Planejamento e armazenagem de energia

Uma das maneiras que tenho para apresentar o sistema energético nas minhas aulas é separar as tecnologias de energia em grandes grupos: as tecnologias de oferta, as de demanda ou uso final e um grupo mais complicado que chamo de tecnologias de interface. Planejamento energético é fundamentalmente planejar sistemas de conversão entre formas de energia. Esse agrupamento me ajuda também nos exercícios de prospecção futura de necessidades  de demanda e oferta de energia.

 

PIR

 

 

 

 

 

Costumo iniciar o curso sobre Planejamento Integrado de Recursos com o diagrama abaixo. Convencionalmente o que se pratica é um tipo de planejamento que privilegia os investimentos na expansão do sistema de oferta de energia. Damos muita atenção às tecnologias de oferta  e às fontes de energia (petróleo, gás natural, hidro-eletricidade, etc). Novas refinarias, novas usinas elétricas, investimentos em se ampliar a oferta de combustíveis e eletricidade é o que tem guiado de maneira predominante as políticas de energia em muitos países, e em particular no Brasil. O planejamento que se pratica ainda no Brasil privilegia as tecnologias de oferta.

Quero escrever um pouco sobre um elenco de tecnologias está avançando bastante rapidamente para se tornarem comercialmente viáveis em pouco tempo. São aquelas destinadas a armazenar energia elétrica. O desenvolvimento de inovações nunca é um fato isolado. Pesquisas com novos materiais, avanços na eletrônica, juntamente com sistemas de controle e automação e a integração desses avanços com sistemas eólicos e solares, principalmente concorrem para que novos sistemas de armazenagem de energia se tornem viáveis do ponto de vista técnico (mais eficientes principalmente) e do ponto de vista econômico. A dimensão e o interesse do mercado de eletricidade e de transportes (veículos elétricos) juntamente com políticas de metas de redução de emissões são outros fatores relevantes para explicar a tendência favorável de progresso dessas tecnologias.

Há uma ampla gama de opções de tecnologias de armazenamento de energia em uso e em desenvolvimento. Não existe uma tecnologia que desempenhe sozinha todas as funções do armazenamento de energia, e a escolha daquela mais apropriada a uma aplicação específica pauta-se por critérios técnicos e econômicos, como capacidade de armazenamento e custos de capital, operação e manutenção.

Já escrevi aqui sobre o sistema brasileiro que já possui um interessante sistema de armazenagem de energia que tem sido muito importante para a segurança de fornecimento de um sistema baseado em hidro-eletricidade: os reservatórios de água. Além desse tipo de armazenagem teremos que investir e desenvolver outros métodos, uma vez que temos tido grandes limitações para incorporar novos reservatórios junto ao nosso sistema e isso o tem tornado mais vulnerável às mudanças climáticas e à expansão do consumo.

Um de meus alunos (Luan M dos Santos) fez um levantamento na literatura sobre o estágio de diversos sistemas de armazenagem de eletricidade e seus custos.O gráfico abaixo apresenta, em ordem crescente de estágio de desenvolvimento, as faixas de custo de capital (em US$/kWh) de algumas das tecnologias que se destacam ora por suas peculiaridades técnicas, ora pelas suas perspectivas de progresso e difusão. Essas informações estão apresentadas logo a seguir.

 

As tecnologias de armazenamento bombeado (PHS) e a ar comprimido (CAES) compartilham várias características, como custos de capital relativamente baixos e as mais altas capacidades de armazenamento em relação às demais rotas tecnológicas, podendo armazenar energia por períodos prolongados. Dependem, contudo, de condições geologicamente favoráveis para sua instalação. O armazenamento bombeado é uma tecnologia bastante madura, mas é precipitado afirmar o mesmo sobre CAES – sua modalidade tradicional encontra-se em plenas condições de comercialização, mas melhorias estão sendo concebidas e testadas, como armazenagem de energia a ar comprimido em pequena escala e sistemas de armazenamento em ar comprimido isotérmicos e adiabáticos.

Baterias de sódio-enxofre (NaS) e de lítio-íon (Li-íon) estão entre as mais promissoras tecnologias de armazenamento eletroquímico. As baterias NaS são notavelmente atrativas para a integração de fontes renováveis intermitentes de energia, devido à sua longa vida útil em ciclos e às suas altas densidades de energia armazenável e de potência. Mais de 99% da massa dessas baterias é reciclável, e figuram como a mais econômica opção de armazenamento em baterias. Já as de Li-íon são atualmente as que mais atraem atenção no âmbito do armazenamento de energia integrado à oferta energética, sendo o tipo de bateria mais eficiente do ponto de vista elétrico, devido à baixa resistência interna de suas células. Baterias Li-íon, porém, são tecnologias ainda caras para aplicações de larga escala no setor de suprimento energético. Aquelas baseadas em cobalto enfrentam o problema de relativa escassez de matéria prima, enquanto as baseadas em fosfato, ainda em estágio de desenvolvimento, são mais eficientes e de menor custo, apresentando também estas alta densidade energética e alta potência.

Capacitores podem ser carregados a velocidades substancialmente maiores que baterias, mas sua baixa densidade energética e sua faixa de potência de operação (da ordem de alguns quilowatts) os tornam adequados para serviços de qualidade da energia, e podem ser utilizados para maximizar a vida útil de baterias. Os supercapacitores, por sua vez, representam um grande avanço na tecnologia de armazenamento capacitivo, trazendo consigo capacitâncias e densidades energéticas muito maiores que as de capacitores convencionais. A inserção de supercapacitores em sistemas de potência que integram energias renováveis intermitentes traz diversos benefícios, oferecendo serviços de estabilização de energia em redes elétricas e em usinas eólicas e fotovoltaicas. No mesmo ramo de atuação dos supercapacitores encontram-se os volantes de inércia, relativamente recentes no comércio e com custos de capital variando amplamente. Sua grande vantagem em relação a baterias é a sua longa vida útil, capaz de promover centenas de milhares de ciclos de carga e descarga completos. Volantes de inércia são altamente eficientes, e encontram aplicações mormente em processos de regulação da qualidade da energia e fornecimento de potência em casos de interrupções de poucos segundos, ou mesmo agindo como ponte durante a mudança de uma fonte de energia a outra. A evolução do desempenho de supercapacitores e de volantes de inércia é altamente dependente de inovações em ciência e engenharia de materiais. Interessantes exemplos, nesse sentido, são o supercapacitor composto de silício e o volante de inércia baseado em fibras de carbono.

No caso específico do armazenamento térmico (TES), verifica-se um vasto espectro de tecnologias, com desenvolvimento territorialmente e temporalmente fragmentado, o que dificulta a compilação de informações sobre seus custos e parâmetros de desempenho técnico, bem como investimentos de longo prazo. Dentre as tecnologias térmicas, destacam-se, no âmbito da oferta de energia, aquelas de armazenamento a alta temperatura (HT-TES), cujo custo de capital pode variar de 200 a 300 US$/kW. O desenvolvimento de usinas solares térmicas com armazenamento de energia a alta temperatura para geração contínua de eletricidade pode oferecer uma nova alternativa para oferta de energia em carga de base.

 

 

Storage-resumo kWh
Variação de custos (US$/kWh) de algumas tecnologias de armazenamento de energia

 

 Referências

[1] Chen, H. et al. Progress in electrical energy storage system: A critical review. Progress in Natural Science, v. 19, pp. 291-312, 2009.

[2] Rastler, D. Electricity energy storage technology options: a white paper primer on applications, costs, and options. Electric Power Research Institute (EPRI), 2010.

[3] Taylor, P. et al. Pathways for energy storage in the UK. Centre for low carbon futures, 2012. Disponível em:

<http://www.lowcarbonfutures.org/sites/default/files/Pathways%20for%20Energy%20Storage%20in%20the%20UK.pdf>. Acesso em 01 abr. 2016.

[4] Rastler, D. Overview of energy storage options for the electric enterprise. Electric Power Research Institute (EPRI). 2009. Disponível em:

<http://www.energy.ca.gov/2009_energypolicy/documents/2009-04-02_workshop/presentations/0_3%20EPRI%20-%20Energy%20Storage%20Overview%20-%20Dan%20Rastler.pdf>. Acesso em 01/04/2016.

[5] Evans, A; Strezov, V; Evans, T. J. Assessment of utility energy storage options for increased renewable energy penetration. Renewable & Sustainable Energy Reviews, v.16, pp. 4141-4147, 2012.

[6] Shoenung, S. M. Characteristics and technologies for long- vs. short-term energy storage: a study by the DOE energy storage systems program. SAND2001-0765. Sandia National Laboratories. United States Department of Energy, 2001.

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

4 thoughts on “Planejamento e armazenagem de energia

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  • 15 de outubro de 2016 em 11:45
    Permalink

    Boa tarde amigos, muito interessante os conceitos demonstrados na pesquisa.
    Muitas dessas tecnologias de armazenamento de energia não possuem uma divulgação ampla, achei especialmente interessante a tecnologia de armazenamento de energia por ar comprimido, devido à possibilidade de aplicação em pequena escala.
    Pessoalmente acredito que o caminho mais viável é o incentivo a produção de energia em pequena escala, onde cada uma produziria sua própria energia em sua casa se aproveitando de inúmeras tecnologias (solar, térmica, eólica, cinética) combinadas para isso. Logicamente continuaríamos tendo um sistema único de energia perene disponibilizado pelo estado ou instituições privadas, como forma de segurança de um abastecimento contínuo, porém seriamos cada vez menos dependentes do mesmo.
    As tecnologias de armazenamento de energia apresentadas, são justamente um importante elo desse novo ciclo de energia.
    Abraços a equipe.

    Resposta
  • 4 de dezembro de 2017 em 10:20
    Permalink

    Interessante o artigo. Aqui no RS estamos em um dilema. Um grande projeto de energia na cidade de Rio Grande no sul do estado está parado porque a empresa que tinha ganho a licitação não pode continuar o projeto ou pelo menos alegou isso. Porém rumores indicam que a desistência foi pela falta de conexão com a rede de energia brasileira, ou seja, se ela seguisse o projeto, teria produção de energia mas não teria conexão com a rede. Então isso mostra a precariedade da rede de energia brasileira. Vamos torcer para haver uma evolução rápida.

    Resposta

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