A disseminação da tecnologia solar fotovoltaica no Brasil: possíveis contribuições da isenção do ICMS

 

Nos estágios iniciais da difusão de novas tecnologias é conhecida a importância do apoio de políticas públicas para que se obtenham os benefícios esperados do uso das mesmas. Isso é especialmente importante quando existem barreiras de custos elevados, informação, e entre outros que impedem que essas tecnologias comecem a competir no mercado.

Isso tem acontecido com diversas tecnologias de energia, inclusive foi o que o Brasil fez há mais de trinta anos quando buscou criar um mercado para o etanol em substituição a gasolina.

No caso da tecnologia solar fotovoltaica, ainda ensaiamos apoios estruturados dentro de uma política de incentivo à geração distribuída e sua inserção no sistema interligado nacional. No entanto, já temos alguns incentivos sendo colocados em prática. Temos começado a estuda o efetivo impacto de alguns desses mecanismos e um de meus alunos esteve procurando mensurar o efeito da isenção de impostos na disseminação de instalações fotovoltaicas em vários estados (e concessionárias) brasileiros. Os resultados são preliminares e estamos ainda nos estágios iniciais de difusão dessa tecnologia. É muito provável que estamos ainda explorando segmentos muito particulares do mercado, que agregam consumidores (agora prosumidores, ou seja produtores-consumidores) de melhor renda e informação, e inovadores.  Devemos, portanto, interpretar com cautela os resultados, mas é muito interessante observar que já temos indicações de que esse tipo de mecanismo está tendo contribuições para a expansão da geração descentralizada no país.

O texto abaixo de autoria do doutorando Rodolfo Damásio ilustra alguns dos resultados que estamos estudando e que deverão ser expandidos durante suas pesquisas para seu doutorado.

 

A importância das políticas públicas na difusão de fontes renováveis de energia
 
MSc. Rodolfo Damásio de Castro

Doutorando do programa de Planejamento de Sistemas Energéticos (FEM/Unicamp)

A energia solar representa uma grande alternativa para minimizar os problemas modernos no que tange a questão da sustentabilidade. Renovável e com potencial de geração energética elevado, a fonte, comparada às outras, apresenta uma das taxas de crescimento mais elevadas do mundo, apresentando em 2015 um valor de cerca de 34%. A tecnologia, apesar de apresentar reduções em seu preço ano a ano, ainda possui um valor elevado, o que a impede de ser competitiva como as fontes convencionais de geração, ou até mesmo de renováveis mais difundidas como a eólica. Dessa forma, é imprescindível compreender como tem se dado a difusão desta tecnologia pelos países, suas estratégias e políticas de incentivo utilizadas para viabilizá-la.

No Brasil, a Resolução Normativa nº 482 (RN482) criada pela ANEEL foi um marco para a geração distribuída. Aprovada em abril de 2012, a normativa formalizou a instalação de sistemas de mini e micro geração distribuídas atribuindo uma operação de compensação energética para os usuários que vierem a adquirir o sistema. A partir de então, usuários residenciais passaram a instalar sistemas de geração de energia elétrica para autoconsumo e estabeleceu-se uma base para a criação de um mercado de equipamentos fotovoltaicos, tecnologia até então pouco explorada no país e de grande potencial de aproveitamento energético nacional.

Como vários países, o Brasil também utiliza de mecanismos para promover uma maior competitividade da energia solar fotovoltaica em seu território. Diversas políticas foram adotadas na maioria dos estados e em âmbito nacional de modo a alavancar sua difusão.  O primeiro incentivo fiscal adotado data de 1997. Foi criado nesse ano o Convênio ICMS 101/97, que isentou da tributação do ICMS as operações com geradores fotovoltaicos e células solares. Destaca-se aqui a importância do mecanismo para a difusão da fonte que, mesmo não tendo inserções consideráveis à época, o convênio estará vigente até 2021.

Em 2013 a Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) aprovou o Projeto de Lei do Senado PLS 167/2013, ainda em tramitação, que isenta dos impostos de PIS/PASEP, COFINS, IPI e Imposto de Importação os painéis fotovoltaicos e outros componentes que integram um sistema de geração solar. O PLS 167/2013 ainda está em tramitação e, portanto, ainda não foi aprovado. Dessa forma a proposta pode representar no futuro um importante incentivo à fonte.

Pela Câmara dos Deputados tramita o Projeto de Lei PL 8322/14 que propõe a isenção, somente quando não houver similar nacional, de Imposto sobre Importação e a isenção do PIS, COFINS e IPI, similar ao projeto do Senado anteriormente citado. Da mesma forma, este projeto encontra-se em tramitação e, portanto, os equipamentos e sistemas ainda possuem a taxação.

Em abril de 2015 o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) lançou o Convênio ICMS 16/15 onde isentava da cobrança do ICMS sobre as operações de compensação de energia. Inicialmente apenas os estados de Goiás, Pernambuco e São Paulo aderiram ao convênio. Em junho o estado do Rio Grande do Norte aderiu, seguido por Ceará e Tocantins em julho, Bahia, Maranhão, Mato Grosso e Distrito Federal em novembro e Acre, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul em dezembro. No convênio ficou estabelecido a isenção do PIS/PASEP e COFINS das operações de compensação energética. Como esses impostos são federais, a isenção impacta todos os estados da nação. O Convênio entrou em vigor a partir de setembro de 2015.

Além da presença de incentivos fiscais à fonte, às operações de compensação energética e a redução do preço da tecnologia, outro fator que influencia a atratividade da fonte é a tarifa praticada pelas distribuidoras de energia elétrica, sua concorrente direta, ou seja, quanto maior o preço praticado pela concessionária, maior os benefícios financeiros do consumidor na aquisição de um sistema de geração fotovoltaica. Dessa forma espera-se que o aumento das tarifas implique positivamente na difusão da energia solar futuramente.

A ANEEL mantém um banco de dados contendo informações a respeito dos sistemas de micro e mini geração distribuídos cadastrados em seu sistema chamado “Registro de Micro e Minigeradores Distribuídos”. No banco de dados são disponibilizados a data de conexão de cada sistema cadastrado, a concessionária a que foi conectado dentre outros dados. A Figura 1 apresenta a distribuição de sistemas fotovoltaicos residenciais por concessionária de energia e por estado no Brasil. Na imagem, cada cor representa uma concessionária diferente.

Figura 1 - Distribuição do número de sistemas fotovoltaicos residenciais por estado e concessionária.

Captura de Tela 2016-08-08 às 10.40.49


De posse dos dados da ANEEL, das informações a respeito da adoção das políticas de incentivo no Brasil, da tarifa e quantidade de consumidores por concessionária e da série de preços da tecnologia fotovoltaica praticada na China (corrigida para valores de Junho/2016) modelou-se matematicamente o problema a fim de quantificar a influência dessas variáveis na difusão da tecnologia no território brasileiro. Em termos matemáticos, temos que a difusão dos sistemas é função do preço da tecnologia, do preço da tarifa praticada, da quantidade de consumidores instalados na concessionária e da presença de incentivos ou não. A Eq. 1 apresenta o modelo utilizado.

Captura de Tela 2016-08-08 às 10.41.05

onde SFV corresponde à quantidade de sistemas residenciais de geração fotovoltaica cadastrados no banco de dados da ANEEL, ICMS corresponde ao valor do ICMS praticado pelo estado onde está localizada a concessionária, PIS/COFINS é uma variável dummy onde o valor 0 corresponde à presença da cobrança do imposto e o valor 1 corresponde à isenção do imposto nas operações de compensação energética, $EE corresponde à tarifa praticada pela concessionária, $FV corresponde ao preço da tecnologia fotovoltaica e CONS corresponde à quantidade de consumidores conectados à concessionária. Os índices i e t correspondem à concessionária e ao período de análise respectivamente. Os coeficientes β que acompanham as variáveis medem a influência dessas na difusão dos sistemas, α0 corresponde ao intercepto geral (padronizado para a concessionária ESCELSA) do modelo e αi capta os efeitos fixos de cada concessionária. O termo ε0 corresponde ao erro de estimação do modelo.

Ao todo, os dados de 12 concessionárias foram analisados (AES Sul/RS, Ampla/RJ, Celesc/SC, Cemig/MG, Coelba/BA, Coelce/CE, Copel/PR, CPFL Paulista/SP, CPFL Piratininga/SP, Light/RJ e RGE/RS e ESCELSA/ES) – de acordo com o banco de dados, somente essas tiveram no fim do período mais de 50 sistemas instalado; foi utilizado esse critério pois, em geral, aquelas que apresentavam menos de 50 sistemas não possuíam uma curva suave de difusão dos sistemas. A Tabela 1 apresenta os resultados da análise de regressão.




Tabela 1 - Resultados da regressão.

Captura de Tela 2016-08-08 às 10.41.20

Interpretando os resultados, é possível observar que esses se comportaram de acordo com o esperado. O sinal negativo do coeficiente da variável ICMS evidencia que quanto maior o ICMS cobrado pelo estado, mais lenta é a difusão dos sistemas fotovoltaicos; o valor positivo do coeficiente de PIS/COFINS mostra que a isenção desses resultou em uma difusão mais acelerada da tecnologia; o valor positivo do coeficiente de $EE evidencia que quanto maior a tarifa de energia elétrica cobrada pela concessionária, mais rápida é a difusão dos sistemas, devido provavelmente ao aumento de sua atratividade; o coeficiente negativo de $FV mostra que o aumento do preço da tecnologia reduz sua velocidade de difusão; e o valor positivo de log(POP) mostra que quanto maior a quantidade de consumidores conectados à concessionária, maior o número de sistemas instalados e conectados à sua rede.

A Figura 2 apresenta uma projeção da difusão dos sistemas para a concessionária CEMIG caso ainda houvesse a cobrança do ICMS no estado de Minas Gerais. O resultado evidencia a importância, segundo o modelo desenvolvido, da política de incentivo no crescimento do número de sistemas instalados. Nota-se no gráfico uma diferença de mais de 200 sistemas com relação ao período com isenção.

Figura 2 - Evolução comparada da quantidade instalada de sistemas na CEMIG com e sem isenção do ICMS.

Captura de Tela 2016-08-08 às 10.41.44

Os efeitos fixos de cada concessionária evidenciam que as diferenças socioeconômicas, culturais, climáticas, dentre outras, encontradas nas diferentes concessionárias, interferem também na difusão desses sistemas. É possível notar algumas semelhanças em concessionárias do mesmo estado, por exemplo, a AES SUL e RGE são ambas do Rio Grande do Sul e apresentam efeitos fixos relativamente próximos. O mesmo ocorre com os valores da CPFL Paulista e CPFL Piratininga, ambas de São Paulo. Apesar das concessionárias AMPA e LIGHT, ambas do Rio de Janeiro, não apresentarem o mesmo comportamento, a proximidade do coeficiente das outras duas evidencia que as semelhanças socioeconômicas produzem efeitos semelhantes na difusão dos sistemas.

Conclui-se, então, que apesar do curto período de experiência da energia solar fotovoltaica no Brasil, a adoção de mecanismos de incentivo já provocou uma mudança positiva de comportamento da difusão da tecnologia nas regiões analisadas. Além disso, a tarifa cobrada tem um papel importante na atratividade dos sistemas, modificando seu o retorno financeiro do investimento e protegendo o usuário dos reajustes da tarifa. Por fim, o contínuo declínio do preço da tecnologia fotovoltaica, junto aos outros fatores, pode alavancar o crescimento da potência instalada de sistemas fotovoltaicos no Brasil e permitir uma inserção relevante da fonte na matriz energética nacional.




Sugestão de leitura:
  • Sarzynski, Andrea, Jeremy Larrieu, e Gireesh Shrimali. 2012. “The impact of state financial incentives on market deployment of solar technology”. Energy Policy 46 (julho): 550–57. doi:10.1016/j.enpol.2012.04.032.
  • Pinho, João Tavares, Galdino, Marco Antônio. 2014. “Manual de Engenharia para sistemas fotovoltaicos”. CEPEL-CRESESB.
  • América do Sol. “Conhecimento em Energia Fotovoltaica”. Disponível em http://americadosol.org/conhecimento-em-energia-fotovoltaica/.

 

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Gilberto

Professor Titular em Sistemas Energéticos do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (Universidade de Campinas), Pesquisador Sênior do Núcleo Interdisciplinar de Energia da UNICAMP (NIPE-UNICAMP). Diretor Executivo da International Energy Initiative-IEI, uma pequena, organização não-governamental internacional, independente e de utilidade pública conduzida por especialistas em energia, reconhecidos internacionalmente e com escritórios regionais e programas na América Latina, África e Ásia. O IEI é responsável pela edição do periódico Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier.

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