Depois da COP21-Paris: o que fazer?

Depois da COP21-Paris: o que fazer?

 

 

O grande diferencial da COP 21 foi que desta vez ficou demonstrado um maior comprometimento dos 195 países membros Convenção Climática e que representam mais de 90% das emissões globais de gases-estufa.  Dois aspectos foram importantes. É cada vez maior o reconhecimento das bases científicas das mudanças do clima, suas causas e consequências. A outra foi que, diferentemente das COPs anteriores, desta vez a estratégia foi do tipo bottom-up: os países tiveram que fazer sua liçao de casa e estudar como e aonde reduzir suas emissões, considerando seus desejos e prioridades de desenvolvimento nacional apresentando sua INDC ( INDC – Intended National Determined Contribution). Não foram estabelecidas metas do tipo top-down a serem cumpridas pela diversidade de paises envolvidos, embora houvesse uma meta tácita: a de manter o aquecimento global da atmosfera abaixo de 2 graus Celsius (os cientistas climáticos advogam a necessidade de se manter em 1,5 graus até 2100). Já temos comprometidos cerca de 1 grau de aquecimento por conta daquilo que já foi emitido após a revolução industrial e que ainda permanecerá na atmosfera.

Embora o resultado final da COP21 seja positivo, ainda existem dúvidas se conseguiremos chegar lá (os primeiros cálculos indicam que a somatória dos planos nacionais ainda não será suficiente para ficarmos abaixo dos 2 graus).

A tarefa é, portanto, árdua.

Energia é e será o setor central para a transição necessária de desenvolvimento econômico sem emissões de gases (especialmente dióxido de carbono).  Para o Brasil também!

É verdade que existe ainda muito carvão e petróleo para ser queimado. Toda uma infraestrutura e uma economia que foram construídas em função deles deverá ser alterada. Grandes emissores como EUA, China, India já declaram mudanças significativas em suas políticas energéticas favorecendo fontes renováveis.

Combustíveis fósseis começam a cair de preço de maneira bastante agressiva em um momento onde várias tecnologias de energia renovável também estão ficando mais baratas, ou seja a competição se acentua entre essas duas categorias de tecnologias de energia.

A ambição do pré-sal brasileiro parece seriamente comprometida tanto pelos preços atuais do petróleo como pelas nossas (Petrobrás) dificuldades de financiar essa exploração. Se a expectativa das divisas com o pré-sal foi a razão de não avançarmos com maior atenção na direção de eficiência energética e tecnologias renováveis, está na hora de re-pensar e recuperar o tempo perdido.

Comento aqui os aspectos tecnológicos que fazem parte das negociações internacionais da COP, e que muitas vezes não são muito conhecidas.

Esforços de transferência de tecnologia já estão contemplados nas negociações internacionais do clima desde a COP16-Cancún, México. Nessa ocasião foi criado o Mecanismo Tecnológico. Ele consiste em um Comitê Executivo de Tecnologia (Technology Executive Committee – TEC), um Centro de Tecnologia (Technology Center) e uma Rede de Instituições Tecnológicas (Technology Network). A partir da COP 18-Doha o Centro de Tecnologia está sendo operado pela UNEP com apoio da UNIDO.

O Mecanismo Tecnológico dá suporte ao desenvolvimento, difusão e transferência de tecnologias de baixo carbono, especialmente nos países em desenvolvimento, representados por suas entidades nacionais designadas (National Designated Entities – NDEs).

As instituições que fazem parte da Rede Tecnológica mencionada (Technology Network) são universidades, centros de pesquisas públicos ou privados, ou ainda firmas de base tecnológica, com o objetivo de desenvolver/adaptar, oferecer assistência técnica e transferência de tecnologia aos países interessados (NDE), sendo financiados pelos recursos captados sob a chancela da Convenção do Clima. Até o momento somente duas instituições brasileiras se credenciaram e fazem parte dessa rede. O Mecanismo Tecnológico não é somente um local para solicitar apoio tecnológico mas também de ofertar produtos e serviços tecnologicos. Já existem cerca de 700 tecnologias “climáticas” no banco de tecnologias disponíveis para serem transferidas.

No âmbito do Mecanismo Tecnológico, cada país deve elaborar um Technology Needs Assessment (TNA). Este é um documento no qual são identificadas e priorizadas as necessidades tecnológicas para implementar sua política climática. O TNA visa orientar as estratégias de desenvolvimento sustentável do país, aumentando a capacidade de adaptação, reduzindo as vulnerabilidades a mudanças climáticas e promovendo medidas de mitigação de gases de efeito estufa para atender às metas de estabilização de emissões. O TNA de cada país explicita portanto as prioridades tecnologicas para mitigação e adaptação segundo a ótica de desenvolvimento nacional para as próximas décadas. Ao mesmo tempo prepara um roadmap tecnológico a ser seguido, alinhando sua política industrial, de ciência e tecnologia, política econômica, política energética, e demais áreas consideradas relevantes para cada país.

Diversos países não só criaram os seus respectivos centros tecnológicos como submeteram os seus TNA (Technology Assement Needs). Esses planos contemplam não apenas o inventário de necessidades, mas conforme mencionado, inclui planos de implementação das tecnologias priorizadas.

No meu entendimento, o INDC brasileiro apresentado em Paris na COP 21 seria muito mais crível se fosse acompanhado por um documento do tipo TNA. Com isso, ficaria mais evidente que estamos delineando o roteiro tecnológico que deverá suportar as intenções e metas, quais serão os recursos humanos e de capital necessários, quais tecnologias são de domínio nacional, quais devem ser adaptadas ou desenvolvidas, etc. Ainda não temos um TNA brasileiro e nem um detalhamento de como será operacionalizado o INDC apresentado. Detalhes fazem toda a diferença.

Mudanças tecnológicas serão necessárias, mas não suficientes para estabilizarmos emissões e nos prepararmos para as mudanças climáticas que já vivenciamos.

Depois de Paris temos que avançar no detalhamento e priorização das tecnologias que queremos e necessitamos seja para cumprir com o INDC apresentado, seja – e isso é importante –  e explorar as oportunidades de ofertar serviços e produtos tecnológicos de energia que valerão muito mais que as commodities primárias que tanto parecemos gostar de exportar.

Em outro artigo falaremos sobre a necessidade de sistemas de governança e gestão para a implementação do INDC.

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

3 thoughts on “Depois da COP21-Paris: o que fazer?

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  • 4 de fevereiro de 2016 em 15:20
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    É necessário fazer uma atualização nessa postagem. Na época em que foi escrito have o comprometimento de maior atenção a maiores esforços para aumentar a participação de fontes renováveis na matriz elétrica brasileira e era isso o que está ainda no INDC do Brasil.

    Pois bem, logo em janeiro, apenas algumas semanas após a COP 21, temos a notícia de cortes de investimentos federais a projetos de infra-estrutura relacionados com energia renovável. O governo federal retirou metas e objetivos relacionados com energia renovável (exceto hidroeletricidade) do Plano Plurianual (2016-19). Muitos dos objetivos e metas retiradas do PPA contradizem as próprias metas dos dispositivos que constam na INDC do Brasil apresentado na COP 21 Paris.

    Isso apenas confirma, segundo nosso entendimento, a fragilidade ainda presente de políticas públicas do Brasil de suporte a energia solar fotovoltaica as demais fontes, exceto a hidreletricidade e as fósseis. Além disso tira toda a credibilidade de um documento oficial e coloca em cheque os reais entendimentos sobre energia e clima do governo brasileiro.

    Quem quiser conhecer os detalhes, veja:
    Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos MENSAGEM Nº 16, DE 13 DE JANEIRO DE 2016. (Os trechos relacionados estão marcados em amarelo no arquivo).
    https://goo.gl/tdSYgG

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