Duas opiniões sobre nosso futuro elétrico: faça a sua escolha

Reproduzo abaixo duas opiniões sobre planejamento energético. Os autores fazem um diagnóstico da presente situação do setor elétrico e sua expansão. O prof. Goldemberg apresenta uma visão mais abrangente e lista algumas das opções que se apresentam, mostrando seus limites e as dificuldades. Já o prof. (ex?) Tolmasquim é o verdadeiro “planejador de plantão”. Demonstra o caracterísco otimismo de quem só tem um horizonte de 3 ou 4 anos pela frente dentro de um governo, tem o dever de mostrar resultados e justificar exdruxulamente determinadas opções. Ainda o planejamento de um setor importante com esse é feito sem se considerar o longo prazo e a natureza de “bem público” dos recursos energéticos (tanto os recursos de oferta como os de demanda). O planejamento energético é muito mais que um planejamento de governo e uma tarefa de Estado.

O futuro nos exige soluções mais criativas do que indicam as soluções do presente governo e penso que o artigo do prof. Goldemberg nos estimula muito mais nessa direção, mas é minha modesta opinião.

*A China, o bagre e as usinas do Rio Madeira*

*Artigo – Mauricio Tolmasquim*
* Correio Braziliense *
21/5/2007

Acabo de voltar de um evento na China, onde era o único sul-americano
convidado a fazer uma apresentação. A exposição sobre o Brasil foi a que
mais atraiu interesse, dado o destaque da nossa matriz energética
renovável no contexto mundial. A participação das fontes limpas no nosso
país chega a 44,5%, contra 13,3% no mundo e apenas 6% nos países da OCDE.

Em conseqüência, as emissões de gás carbônico devido ao consumo de
energia — principal responsável pelas mudanças climáticas — são muito
menores aqui do que no resto do mundo. Para se ter uma idéia, para cada
tonelada equivalente de petróleo consumida no Brasil, é emitida apenas
1,58 toneladas de gás carbônico, enquanto no resto do mundo essa
proporção é 50% maior (2,37).

Das fontes renováveis da matriz energética brasileira, destaca-se a
energia hidráulica, responsável por 15% da oferta interna de energia.

A prosperidade decorrente do crescimento pelo qual a China vem passando
é nítida: edifícios novos em cada quarteirão, viadutos e amplas avenidas
inauguradas a todo momento e renda per capita aumentando de forma
constante. Algo extraordinário, só possível graças à expansão sem igual
do parque de geração de energia elétrica do país. Em 2005, a China
instalou cerca de 50 mil MW, ou seja, cerca de 12 vezes mais do que o
Brasil vem instalando por ano. Contudo, um fato vem causando preocupação
no mundo: três quartos das usinas utilizam carvão, grande emissor de
gases do efeito estufa. Vários organismos internacionais têm estimulado
a China a promover o aumento da eficiência energética e o uso de fontes
renováveis de energia, entre elas a hidreletricidade.

No meu retorno, fui surpreendido pelo acirramento do debate sobre a
pertinência ou não da construção das usinas do Rio Madeira. Apesar de
termos utilizado apenas um terço do nosso potencial hidrelétrico,
constato que proliferam propostas de construção de usinas a carvão, onde
tanto o combustível quanto as plantas térmicas seriam importadas — esta
última da China. Tudo isso pela falta de perspectiva quanto ao
licenciamento das duas hidrelétricas. Ora, por que será que estamos indo
na contramão da história?

Os novos projetos de hidrelétricos, vistos pela ótica da área alagada,
são menos impactantes do que o conjunto das usinas que compõem o atual
parque hidráulico brasileiro. E a maior contribuição para a diminuição
desse índice vem justamente das usinas localizadas na região amazônica.
As duas usinas previstas no Rio Madeira (Santo Antonio e Jirau) têm
ótima relação entre área alagada e potência instalada. Cada uma delas
alaga apenas 0,08 km² para cada megawatt instalado, sendo que, se
descontarmos a área relativa à calha do rio, esse valor cai para 0,03
km² para cada megawatt instalado, valores muito inferiores aos das
usinas hoje existentes no país, que alagam em média 0,52 km² para cada
megawatt instalado.

O projeto inicialmente idealizado para o Rio Madeira previa a construção
de uma única usina no trecho do rio considerado. A alternativa
maximizava a geração de energia. Porém, em razão dos impactos potenciais
fora do território brasileiro, o projeto foi reformulado. O estudo de
partição de queda eliminou a alternativa inicial de um único
reservatório, na cota 90 metros, e optou por duas usinas de queda baixa.
Limitaram-se assim os reservatórios a níveis pouco superiores aos da
calha natural do rio.

Ao contrário do temor de alguns ambientalistas, as represas não
impedirão que a Piramutaba — espécie de bagre — fique impossibilitada de
subir as cachoeiras do rio Madeira até o sopé dos Andes para desovar.
Para evitar a interrupção dessa migração, foi projetado um sistema de
transposição de peixes, que consistirá em um canal lateral a ser
monitorado desde o início do funcionamento e poderá ser eventualmente
ajustado em função dos resultados do monitoramento.

Com relação aos sedimentos, os estudos comprovam que não haverá
problemas para o funcionamento das usinas durante toda a vida útil dos
reservatórios, estimada em 100 anos. Vale ressaltar que o arranjo das
usinas, com a utilização de turbinas do tipo bulbo e o vertedouro de
soleira baixa, aliado às características do Rio Madeira, permitirão a
continuidade do transporte de sedimentos.

Dessa forma, sendo passíveis de solução as questões ambientais mais
relevantes, é lógico concluir que as usinas do Madeira terão um papel
fundamental para o atendimento da demanda de energia elétrica de médio e
longo prazo no Brasil, contribuindo de forma efetiva para a redução das
emissões de gases do efeito estufa e, portanto, para o desenvolvimento
sustentável do país.

Mauricio Tolmasquim
Presidente da Empresa de Pesquisa Energética

*Energia – sonhos e realidades*

*Artigo – José Goldemberg *
* O Estado de S. Paulo *
21/5/2007

O governo federal parece ter acordado da letargia que o acometeu nos
últimos anos em relação à produção de eletricidade, que é essencial não
só para o crescimento da economia, para o PAC, mas para garantir o
suprimento do que já existe no País.

Problemas com o planejamento e a falta de chuva já foram responsáveis
pelo “apagão” de 2001, que afetou a vida de todos os brasileiros. As
perspectivas de que algo semelhante venha a ocorrer nos próximos anos
são reais e o problema só não é menos urgente devido às excelentes
chuvas que tivemos este ano, que encheram os reservatórios das usinas
hidrelétricas, das quais depende a maior parte da nossa eletricidade.

O nervosismo do governo e do próprio presidente da República é evidente,
com os repetidos “puxões de orelha” nos órgãos ambientais e nas ameaças
do presidente de que se as usinas do Rio Madeira não forem liberadas a
opção será concluir a Usina Nuclear Angra dos Reis 3.

A colocação do presidente é equivocada. Mesmo que ambos os projetos
fossem iniciados amanhã, levaria pelo menos seis a sete anos para que
produzissem eletricidade. É preciso, pois, encontrar outras soluções
menos problemáticas, e elas existem.

A potência das usinas já licitadas e autorizadas, com licença ambiental,
é de 7,3 mil megawatts (a maioria, hidrelétricas), equivalentes a seis
reatores nucleares do porte de Angra dos Reis. Além disso existem 3,3
mil megawatts do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia
Elétrica (Proinfa) para energias renováveis, como a eólica (ventos),
biomassa e pequenas centrais hidrelétricas. Somadas, estas fontes
equivalem a uma nova Itaipu. A geração de eletricidade queimando bagaço
excedente nas usinas de açúcar e álcool também está aumentando muito,
principalmente em São Paulo. Em lugar de reclamar dos órgãos ambientais,
o governo deveria, portanto, enfrentar a realidade, e não sonhar com
soluções “milagrosas” como as usinas do Rio Madeira ou nucleares.

A realidade é que o Ibama é lento, foi “aparelhado” no início da
primeira gestão do atual presidente da República, seus quadros técnicos,
reduzidos, e muitos consideram seu desempenho questionável. Há quatro
anos ele deveria ter sido reformulado e teria havido tempo para melhorar
sua agilidade e sua competência técnica. Isso não foi feito e a
reformulação proposta agora levará tempo para produzir resultados.

A verdade é que o problema não está apenas no Ibama, mas no modelo
energético adotado, em 2002, pelo governo atual, baseado em leilões da
Empresa de Planejamento Energético (EPE), que criaram mais problemas do
que resolveram. A EPE caiu um pouco na mesma ilusão de governos
anteriores de acreditar que usinas licitadas são efetivamente
construídas. Há toda uma “indústria” de concessões – como havia no
passado – e os empresários hesitam em investir num sistema em que as
regras não são claras, apesar do enorme aumento das tarifas de
eletricidade que ocorreu nos últimos anos. É urgente analisar por que os
7,3 milhões de quilowatts licitados ou autorizados ainda não saíram
totalmente do papel, pois é lá que se encontra a solução imediata dos
problemas atuais, e não nas usinas do Rio Madeira ou nas usinas
nucleares. Os problemas com elas não são técnicos, mas econômicos e
financeiros, pois ambos os empreendimentos são caros e não será fácil
financiá-los.

As usinas do Rio Madeira estão distante dos principais centros de
consumo e as longas linhas de transmissão necessárias para trazer a
energia para o Sudeste, provavelmente, dobrarão o investimento
necessário, além dos problemas sazonais de usinas da Amazônia se não
contarem com grandes reservatórios, que são, em geral, os que criam
problemas ambientais e sociais.

Quanto à usina Angra dos Reis 3, há com ela três problemas. O primeiro é
que a Eletronuclear (responsável pela sua construção) tem um “dívida
impagável de 1 bilhão de euros, e outro tanto em reais, ou dólares, à
conta da Eletrobrás, que está pagando os juros da dívida”, segundo o seu
ex-presidente Luiz Pinguelli Rosa.

O segundo problema é que esta usina irá custar, no mínimo, mais US$ 1,7
bilhão, além dos US$ 700 milhões de equipamentos já comprados. Uma
escalada de custos não seria uma surpresa, porque já ocorreu com Angra 1
e Angra 2.

Em terceiro lugar, os entusiastas deste projeto raciocinam como se o
combustível nuclear (urânio enriquecido) fosse barato e fácil de
preparar, repetindo sempre que o Brasil tem grandes reservas de minério
de urânio. Sucede que para transformá-lo em combustível nuclear seriam
necessários investimentos de centenas de milhões de dólares nas usinas
de enriquecimento. No fundo, é como se confundissem bauxita com
alumínio, ou minério de ferro com placas de aço de alta qualidade. Há um
enorme caminho a percorrer entre minério de urânio e combustível nuclear.

Todos estes problemas são econômico-financeiros e não há argumento de
defesa da soberania nacional que possa priorizar reatores nucleares, a
não ser decisões políticas que os privilegiem diante da necessidade de
concluir empreendimentos já iniciados.

O único argumento de alguma solidez a favor das usinas nucleares é o de
que elas emitem menos carbono do que usinas termoelétricas, que usam
combustível fóssil, como carvão e gás. Sucede que um reator como Angra
dos Reis reduz emissões de cerca de 2 milhões de toneladas de carbono
por ano, que é apenas 1% do que o desmatamento da Amazônia emite. Se o
governo desejasse de fato diminuir as emissões de carbono, reduzir o
desmatamento da Amazônia seria o caminho a seguir.

José Goldemberg foi presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp)

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

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