José Fornari (Tuti) – 24 de abril de 2019
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No artigo anterior vimos o processo de formação, a partir da série harmônica, da escala diatônica (de 7 notas por oitava, formada por 2 tetracordes). Já havíamos visto anteriormente o processo de geração da escala cromática (de 12 notas por oitava). Falaremos agora sobre de uma escala mais simples, porém fundamental, formada por 5 notas por oitava. Esta é a escala pentatônica (ou seja, com 5 notas). Como nas outras escalas, esta também pode ser gerada pelo ciclo de quintas que vem da série harmônica. Iniciando, por exemplo, em C, a sua quinta é G, cuja quinta é D. Por sua vez, a quinta de D é A e a quinta de A é E. Interrompendo aqui a sequência de quintas, tem-se a seguinte sequência de 5 notas: C, G, D, A, E. Rearranjando as notas dentro de uma mesma oitava, temos: C, D, E, G,A. Esta é a escala pentatônica de C. A razão da interrupção do ciclo de quintas em E é porque a próxima quinta desta sequência seria um B, o que viria a se aproximar da fundamental (C) de apenas um semitom. Este é um intervalo muito próximo em termos de diferença de frequência. No sistema temperado, quando duas notas com frequência fundamental separadas de 1 semitom (como, por exemplo, B1 e C2) são tocado simultaneamente, tem-se a formação de batimentos perceptíveis entre ambas, o que gera a sensação de uma nova frequência. Por razões que serão explicadas em detalhes em futuros artigos, isto gera o que é conhecido em música como “dissonância”; um tipo de incongruência cognitiva no reconhecimento de ambas as notas, o que é normalmente relacionado à uma sensação de desconforto (mas obviamente, nem sempre, como será oportunamente tratado). Deste modo, a escala pentatônica original, não possui esse tipo de dissonância, pois nenhuma combinação de suas notas estará distanciada por intervalo menor que um tom. Interessante notar que se removermos as 2 notas que formam o trítono na escala diatônica (no caso de C, o F e o B) teremos uma escala pentatônica de C.
Existem variações da escala pentatônica original, formada diretamente pela série harmônica, como é o caso da pentatônica japonesa, ou Hirajōshi, onde intervalos de semitons são inseridos entre as notas,
Porém estas (intencionalmente) não desfrutam da ausência de dissonâncias que a pentatônica original possui. Percebe-se que a inclusão de semitons nessa escala como que remete a um clima de solenidade, tristeza e tensão.
É interessante perceber que a subtração das notas da escala diatônica da escala cromática naturalmente forma uma escala pentatônica. O teclado do piano é engenhosamente organizado de modo a representar as 3 escalas fundamentais: a cromática, a diatônica e a pentatônica. Dentro de um intervalo de oitava, tocando todas as notas em sequência, sem pular nenhuma, tem-se a escala cromática, formada por 12 notas por oitava, igualmente espaçadas de 1 semitom para cada par contíguo de notas. Já entre duas notas brancas separadas por uma oitava, tem-se as 7 notas que descrevem a escala diatônica (em um dos 7 modos gregos, que serão aqui vistos). Já as notas superiores, pretas, estas formam o conhecido padrão de 5 notas por oitava, organizadas em grupos alternados de 3 e 2 notas. Tocadas em sequência, estas descrevem uma escala pentatônica. O famoso livro “Syntagma Musicum” do musicólogo alemão Michael Praetorius, do século 17 DC, traz a ilustração de um teclado de órgão do século 14 DC, que já apresentava a organização similar à dos teclados atuais, com notas superiores, em grupos intercalados de 2 e 3 notas que formam a escala pentatônica, e as notas inferiores formando a escala diatônica.
Um efeito interessante que se pode explorar, especialmente para quem não é tecladista, é tocar ao acaso apenas as notas pretas do teclado. Será possível perceber que não ocorrerão dissonâncias, não importa a ordem ou quantidade de notas tocadas simultaneamente, dando a impressão aos menos avisados que este indivíduo sabe tocar um pouco de teclado.
Na escala diatônica, tem-se dissonâncias, tanto entre notas contíguas, como terceiro e o quarto grau, como entre o sétimo e a repetição do primeiro grau, na oitava. Também existem tensões importantes, como entre o quarto e o sétimo grau, que formam juntos o intervalo de trítono. Conforme mencionado anteriormente, este intervalo na idade média era considerado o “intervalo do diabo”, devido à sua grande tensão, e assim costumava ser evitado no canto gregoriano. Este fato provavelmente levou Guido D’Arezzo a criar um pentagrama inicial que descrevia não as 7 notas da escala diatônica, mas um hexacorde, constituídos pelas 6 primeiras notas da escala diatônica, excluindo o sétimo grau. A escala diatônica maior é facilmente gerada no teclado do piano. Basta tocar a sequência de notas entre dois C separados por uma oitava (conforme vista na figura acima). No entanto, este é apenas um dos 7 modos diatônicos possíveis de serem representados pelas teclas brancas do piano. Apesar de seus nomes gregos, estes modos não tem grande correlação com os modos gregos antigos (que foram brevemente mencionados anteriormente). A tabela abaixo mostra os 7 modos modernos.
Modo |
Posição da tônica |
Terça |
Sequência de intervalos T=tom / S=semitom |
Sequência de notas |
Jônico |
I |
Maior |
T-T-S-T-T-S |
C-D-E-F-G-A-B |
Dórico |
II |
menor |
T-S-T-T-T-S |
D-E-F-G-A-B-C |
Frígio |
III |
menor |
S-T-T-T-S-T |
E-F-G-A-B-C-D |
Lídio |
IV |
Maior |
T-T-T-S-T-T |
F-G-A-B-C-D-E |
Mixolídio |
V |
Maior |
T-T-S-T-T-S |
G-A-B-C-D-E-F |
Eólio |
VI |
menor |
T-S-T-T-S-T |
A-B-C-D-E-F-G |
Lócrio |
VII |
menor |
S-T-T-S-T-T |
B-C-D-E-F-G-A |
Do mesmo modo, a escala pentatônica também permite criar seus modos. Estes são descritos na tabela abaixo:
Modo |
Posição da tônica |
Terça |
Sequência de intervalos T=tom / M=terça menor |
Sequência de notas |
Jônico |
I |
Maior |
T-T-M-T |
C-D-E-G-A |
Dórico |
II |
– |
T-M-T-M |
D-E-G-A-C |
Frígio |
III |
menor |
M-T-M-T |
E-G-A-C-D |
Mixolídio |
V |
– |
T-M-T-T |
G-A-C-D-E |
Eólio |
VI |
menor |
M-T-T-M |
A-C-D-E-G |
Já a escala cromática, pelo fato de ser uniforme, onde todas as suas notas contíguas são igualmente espaçadas por intervalos de semitom, apresenta apenas um modo.
Referências:
[1] Greek modes.http://www.simplifyingtheory.com/modes-ionian-dorian-phrygian-lydian-mixolydian-aeolian-locrian/
[2] Musical keyboard. https://en.wikipedia.org/wiki/Musical_keyboard
[3] Michael Praetorius. Syntagma Musicum. https://archive.org/details/imslp-musicum-praetorius-michael
Como citar este artigo:
José Fornari. “Pentatônicas, diatônicas e seus modos”. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 24 de abril de 2019. Link: https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/04/24/17/