José Fornari (Tuti) – 1 de maio de 2019
fornari @ unicamp . br
A série harmônica, tão vista nos últimos artigos, pode ser considerada como uma importante base física da arte musical uma vez que esta é embasada nesta série que é um fenômeno físico que também contribuiu em moldar a evolução da sensação e da percepção sonora. Vimos como a percepção inata que temos desta série ajudou a criar as 3 escalas fundamentais da música ocidental (pentatônica, diatônica e cromática) e seus respectivos modos. Este artigo discutirá como a série harmônica também influencia na geração da harmonia musical, ou seja, a ocorrência simultânea de sons tonais e a percepção de sua harmonia.
Considerando a série harmônica iniciada em C (a nota Dó), o seu terceiro harmônico equivalerá à fundamental da nota G e o seu quinto harmônico, à fundamenteal de E. Estas 3 notas, colocadas em sequência dentro de uma mesma oitava (C-E-G), formam um acorde simples de 3 notas, conhecido por “tríade”; no caso, a “tríade maior” pois o seu primeiro intervalo (entre C e E) é uma terça maior, que corresponde a um intervalo de 2 tons ou 4 semitons. O segundo intervalo desta tríade (entre E e G) é uma terça menor (equivalente a 3 semitons). Em relação à fundamental (a nota C), os intervalos contidos numa tríade maior são: terça maior (entre C e E) e quinta (entre C e G). Considerando agora uma nova série harmônica formada a partir do terceiro harmônico de C (a nota G) a tríade formada pelos seus terceiro e quinto harmônicos constituem uma tríade maior de G, formada pelas notas G-B-D. A terça maior entre G e B inclui a nota B com aproximação perceptual suficiente para passar a ser considerada consonante à tríade maior de C-E-G, formando assim um acorde de 4 notas, ou seja, uma ‘tétrade’. Esta é formada pelas notas C-E-G-B. A tétrade tornou-se especialmente aceita após o advento do sistema temperado de afinação, que ajudou a minimizar a dissonância entre B e C, a qual foi esteticamente englobada tanto pela música erudita quanto pela popular, em gêneros musicais como o Jazz e a Bossa Nova.
Se fizermos o mesmo processo para o quinto harmônico de C (correspondente à nota E), a sua quinta (ou seja, o seu terceiro harmônico) é também um B. Omitindo o C, tem-se uma nova tríade formada pela sequência E-G-B. Esta é uma tríade formada pelos intervalos de terça menor (entre E e G) e terça maior (entre G e B). Por iniciar com uma terça menor, esta é chamada de “tríade menor.” Do mesmo modo, pode-se gerar uma tríade menor iniciando uma série harmônica a partir da nota F para a qual o C equivale a sua quinta (ou seja, o seu terceiro harmônico). Iniciando de F, a sua terça maior (o seu quinto harmônico) equivale à nota A. Do mesmo modo, omitindo o F, tem-se novamente a formação de uma tríade menor, porém formada pela sequência A-C-E. Estas tríades menores são relativas à fundamental da tríade maior, no caso deste exemplo, o C.
Enquanto a tríade maior é formada por uma terça maior seguida de uma terça menor, a tríade menor é formada pela inversão desta ordem, ou seja, inicia por uma terça menor seguida de uma terça maior. Do que foi explicado acima pode-se perceber que a tríade maior corresponde a harmônicos da série harmônica mais próximos da fundamental. Enquanto a tríade maior é formada pelo primeiro, quinto e terceiro harmônico (equivalente às razões de frequência fundamental: 1, 5/4 e 3/2) a tríade menor pode ser formada tanto pela terça, quinta e quinta da terça da mesma fundamental, equivalente às respectivas razões: 5/4, 3/2 e (5/4)*(3/2) = 15/8, ou então pela terça da quinta descendente, fundamental e terça; equivalente às razões (2/3)*(5/4)=5/6, 1 e 5/4. Assim temos as seguintes razões de frequência em relação à fundamental:
Tríade maior: [1, 5/4, 3/2].
Tríade menor: [5/4, 3/2, 15/8] (relativa superior) ou [5/6, 1, 5/4] (relativa inferior).
Normalizando os 2 grupos menores, tem-se:
[(5/4)*(4/5), (3/2)*(4/5), (15/8)*(4/5)] ou [(5/6*(6/5), 1*(6/5), (5/4)*(6/5)]
[1, 6/5, 3/2] ou [1, 6/5, 3/2], que são idênticas, correspondendo assim a tríade menor iniciada no mesmo tom que a tríade maior (a fundamental).
Assim, as suas relações intervalares são:
Tríade maior: [1, 5/4, 3/2]
Tríade menor: [1, 6/5, 3/2]
Exemplificando, se a frequência do harmônico fundamental é 1000Hz, então as tríades teriam as seguintes frequências (em Hz):
Tríade maior: 1000,1250, 1500
Tríade menor: 1000, 1200, 1500
Ao escutar estas três notas tocadas simultaneamente, em especial através de um gerador de tons puros (link nas referências), o ouvinte enculturado à música ocidental tenderá a perceber que a tríade menor remete a uma sensação associada à melancolia ou tristeza. Isso não quer dizer que a escuta do acorde menor induz no ouvinte esta emoção, mas apenas que este ouvinte não terá dificuldades em constatar tal padrão afetivo neste acorde. Do mesmo modo, a tríade maior, escutada isoladamente, normalmente remete à constatação de leveza ou mesmo de alegria. Isto se deve ao fato de que a tríade maior é formada por notas cujas frequências fundamentais estão mais próximas aos primeiros harmônicos da série (primeiro, quinto e terceiro) enquanto que a tríade menor remete a harmônicos mais distantes (quinto, terceiro, décimo quinto), conforme visto na figura abaixo. Por este motivo, a tríade maior é de certo modo processada mais facilmente pela cognição musical do que a tríade menor, o que talvez seja o motivo pelo qual o acorde maior soa alegre e descontraído, enquanto o acorde menor soa mais triste e pesaroso, para a maioria dos ouvintes ocidentais.
Referências:
[1] Online tone generator https://www.szynalski.com/tone-generator/
[2] Triads and seventh chords http://openmusictheory.com/triads.html
[3] Critical Bands in Human Hearing. Siemens Experimenter smacdon Siemens Experimenter Siemens Experimenter. https://community.plm.automation.siemens.com/t5/Testing-Knowledge-Base/Critical-Bands-in-Human-Hearing/ta-p/416798
[4] R. Plomp, W. J. M. Levelt. “Tonal Consonance and Critical Bandwidth”. The Journal of the Acoustical Society of America 38, 548; https://doi.org/10.1121/1.1909741. (1965)
Como citar este artigo:
José Fornari. “Modos maiores e modos menores de acordes harmônicos”. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 1 de maio de 2019. Link: https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/05/01/18/