Por que as pessoas acreditam em fake news, segundo a Psicologia Social

Você já se perguntou por que as pessoas acreditam tão facilmente mesmo nas fake news mais absurdas e as compartilham nas redes sociais? Em uma resposta rápida, elas acreditam porque há algo na informação falsa que já acreditavam previamente. Esse mecanismo é algo natural, humano, está em mim e em você. A psicologia social o chama de viés de confirmação e uma forma de (tentar) evitá-lo é justamente conhecê-lo.

O que diz a ciência

O viés de confirmação é a forte tendência humana a buscar e privilegiar informações que estejam de acordo com suas crenças pré-estabelecidas, pouco importando se tais informações são verdadeiras ou não. Um estudo clássico sobre esse viés foi realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford  em fins da década de 1970 [1]. Dois grupos de voluntários, um a favor da pena de morte e outro contrário, foram orientados a lerem dois estudos falsos sobre a eficiência da pena capital na redução da criminalidade. Os estudos falsos eram similares, mas apontavam em direções opostas: um indicava a pena capital como eficaz e o outro a descrevia como pouco eficaz. Os voluntários foram orientados a classificarem esses estudos em relação à sua qualidade e validade. Não surpreendemente, cada grupo valorizou mais o estudo condizente com sua crença pré-existente. A conclusão dos pesquisadores de Stanford foi a de que pessoas de visões opostas são capazes de encontrar fundamento para suas crenças no mesmo conjunto de evidências disponíveis. 

Realidade distorcida pelo viés de confirmação
Realidade distorcida

Em estudo recente, de 2018, pesquisadores israelenses requisitaram que os voluntários avaliassem a correção gramatical de sentenças sobre política e problemas sociais [2]. Em uma série de experimentos, descobriram que os participantes do estudo checavam a correção gramatical das sentenças muito mais rapidamente quando concordavam com seu conteúdo. Para os pesquisadores, isso revela que o mecanismo psicológico que nos leva a confirmar nossas opiniões prévias ocorre de forma involuntária e automática.

Viés de confirmação e política

No âmbito da política, campo das ideologias e paixões humanas, o viés de confirmação se mostra ainda mais presente. Quando um eleitor vê uma fake news negativa de um candidato do qual não gosta, há uma forte tendência de que ele imediatamente acredite que se trata de informação verdadeira e compartilhe a informação falsa. O inverso também é verdadeiro, ou seja, esse eleitor tende a duvidar e examinar a informação mais criticamente se a fake news é sobre seu candidato preferido. Passe a reparar em suas redes sociais e verá que esse comportamento se repete o tempo todo. Trata-se de um mecanismo psicológico simples: as pessoas tendem a acreditar no que confirma suas crenças pré-existentes e a desconfiar do que se choca com elas. 

Fake news e eleições

Nas eleições presidenciais de 2018, ambos os lados em disputa no 2° turno disseminaram fake news. No entanto, sabe-se que um deles valeu-se muito mais dessa arma de campanha [3]. A leitora deve se lembrar, para ficarmos em apenas um exemplo, do famoso caso do suposto “kit gay”. Na ocasião, o caráter fake da notícia de que o candidato do PT, Fernando Haddad, teria criado o “kit gay” para crianças de 6 anos foi desfeito por agências de checagem [4]. Além disso, o TSE determinou a retirada de publicações sobre isso do então candidato Jair Bolsonaro na internet [5]. Uma pesquisa demonstrou que essa fake news, ao lado de muitas outras, teve significativo impacto [6, 7] e o presidente eleito chegou mesmo a insistir em sua propagação em plena entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, logo após sua vitória [8].

Como funciona o viés de confirmação nesse caso específico? Na mente de parte dos eleitores mais conservadores, pessoas e partidos de esquerda visam à disseminação do “homossexualismo”, principalmente entre os mais jovens. Pouco importa que tal associação seja objetivamente falsa. Ao se deparar com a fake news do “kit gay”, esse eleitor automaticamente a considera verdadeira, pois em sua mente o candidato do PT, de esquerda, seria perfeitamente capaz de criar algo do tipo e distribuir em escolas infantis. O eleitor conclui, portanto, que deve alertar amigos e familiares nas redes sociais do perigo que aquele candidato representa. E a fake news ganha vida.

De omnibus dubitandum (“tudo deve ser questionado”)

fake news no cérebro humanoSe a tendência a acreditarmos em qualquer informação condizente com nosso sistema de crenças pré-estabelecidas é algo tão forte em nós, como fazer para não cair em fake news? O primeiro passo, a leitora já deu: sabe, a partir de agora, da existência desse forte viés cognitivo. A partir daí, é necessário conter o impulso de se acreditar imediatamente na informação com a qual se depara e checar sua veracidade. Parece simples, mas em um ambiente politicamente polarizado, como é o Brasil atual, requer certo esforço. 

Você já tentou desfazer a crença de alguém em uma fake news? Pode ser bem difícil, mesmo oferecendo fontes confiáveis com a informação correta. Quando oferecemos informação verdadeira a quem crê na veracidade de uma informação absolutamente falsa, disparamos uma certa tensão psicológica na pessoa. Por isso, a tendência inicial é a de que ela não aceite facilmente a nova informação, visto que contraditória com suas crenças. A esse desconforto a psicologia social chama de dissonância cognitiva, mas aí já é papo para o nosso próximo post… (leia aqui)

Referências:

  1. LORD, Charles G.; ROSS, Lee; LEPPER, Mark R. Biased assimilation and attitude polarization: The effects of prior theories on subsequently considered evidence. Journal of Personality and Social Psychology, 1979. Disponível em: <https://doi.org/10.1037/0022-3514.37.11.2098>. Acesso em: 4 de jan. de 2020.
  2. GILEAD, Michael; SELA, Moran; MARIL, Anat. That’s My Truth: Evidence for Involuntary Opinion Confirmation. Social Psychological and Personality Science, 4 de abr. de 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/1948550618762300>. Acesso em: 4 de jan. de 2020.
  3. MACEDO, Isabella. Das 123 fake news encontradas por agências de checagem, 104 beneficiaram Bolsonaro. Congresso em Foco, 26 de out. de 2018. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/das-123-fake-news-encontradas-por-agencias-de-checagem-104-beneficiaram-bolsonaro/>. Acesso em: 4 de jan. de 2020.
  4. MOURA, Bernardo; CYPRESTE, Judite. É falso que Haddad criou ‘kit gay’ para crianças de seis anos. Aos Fatos, 10 de out. de 2018. Disponível em: <https://aosfatos.org/noticias/e-falso-que-haddad-criou-kit-gay-para-criancas-de-seis-anos/>. Acesso em: 4 de jan. de 2020.
  5. ESTADÃO CONTEÚDO. TSE manda tirar do ar fake news de Bolsonaro sobre ‘kit gay’. Veja, 16 de out. de 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/tse-manda-tirar-do-ar-fake-news-de-bolsonaro-sobre-kit-gay/>. Acesso em: 4 de jan. de 2020.
  6. PASQUINI, Patrícia. Estudo diz que 90% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram em fake news. Valor, 02 de nov. de 2018. Disponível em: <https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/11/02/estudo-diz-que-90-dos-eleitores-de-bolsonaro-acreditaram-em-fake-news.ghtml>. Acesso em 4 de jan. de 2020.
  7. BARRAGÁN, Almudena. Cinco ‘fake news’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro. El País, 19 de out. de 2018. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html>. Acesso em 4 de jan. de 2020.
  8. O GLOBO. É fake que Haddad criou ‘kit gay’ e que Câmara realizou seminário LGBT infantil. G1, 29 de out. de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2018/10/29/e-fake-que-haddad-criou-kit-gay-e-que-camara-realizou-seminario-lgbt-infantil.ghtml>. Acesso em 4 de jan. de 2020.

15 comments

    1. Fico contente que gostou e que vai usá-lo em aula! Se ainda não o fez, convido-lhe a curtir a página do blog no Facebook para acompanhar os futuros posts. Aí está o link:
      https://www.facebook.com/politicanacabeca/

  1. Ontem assisti uns storys do @fernandoconrado (formado em Ciências Sociais e Ciência Política) no Instagram que fala exatamente sobre isso... Ele salvou ontem nos destaque com o título "Efeito Manada" ... Acho que você vai gostar.

    1. Olá, Nicole! Fico contente que tenha gostado. Se entendi bem sua pergunta, há outros posts aqui no blog sobre o assunto das fake news. Clique na no banner do site (imagem escrito "Política na Cabeça") e aí basta rolar a tela que você verá os outros dois textos.
      Um abraço

  2. Davi, gostei bastante do texto. Também o utilizei em sala de aula e a partir disso, surgiu uma questão entre os alunos: seria importante destacar a palavra "homossexualismo" (entre aspas) para firmar a crença de outrem?

    1. Fico contente que tenha gostado, Giselle! E mais ainda que tenha usado o texto em aula. Esse é o maior retorno que nós, que divulgamos ciência, podemos ter!
      Quanto à sua dúvida, não sei se a entendi bem. A sugestão é a de que eu coloque o termo, no texto, entre aspas para deixar claro que essa é uma crença de quem dissemina tais ideias? É isso? Agradeço se puder me explicar melhor 😉

  3. Isso. Considerando que a palavra “homossexualismo”, hoje, possui um tom pejorativo, ligado à doença, acabou entrando em desuso. Para a comunidade LGBTQ+, convencionou-se “homossexualidade” para esta orientação sexual.

    Discursivamente, seria importante verificar se os divulgadores do kitgay utilizam de fato o termo “homossexualismo” e, em caso positivo, você aderir às aspas para demonstrar tal crença. Ou em caso negativo, você dispensaria as aspas e substituiria para “homossexualidade”. Compreende?

    Afirmação conforme fontes: conforme as fontes: https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2018/05/termo-homossexualismo-foi-retirado-de-lista-de-doencas-ha-28-anos. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579309-manual-ensina-uso-correto-de-termos-vinculados-a-diversidade-sexual.

    1. Muito obrigado pela explicação, profa. Giselle! Não sabia dessas diferenças terminológicas nesse caso. Bem, diante do que expôs, acrescentei aspas no termo original então, por dois motivos: 1- os divulgadores da fake do "kit gay" provavelmente usam o termo "homossexualismo", já que são majoritariamente conservadores, público que se refere à essa orientação sexual principalmente dessa maneira; 2- esse texto foi cristalizado, de certa forma, porque ele consta em material didático da editora Moderna, o qual traz a referência aqui do original do blog.

      Obrigado mais uma vez pelas informações! Vivendo e aprendendo.

  4. Artigo bem informativo, no entanto me incomodou o fato de você chamar o leitor por definição de gênero ( leitora), como se o gênero feminino tivesse mais propensão a acreditar em fake news. Ou você fez inconsciente ou faz parte de uma pesquisa de verificação através do artigo.

    1. Olá, Ândrea! Na verdade, sempre me refiro à "leitora", em todos os textos do blog. Faço isso justamente para gerar a reflexão sobre a questão de gênero. Jã que vou me referir a alguém que está lendo o texto, por que não usar "leitora" em vez de "leitor", no masculino? Há inclusive uma pesquisa que mostra que mulheres são maioria do público leitor de blogs.
      Obrigado pelo comentário!

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