
É possível entender o funcionamentos das células humanas com ajuda da arte? Conheça um pouco mais sobre as conexões entre pontilhismo e a pesquisa sobre metabolismo celular e o sequenciamento de RNA de células únicas (scRNAseq)
A arte pode nos ajudar a entender os processos e os caminhos da pesquisa científica? Apesar de muitas vezes parecerem dois campos completamente distintos, em duas extremidades opostas, a arte e a ciência podem se misturar. Os conceitos e as discussões de ambas as áreas se complementam, contribuindo com a compreensão e o conhecimento de ambas. Com intuito de nos aprofundarmos nessa questão, vamos entender como o movimento artístico do pontilhismo de George Seurat pode ajudar a interpretar dados de células através da técnica de sequenciamento de RNA de células únicas, comumente chamada de single-cell.
A obra de pontilhismo de George Seurat
Primeiramente, vamos entender o movimento artístico do pontilhismo, através de um de seus grandes expoentes. George Seurat foi um pintor francês do século XIX, que viveu brevemente até os 31 anos. Apesar da curta vida, o pintor foi revolucionário, introduzindo a técnica de pintura que se popularizou como pontilhismo. Inspirado nas artes feitas nos mosaicos, Seurat replicou a ideia de criar através do uso de cores como meio principal de criar formas. Desse modo, ele criava profundidade e emoção em suas obras. Com pontos coloridos espalhados pela tela, é possível entender a obra transmitida pelo artista.

Esse movimento artístico foi popularizado como ‘impressionismo‘, em que a quebra com os padrões do uso de formas fechadas e com a busca de um realismo nas representações artísticas. Assim, o pontilhismo de Seurat é uma técnica das artes plásticas desse movimento impressionista que possibilita interpretarmos uma obra completa, com formas, figuras e emoções construídas através de pontos coloridos que preenchem a imagem.
É com essa perspectiva interpretativa, de conseguir criar uma imagem completa através de vários pequenos pontos que se intercalam e se completam, que podemos entender como a ciência produz dados sobre células através da técnica de single cell.
Single-Cell como uma obra impressionista
Desse modo, para entender o funcionamento de um tecido corporal, é preciso analisar as células que o compõe, a sua distribuição e a quantidade de cada tipo celular. Uma célula sozinha “não faz verão” e não possibilita a compreensão metabólica e funcional de um órgão ou tecido. É nesse jogo interpretativo que a lógica impressionista se instala.
Atualmente, uma das técnicas de fronteira de pesquisa para entendermos o funcionamento do corpo humano ao nível celular é o single-cell. Nessa técnica, as células de um tecido corporal – como por exemplo, o tecido adiposo – têm o seu RNA mensageiro (molécula que leva a mensagem do DNA para construir as proteínas que a célula precisa) sequenciado. Por meio dela é possível saber quais genes estão sendo expressos e em qual intensidade pelas células do tecido . Desse modo, é possível separar e organizar com exatidão quais tipos celulares – células do sistema imune, adipócitos, fibroblastos, entre outras – estão presentes, além de dar pistas sobre a função, comunicação e estágio de diferenciação destas células.

Logo, essa separação e organização dos tipos celulares presentes em um determinado tecido corporal permite a interpretação do funcionamento e do metabolismo como um todo. Do mesmo jeito que na obra de Seurat, cada ponto por si só não significa muita coisa. Mas, quando se expande o olhar, esse todo é coerente e possibilita a interpretação do funcionamento do tecido. Afinal, é possível assim ver que esses pontos têm uma relação entre os vizinhos deles mais próximos e isso cria um quadro geral do que aquele tecido é formado em termos celulares.
Assim, a técnica single-cell separa as células nas suas diferentes categorias, que um algoritmo consegue, posteriormente, organizar a distribuição de cada uma delas. Um algoritmo bastante utilizado por pesquisadores da área, curiosamente, leva o nome de ‘Seurat’, justamente como uma homenagem ao pintor francês e ao seu espírito disruptivo das técnicas vigentes até então. Assim, a utilização desse algoritmo resulta em imagens como a abaixo, que distribui os tipos celulares em cores diferentes, dependendo da sua distribuição e da quantidade no tecido pesquisado.

Logo, é importante entendermos que a ciência e a arte estão em conexão com a experiência e a interpretação humana. Logo, Entender os dois campos contribui para a melhor análise crítica e desenvolvimento científico. As técnicas de pesquisa científica para melhor compreendermos o funcionamento e o metabolismo humano não estão isoladas e encapsuladas nos laboratórios, mas são expandidas e interpretadas por pessoas que vivenciam a arte, a cultura, a história e a sociedade em que estão imersas. As áreas estão sempre em conexão, apesar de parecerem distantes.
Autor
Rafael Silva Lima. Pesquisador nas horas vagas e pagas, mestre e doutor em Biologia Celular pela UFMG, biomédico pela UFU. Hoje desenvolvo minha pesquisa sobre a participação de linfócitos no tecido adiposo na obesidade na UNICAMP. Se não me encontrar no laboratório, provavelmente estarei assistindo o Santos, fotografando ou correndo por aí.
Para saber mais:
Museum art news.La Seine à la Grande Jatte by Georges Seurat
Wikipedia. George Seurat, pintor francês.
Ithy (2025). Understanding Seurat.
Stefano Mangiola, Maria A Doyle, Anthony T Papenfuss, Interfacing Seurat with the R tidy universe, Bioinformatics, Volume 37, Issue 22, November 2021, Pages 4100–4107, https://doi.org/10.1093/bioinformatics/btab404
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