermínio: a gestão necropolítica da pandemia. Blogs de Ciência da Unicamp – Especial Covid-19. 2020.
SANTOS, Guilherme; SOARES, Paulo Renato. Em 10 meses, Rio tem 6 crianças mortas por bala perdida e poucas respostas para as famílias. Portal G1, Rio de Janeiro, 13 de nov. de 2019. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
TABU, Quebrando o. O dia que Brooklyn Nine-Nine explicou em um minuto o privilégio branco, Quebrando o Tabu, 01 de jun. de 2020. Acesso em: 01 de jun. de 2020.
José Felipe Teixeira da Silva Santos é estudante de Biologia da Unicamp, membro da equipe técnica, administrativa e científica do Blogs de Ciência da Unicamp.
O texto tem apoio total e incondicional de toda a equipe técnica, administrativa e científica do Blogs de Ciência da Unicamp.
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