Tensões e forças musicais

José Fornari (Tuti) – 06 de março de 2019

fornari @ unicamp . br


No artigo anterior, foi apresentado o modelo geral de expectativa, ITPRA, onde o T representa o sentimento de Tensão gerado pela antecipação de um evento. No caso da música, a tensão é descrita como sendo um fator decisivo para se gerar emoção no ouvinte. Em 2012, Morwaread M. Farbood lançou um artigo intitulado “A Parametric, Temporal Model of Musical Tension” onde apresenta um modelo temporal para tensão musical, ou seja, um modelo capaz de calcular o desenvolvimento da tensão no ouvinte ao longo de uma peça musical, simulando aquilo que este experienciaria ao escutar a mesma peça musical. Neste modelo, o conceito de tensão musical é definido em função de diversos parâmetros musicais, entre eles a expectativa musical melódica, conforme definida pelo modelo de Margulis (descrito no artigo anterior). Farbood propôs um modelo quantitativo de tensão musical a partir de 2 experimentos realizados (que são descritos em seu artigo), onde são utilizados os seguintes parâmetros musicais: harmonia, altura (pitch), expectativa melódica, dinâmica, andamento, regularidade rítmica e síncopa. O modelo foi melhorado no sentido de incorporar uma janela temporal móvel de percepção, bem como levar em consideração o conceito de “saliência de relevância” (trend salience) que trata da ocorrência de um padrão musical perceptualmente relevante para o ouvinte. Os resultados deste modelo para tensão musical apresentaram grande correlação com dados empíricos de ouvintes ao escutarem peças musicais completas. Este modelo apresenta 4 importantes conclusões: 1) Isoladamente, os fatores mais importantes para se gerar tensão musical são as variações de dinâmica e altura musical (pitch). 2) Músicos responderam demonstraram ser mais sensíveis à tensão gerada por variações de harmonia enquanto que não músicos foram mais sensíveis às variações melódicas (de altura musical). 3) Em peças musicais mais complexas, tanto os ouvintes músicos quanto os não-músicos foram incapazes de apresentar respostas claras à tensão musical. 4) Quando diversos parâmetros musicais agem simultaneamente (como no caso de um tutti orquestral) a tensão musical percebida é significativamente aumentada. [1]

Em 2012, Steve Larson publicou um livro intitulado “Musical Forces”, onde procura responder 2 perguntas: 1) Por que normalmente se refere à música como se esta de fato se movesse; no sentido de apresentar comportamentos sonoros que são identificados e descritos por analogias, tais como: crescendos ou decrescendos, acelerandos ou ralentandos (“Why do we talk about music as if it actually moved?”). 2) Por que a música nos move; tanto no sentido de nos convidar ao movimento físico regular, como dançar os tamborilar os dedos sobre a mesa, bem como no sentido de nos incitar à movimentos subjetivos, como quando esta nos evoca emoções (“Why does music actually move us?”). Larson se baseia nos trabalhos de Rudolf Arnheim (sobre percepção visual) e Douglas Hofstadter (sobre analogias com forças naturais, como a gravidade, o magnetismo e a inércia) para propor um entendimento musical baseado numa análise estendida a partir dos conceitos de Schenker, que estabelece um significado musical a partir de metáforas com as forças físicas acima mencionadas. Segundo este trabalho, evoluímos moldados pelas forças naturais, como a gravidade, o magnetismo e inércia, as quais são inconscientemente identificadas e esperadas pela nossa expectativa criada a partir de predições que constantemente realizamos. Isto naturalmente moldou a nossa maneira de pensar, processar informação e exprimir o seu significado, em forma de arte, como é o caso da música. Larson faz uma importante distinção entre inferências mentais relacionadas à música, que ele define como “pensar sobre música” (thinking about music), que é a atividade realizada pela mente quando o indivíduo se refere à música; e “pensar em música” (thinking in music), que é a atividade mental engajada em escutar ou criar música. Ambas são moldadas pela analogia com as foças físicas. Uma vez que a música é uma arte sonora fortemente atrelada à duração do tempo, sua imaterialidade física e regularidade de padrões sonoros apresenta como que uma analogia às regularidades temporais das forças físicas detectadas pelos sentidos do corpo e interpretadas pela mente, que já possui a expectativa da ocorrência de tais regularidades. Isto nos permite agir corporalmente sobre esta forças e com estas interagir harmonicamente. No caminho reverso, a expectativa inerente de tais regularidades pela mente, possibilita a criação e o desenvolvimento de uma arte temporal, como é o caso da música que exprime, através da manipulação de antecipações geradas pela mente do ouvinte, um significado estético baseado tanto na satisfação da constatação de estruturas sonoras instigantes quanto na emoção por esta evocada. [2]

Em 2016, Frédéric Bimbot e colegas publicaram um artigo intitulado “System and Contrast” onde apresentam um modelo para a análise de dados musicais simbólicos (notação musical) que procura delinear a organização interna de segmentos (normalmente de 1 ou 2 compassos de duração) de peças musicais (normalmente de música popular). Inspirado no modelo IR de Narmour (citado anteriormente), onde a expectativa musical é gerada pela percepção automática do ouvinte em contexto ao gênero musical, o modelo de Bimbot se baseia em duas premissas: 1) Sistema representa a estrutura musical portadora e multidimensional (formada por aspectos musicais de diversas naturezas, tais como melodia, harmonia e ritmo). O sistema é assim formado por uma rede de relações (descritos neste modelo por funções) de auto-evidentes sintagmas (unidade sonora com significado, como aquela definida pelo termo ursatz, ou estrutura fundamental, na análise schenkeriana). 2) Contraste se refere à estrutura variante da organização evidenciada pelo Sistema. O contraste temporariamente se distancia do sistema, oferecendo assim uma momentânea resignificação para a estrutura da peça musical. Este modelo procura estabelecer um método para descrever os padrões de implicações estruturais internas na música, evidenciando as similaridades e funções entre sintagmas estruturais de modo a reduzir a complexidade da análise e da descrição de uma peça musical. [3]

Referências:

[1] Morwaread M. Farbood. “A Parametric, Temporal Model of Musical Tension”. Music Perception: An Interdisciplinary Journal, Vol. 29 No. 4, April 2012; (pp. 387-428) DOI: 10.1525/mp.2012.29.4.387.http://mp.ucpress.edu/content/29/4/387

[2] Steve Larson. “Musical Forces: Motion, Metaphor, and Meaning in Music”. Indiana University Press. 2012.

[3] Frédéric Bimbot, Emmanuel Deruty, Gabriel Sargent, Emmanuel Vincent. “System & Contrast : A Polymorphous Model of the Inner Organization of Structural Segments within Music Pieces”. Music Perception, University of California Press, 2016, 33 (5), pp.631-661. https://hal.inria.fr/hal-01188244


Como citar este artigo: 

José Fornari. “Tensões e forças musicais”. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 6 de março de 2019. Link: https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/03/06/10/