Revista Época Domingo, 13 de junho de 2010

Dá para crescer sem sujar

Domingo, 13 de junho de 2010

Um estudo inédito do Banco Mundial revela como o Brasil pode se desenvolver – e ao mesmo tempo reduzir seu impacto no clima da Terra

Aline Ribeiro

O Brasil tem uma missão difícil pela frente: reduzir seu impacto no aquecimento global, sem sacrificar o desenvolvimento. Não importa o ritmo das negociações internacionais, os países terão de reduzir suas emissões de poluentes, e o Brasil, como oitavo maior emissor do mundo, tem suas responsabilidades. O país já se comprometeu oficialmente a fazer isso, mas até agora não detalhou seu plano. Alguns Estados, como São Paulo, também criaram leis do clima, sem especificar como chegarão aos objetivos. Um estudo inédito do Banco Mundial, a ser apresentado na quinta-feira, pode ajudar a estabelecer políticas de redução de poluentes. Trata-se do mais aprofundado mapeamento das medidas que reduzem emissões, quanto custam, em que setores estão e que resultado podem gerar.


Segundo o estudo, se continuar crescendo da forma atual, o país chegará a 2030 tendo despejado na atmosfera 29 bilhões de toneladas de gases responsáveis pelo efeito estufa. Com algumas mudanças de tecnologia e políticas públicas, essa herança ruim pode ser reduzida em 11 bilhões de toneladas, uma economia de 37% do que teríamos jogado no ar.

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Os investimentos para reduzir nossas emissões chegariam a US$ 725 bilhões até 2030

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O Brasil é o segundo país analisado pelo Banco Mundial (o primeiro foi o México). Os próximos serão Índia, África do Sul e Indonésia. O estudo demorou mais de um ano. Envolveu 70 especialistas brasileiros de universidades e centros de pesquisa, além de representantes de dez ministérios. Os pesquisadores compararam dois cenários. Um avalia o que aconteceria se o Brasil seguisse o caminho atual, incluindo as previsões de investimentos em tecnologias limpas, como novas hidrelétricas. O outro é o cenário de baixo carbono, que envolve ações adicionais para reduzir as emissões. “Identificamos as possibilidades de redução e apontamos os desafios”, diz Christophe de Gouvello, do departamento de desenvolvimento sustentável do Banco Mundial.


A transição para uma economia verde tem custos: em torno de US$ 725 bilhões até 2030. É mais do que o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo, que prevê US$ 504 bilhões. Mas boa parte do investimento no clima se reverteria em melhora nas condições de vida dos brasileiros. Além disso, 17 das principais ações podem dar retorno financeiro – como a reciclagem e o uso de energia solar na indústria. “Já há a percepção de que limpar setores da economia é um ótimo negócio”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). “Mas o caminho está mal desenhado. Precisamos das ferramentas para cumprir nossas metas.”

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Mexer no transporte é mais caro do que reduzir o desmatamento. Mas afeta a vida de mais gente

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Um dos méritos do estudo é revelar como o Brasil pode reduzir emissões em áreas além das florestas. Até então, o grande foco das atenções era a contenção do desmatamento. Por um motivo: só ela já daria conta de 56% de nosso potencial para reduzir as emissões até 2030, a um custo relativamente baixo: US$ 24 bilhões. Mas o país precisa pensar além. Fora as florestas, a maior oportunidade está nas áreas de energia, transporte e resíduos. Apesar de ter uma geração de energia dominada por hidrelétricas, que poluem pouco, as indústrias usam bastante combustível derivado de petróleo em suas caldeiras. Podem reduzir as emissões substituindo-o por biomassa, como restos da palha da cana ou da casca do arroz. O levantamento sugere ainda aumentar a eficiência das refinarias de petróleo e investir em campos eólicos.

As medidas nas áreas além do desmatamento tocam diretamente a vida nas grandes cidades. Como as implantações de metrô ou linhas de ônibus expresso, ou BRTs. São ônibus que rodam em faixas exclusivas e têm plataformas elevadas de embarque, como as estações de trem, que foram consagradas em Curitiba. Esses sistemas de transporte público tiram carros da rua, diminuem os congestionamentos e portanto melhoram o ar. “Mexer no transporte é mais caro do que reduzir o desmatamento na Amazônia, mas afeta imediatamente nossa qualidade de vida”, diz Eduardo Viola, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

Embora essas ações fora do setor florestal sejam mais complicadas, elas são mais fáceis de aprovar – metrô, lixo ou energia são mais visíveis para os eleitores das grandes cidades. Com pressão da opinião pública, a redução de emissões pode virar bandeira política e empresarial. Assim, o Brasil chegaria ao futuro mais limpo.

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

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