Música e Amor: Da piloereção à perfeição

ESPECIAL

José Fornari (Tuti) – 19 de junho de 2019

fornari @ unicamp . br


Quem já não escutou uma música e, muitas vezes, sem qualquer razão aparente, percebeu os pelos dos seus braços eriçarem, acompanhados por uma grande sensação de satisfação? Esta onda de arrepios associados a intensa sensação de prazer é chamada de frisson. Música é muitas vezes capaz de criar esta reação numa quantidade significativa de ouvintes, apesar de que nem todos terão o privilégio de terem esta experiência involuntária (segundo alguns estudos, apenas metade dos ouvintes são capazes de experimentar frisson ao ouvir a música de sua preferência).

Esta reação involuntária desencadeia a contração dos músculos eretores dos pelos (musculus erector piliou também “músculo horripilador”), o que causa a piloereção. Esta pode ocorrer devido à resposta ao frio (a fim de ajudar a retenção da camada superficial de ar próxima da pele, diminuindo assim a perda de calor) bem como em situações inesperadas, como uma surpresa ou um susto (por exemplo, os gatos que, ao se assustarem, arrepiam seus pelos, desse modo parecendo maiores do que na verdade são e assim eventualmente diminuindo a chance de serem atacados por um animal maior). Em humanos, a piloereção pode ser provocada por sons irritantes (ex: ruídos agudos como o de unhas arranhando uma lousa) bem como por experiências prazeirosas, como a lembrança de episódios com grande conteúdo emotivo ou mesmo escutando uma música que o ouvinte involuntariamente considera “assombrosamente bela”.

Ao ouvirmos uma música que nos assusta de tão bonita, nosso cérebro libera dopamina, um poderoso neurotransmissor relacionado à sensação de prazer. Dopamina é liberada tanto em situações onde se constata uma grande satisfação ou vantagem (ex: ganhar um prêmio) como em momentos de grande fadiga (ex: correndo uma maratona), como forma de amenizar um sofrimento. A liberação de dopamina causa arrepios (chills) no ouvinte, faz com que a resistência cutânea da pele varie, acelera o batimento cardíaco e a respiração (entre outras reações fisiológicas). Isto faz com que muitas pessoas associem esta reação com o “prazer de se escutar música”, o que talvez torne este ato de ouvir algo tão importante para a grande maioria das pessoas.

Como disse antes, a já mitológica saga introduzida originalmente pelo filme Star Wars, de 1977, trata de ações humanas que estão intimamente ligadas à experiência de frisson. Esta conta, como uma epopéia, a fictícia aventura “num lugar muito distante, a muito tempo atrás” separando, no tempo e no espaço, uma estória que, para muitos dos seus fãs, é ao mesmo tempo assustadora e bela. Permeada de imagens mostrando incomensuráveis vastidões do espaço sideral, imensas paisagens desérticas em planetas distantes, com exóticas civilizações, este épico trata especialmente da luta do bem contra o mal; um grupo de jovens rebeldes, com muito ânimo e poucos recursos, lutando bravamente contra um poder maligno e supremo (o império). Este tema vem sendo explorado ao longo da história humana como grande elemento afetivo pois espelha de forma épica a nossa luta diária contra as intempéries que a vida nos traz. No entanto, este roteiro, sua filmagem e os efeitos especiais, não foram suficientes para sozinhos atingirem o resultado emotivo esperado. Toda a obra somente veio a se completar e desse modo, com o potencial de provocar frisson, ao ser complementada com a brilhante trilha sonora orquestral de John Williams; a “Star Wars Suite”.

A reação de frisson pode ser experimentada tanto em momentos de batalha quanto em momentos de paz. Muitas vezes experimentamos frisson nos momentos onde afloram os 3 tipos de amor: Eros, Philia e Ágape.

Em Eros tem-se a sedução, a paixão, a comoção, os extremos, a dualidade entre atração e repulsa, a luta do bem contra o mal. Um exemplo musical da representação desse tipo de amor pode ser escutado no trecho da trilha musical acima mencionada, no instante: 5m45s (Princess Leia’s theme). Percebe-se uma certa semelhança com o trecho do prelúdio de Tristão e Isolda, mencionado no artigo anterior (neste trecho, o intervalo musical inicial do tema principal é uma sexta maior, enquanto que no trecho de Tristão e Isolda tem-se no início do tema principal uma sexta menor).

Em Philia tem-se a amizade, a celebração da vitória, o companheirismo, a cooperação, a ação em conjunto frente a um inimigo em comum, como é o caso, em Star Wars, da celebração dos rebeldes na vitória contra o império do mal. Um trecho desta trilha sonora que, na minha opinião, representa bem este tipo de amor pode ser escutado em 16m40s (Throne room and End title)

Em Ágape, tem-se o carinho, a consideração, o desapego, a sabedoria e a alegria inconsequente e incondicional. Normalmente este é o momento que a maioria das estórias acaba; o momento do “felizes para sempre”, onde todos os conflitos foram superados e não há mais nada a ser alcançado (e consequentemente, contado na estória). Resta tentarmos responder para nós mesmos o quanto seria possível convivermos permanentemente em estado de ágape. Não seria este equivalente ao conflito de Ulisses, no mito de seu naufrágio na encosta da ilha da ninfa Calipso? Esta, ofereceu tudo a Ulisses; perfeição e saciedade de todos os seus desejos; inclusive a imortalidade, desde que ele ficasse nesta ilha (em estado de perfeição). Ulisses, após algum tempo, percebe-se incapaz de viver sem conflitos, desafios e aventuras. Com o aval de Zeus, lança-se ao mar para fugir da perfeição que o asfixiava.

A perfeição é algo que vem sendo ponderado ao longo da história por muitos pensadores. Mesmo que apenas aparente (ou seja, mesmo não havendo de fato uma perfeição absoluta mas apenas a percepção de sua existência) esta, com o tempo, extingue o fogo das paixões na alma daquele que a experimenta, uma vez que deixa claro ao indivíduo que não há nada mais a ser alcançado. Em música, especialmente no universo da música pop, um exemplo marcante deste fato, na minha opinião, é a vida e obra talvez do maior de seus expoentes: Michael Jackson. Nascido em 1958, e tendo iniciado a sua carreira em música pop em 1964 (ou seja, aos 6 anos de idade) Michael Jackson é conhecido como o “rei do pop”. Apesar de grandes esforços e muitos conflitos com seu pai, Joe Jackson, Michael teve uma vida de realizações plenas, desde muito cedo. O resultado disso é notoriamente conhecido. Crises de personalidade, cirurgias plásticas que o deformaram, acusações de pedofilia, comportamentos excêntricos e erráticos, como se fosse uma criança que se recusava a se tornar adulta. No entanto, o seu talento como cantor, compositor e especialmente dançarino eram inegáveis.

Para mim, um de seus maiores sucessos, Ben, é também um dos melhores epitáfios de sua vida e carreira. A canção foi composta em 1972 por Don Black e Walter Scharf para um filme de terror, também chamado “Ben”. Este filme conta a estória de um menino que se torna amigo de um rato, que o menino passa a chamar por “Ben”. No entanto este rato havia antes sido treinado por um cientista (Willard) para executar assassinatos. Esta canção foi gravada por Michael Jackson aos 14 anos de idade. Como não fazia referência direta ao filme ou mesmo ao rato assassino, esta foi lançada em álbum solo e rapidamente atingiu enorme sucesso, tornando-se também o nome do álbum de Michael Jackson, o qual foi o seu primeiro grande hit como artista solo, tornando-se o mais novo cantor a ocupar a primeira colocação do US charts, tanto como artista solo quanto como membro de grupo musical (The Jackson 5).

Mesmo com uma carreira de imensas realizações e enormes sucessos, Michael Jackson foi, com o passar dos anos, se mostrando cada vez mais excêntrico, imaturo, insano e consequentemente infeliz. Em 2009, sua vida chegou ao fim, após inúmeros desgastes pessoais e artísticos, por ele mesmo provocados. Em 2009, aos 50 anos de idade, morre o rei do pop, vítima de seu próprio excesso de sucesso. O filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855) dizia que existem 4 tipos de perfeccionismo, que sempre levam o indivíduo a se iludir e consequentemente à sua inevitável infelicidade: 1) Perfeccionismo que leva à procrastinação, o que impede que o indivíduo faça aquilo que ele sabe que deve ser feito. 2) Perfeccionismo que leva ao exagero de suas habilidades, fazendo com que este indivíduo eventualmente deseje alcanç4) Perfeccionismo como exagero de controle, o que faz o indivíduo acreditar que deve controlar todos os fatores internos e externos que o afetam, fazendo com que este sofra por exaustão ou frustração. Mantendo-se distante do perfeccionismo, porém a este se referindo, a música aponta para um ideal estético inalcançável, o que a faz ao mesmo tempo sedutora e intangivelmente bela. 4) Perfeccionismo como exagero de controle, o que faz o indivíduo acreditar que deve controlar todos os fatores internos e externos que o afetam, fazendo com que este sofra por exaustão ou frustração. Mantendo-se distante do perfeccionismo, porém a este sempre se referindo, a música aponta para um ideal estético inalcançável, o que a faz ao mesmo tempo sedutora e intangivelmente bela.