COMUNICANDO CIÊNCIA ATRAVÉS DE IMAGENS – PARTE 2
Nesta série de posts, estamos falando sobre Ilustração científica, e um pouquinho sobre a importância da arte para comunicação da ciência.
Quando a arte serve aos propósitos da ciência, as prioridades mudam. Agradar ao senso estético do observador é menos importante do que a precisão e a confiabilidade da obra (embora alguns artistas ao longo da história tenham sido geniais o suficiente para atender a ambos os desígnios). O objetivo da ilustração científica é ser útil e acurada – permitindo aos cientistas formular ou demonstrar modelos, teorias e hipóteses. Neste aspecto, a ilustração científica serve de força motriz ao pensamento e à comunicação dos resultados de uma pesquisa. Mas não apenas: as imagens cientificamente embasadas são usadas há séculos para instruir, estimular a preservação da natureza, e para comunicar ciência ao público não especializado.
>> Parte 1: O que é ilustração científica?
Parte 2: Pra quê desenhar se podemos fotografar?
Parte 3: Conclusões e perspectivas
PRA QUÊ DESENHAR SE PODEMOS FOTOGRAFAR?
Um questionamento inevitável quanto à ilustração científica é por quê, com o poder da fotografia, captura e edição audiovisual atuais, ela ainda é necessária? É fácil imaginar a utilidade da ilustração no mundo pré-moderno. Estudiosos da antiguidade faziam anotações meticulosas sobre as plantas medicinais e venenosas, as expedições de exploração do século XVII informavam as novidades que existiam nos terrenos até então inexplorados para o homem ocidental.
Como já mencionamos acima, a informação pictórica precede a história escrita. Gregos, babilônios, egípcios, hindus e chineses ilustraram conteúdos médicos em diversas mídias (pedra, barro, metal, porcelana, bambu, seda) no decorrer dos séculos. Relata-se que a biblioteca de Alexandria continha uma seção inteira devotada a observação anatômica. Mas, obviamente, as imagens registradas ao longo da história não tratavam apenas de objetos materiais e palpáveis. Descrições metafóricas de sentimentos e emoções, associadas ou não a estruturas anatômicas, são encontradas até mesmo em registros babilônicos. Sem contar os modelos astronômicos de Nicolau Copérnico (1473-1543) ou Galileu Galilei (1564-1642). Do casamento da ilustração com a história natural, nasceram as representações de organismos modelo, que apresentam as características gerais de uma espécie, e não as particularidades de um único indivíduo.
No mundo contemporâneo, a produção de imagens e visualização de dados é ubíqua: qualquer pessoa com acesso à ferramentas de computação gráfica pode gerar imagens, e somos bombardeados
com comunicação visual por todas as mídias imagináveis. Entretanto, muitos processos físicos, químicos e biológicos conhecidos são, essencialmente, invisíveis. O poder de “tornar o invisível visível” continua sendo fundamental para a evolução do conhecimento. Visualizar a ciência significa explorar conceitos, analisar hipóteses, e o pensamento visual não pode ser dissociado do pensamento verbal.
Qualquer pessoa que tenha tido acesso a um mínimo de educação formal sabe como desenhar um modelo simples do DNA (ou, em português, ADN: ácido desoxirribonucleico): traçando uma escada torcida que se projeta no formato de hélice. Uma versão simples deste desenho poderia ser feito mesmo por quem não sabe definir ou descrever seus componentes (as laterais da escada correspondem às uma estrutura de fosfato, com desoxirriboses dos nucleotídeos nas extremidades, e os degraus resultam da interação molecular entre as bases nitrogenadas adenina/timina, guanina/citosina). Independente de quanta biologia uma pessoa conheça, presume-se que ela saiba reconhecer com o quê a unidade básica do material genético se parece. Quando Rosalind Franklin capturou imagens da difração de raios-X do DNA, o que ela obteve foi esta imagem:
Convenhamos que esta fotografia não faz tanto sentido para quem não é especialista em difração de raios-X (uma proporção assombrosamente pequena da população poderia se gabar de tal habilidade). Esta representação do DNA não fez sentido até que se estabelecesse sua estrutura tridimensional – proposta por James Watson e Francis Crick em 1953: duas hélices congruentes com o mesmo eixo. E ainda esta estrutura tridimensional seria pouco compreensível sem que uma projeção gráfica fosse feita (a “escada torcida”)
Mesmo hoje, com os avanços da microscopia eletrônica e refinamento de técnicas biomoleculares, a imagem que podemos capturar do DNA dificilmente corresponde à sua estrutura básica: ainda só conseguimos registrá-lo em grandes volumes, conglomerados retorcidos pouco esclarecedores, e não em sua menor unidade (a “escada torcida”). Uma imagem da molécula de DNA individualizada ainda não foi capturada com os recursos técnicos existentes até o presente, mas o seu modelo visual existe há meio século no imaginário coletivo. O quanto da aceitação deste conceito “invisível” foi influenciada pelo fato de existir uma representação visual para ele?
Próximas postagens da série:
>> Parte 3: Conclusões e perspectivas
1 comentário
(série) O que é ilustração científica? - Colora-ci(ência) · 27 de dezembro de 2019 às 17:33
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