Vamos abrir as escolas? Parte 2

por | maio 20, 2022 | Textos | 0 Comentários

    Apenas no dia 24 de setembro, tivemos 831 óbitos no Brasil, acumulados, temos 139.808 óbitos confirmados no Brasil, até esta data. Como lidar com os debates de abertura de escolas, quando ainda temos em nosso país tantas mortes diárias?

Professora Dra. Ana Arnt do Blogs de Ciências da Unicamp

    Temos escutado diversas opiniões, olhar algumas delas talvez seja importante para pensarmos a abertura das escolas. É o que faremos hoje e nos próximos textos em que vamos olhar para algumas falas comuns que escutamos quando perguntamos se as escolas deveriam mesmo abrir…

1. Os bares abriram! Como assim não podem abrir escolas?

    Talvez a pergunta correta fosse: será que os bares deveriam ter aberto? Qual o nível de segurança de um lugar como um bar, como controlar entradas e saídas destes espaços, quando grande parte funciona com seu público circulando na rua?

    Não faz sentido comparar bares e escolas, pois os bares não deveriam, pela lógica, estarem abertos. Há evidências de “superespalhamento” da COVID-19 em espaços como bares e eventos sociais (como casamentos), publicados sobre Hong Kong (saiba mais aqui e aqui). Assim, estes seriam os maiores responsáveis (10% dos casos de infecções rastreados).

    Vale lembrar a reportagem da BBC, que aponta a partir de um estudo estadunidense as atividades de maior risco:

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Figura 1: Risco de contaminação pelo COVID-19.
Fonte: Reportagem “Apenas a vida de vocês importa?”.

    Talvez por termos aberto comércios, shoppings e bares é que as escolas passaram a ser mais um fator de risco e não “o grande fator de risco”. Mas definitivamente, não é porque os bares abriram, que escolas também podem abrir (essa comparação não faz sentido!).

    – Mas, a economia, ela está sofrendo demais, sabe?

    Pois, sim. a economia está sofrendo. Já discutimos isso em várias postagens aqui no Especial. Também discutimos sobre necropolítica, vale a pena conferir…

2. Se mantivermos os protocolos sanitários nas escolas, não vai funcionar?

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que para abrir escolas o indicado é ter uma abordagem baseada no RISCO de contaminação (veja na íntegra as recomendações da OMS aqui). Neste sentido, talvez mais importante do que pensar se escolas no Brasil devem abrir, seja pensar sobre: em que municípios e em quais estados escolas podem abrir.

    Além disso, os benefícios e os riscos devem ser mensurados em relação a intensidade de transmissão na região da escola. Isto é, não adianta pensar em abrir escolas no BRASIL. Isto é, a análise de abertura tem que ser pensada em relação à comunidade escolar em cada cidade. Por exemplo: a transmissão está elevada? Como são as condições sanitárias desta região? Como as crianças chegarão na escola?

    Outros fatores, segundo a OMS, devem ser levados em consideração nesta conjuntura, tais como: os impactos de se manter a escola fechada nas comunidades, a realidade de populações vulneráveis, as desigualdades sociais e a relação do processo de ensino aprendizagem. Além disso, a OMS recomenda que deve ser analisado se as escolas conseguem operar em boas condições sanitárias e se as autoridades locais têm condições de agir rapidamente, caso necessário.

Mas, vocês podem perguntar: o que são boas condições sanitárias, para a OMS?

Figura 2: Recomendações OMS para abertura das escolas.
Fonte: CDC/Blogs de Ciência da Unicamp.

    Aqui vou fazer algumas observações que penso ser pertinente:

    Somos o 7º país do mundo em óbitos por milhão de habitantes. No entanto, somos o 82º país do mundo em quantidade de testes por milhão de habitantes.

    O que isto quer dizer? Que embora nós tenhamos aumentado a quantidade de testes realizados aqui no Brasil, os dados confirmados de óbitos e infectados nos colocam nos dez primeiros colocados. Mas de testagem e aferição de doentes em 82º lugar. Estamos testando pouco e, mesmo assim, confirmando muitas mortes. (Se às vezes parece confuso comparar os números da Covid-19 “por milhão de habitantes” ou em números absolutos, veja estas postagens: 1, 2, 3).

    Esta semana foi anunciado, aqui em Campinas, que na cesta básica destinada aos estudantes em isolamento social não terá arroz em função do valor. Como um município que não consegue garantir 5kg de arroz por aluno que precisa da cesta básica, garantirá testes diagnósticos à equipe que trabalha na escola e alunos? (A dúvida é sincera e vale a indicação de que teremos um texto sobre segurança alimentar em breve…).

    Será que conseguimos ter uma noção segura de risco e manter boas condições sanitárias para proteger a saúde e segurança de todos na escola (estudantes, funcionários e docentes) sem a realização de testes em massa em nosso país?

    Como diz o dito popular: fica aí o questionamento

Voltemos às recomendações da OMS:

“Higiene e práticas diárias na escola e nas salas de aula: Distanciamento físico de pelo menos 1 metro entre indivíduos, incluindo espaçamento de carteiras, higiene das mãos e respiratória frequente, uso de máscara apropriada para a idade, ventilação e medidas de limpeza ambiental devem ser implementadas para limitar a exposição” (tradução minha).

    A OMS recomenda, ainda, triagem de alunos e funcionários e recomendações de que caso apresente qualquer sintoma ou mesmo não se sinta bem, que fiquem em casa sem qualquer penalidade.

    Assim, aqui talvez fosse pertinente perguntar-se: É possível manter afastamento de 1 metro de cada carteira, com todas as crianças retornando? Como seria a dinâmica de retorno para criar condições MÍNIMAS de saúde para que estas recomendações tornarem-se efetivas?

    Além disso, quando pesamos os benefícios do retorno, talvez seja importante não apenas fazer um check list de benefícios e malefícios. Mas apontar quais os riscos deste suposto benefício do retorno.

    Destaco, ainda, o recente documento lançado pelo Ministério da Saúde (MS), “Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19” (leia na íntegra aqui). Neste documento, há um detalhamento sobre como as escolas devem agir em caso de reabertura. As orientações, no entanto, são sugestões a serem seguidas pelas escolas. Estas não são, portanto, obrigadas a seguir todas as recomendações do MS.

No documento brasileiro, por exemplo, consta:

“As orientações abaixo são gerais e deve-se sempre observar as normas e orientações estaduais e municipais na implantação dessas medidas e na determinação de reabertura das escolas, sejam elas da rede municipal, estadual ou federal. É importante reforçar a autonomia federativa, uma vez que as decisões sobre a implementação de estratégias são tomadas localmente, em colaboração com serviços de saúde.

Essas ações, ao longo de todo o processo de planejamento e execução, precisam ser articuladas com toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS) e demais setores do respectivo ente federado capazes de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar. Com isso, os Grupos de Trabalho Intersetoriais Municipais (GTI-M) do PSE tem um papel central na articulação desses atores envolvidos nas orientações deste documento. É importante que o tema da Covid-19 seja incluído no planejamento das aulas, sendo trabalhado em conjunto com as ações de promoção da saúde e recomendações do Ministério da Saúde e integradas com as disciplinas escolares, como forma de agregar ao aprendizado” (Brasil, 2020, p.5-6).

    Em suma, o retorno às aulas tem como premissa as condições de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar por parte da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Neste contexto, seria importante à comunidade escolar – pais e gestão da escola – estarem em contato com a RAS e cobrarem estas ações antes do retorno efetivo das crianças.

Por fim?

    Assim, seria recomendável, ANTES de reabrirem as escolas, assegurar que teremos estas condições em cada escola e comunidade escolar: distanciamento entre classes, escalonamento para intervalos, refeições, entradas e saídas de alunos; testes e rastreamento de contatos de funcionários, docentes e estudantes; análise de grupos de risco e contatos destas pessoas com indivíduos que apresentam riscos (pessoas idosas ou com comorbidades).

    Além disso, obviamente, uma análise detalhada da região e localidade para assegurar-se que não temos uma situação de risco neste momento – o que conseguiríamos dizer se tivéssemos testes em quantidades suficientes (o que está longe de ser uma realidade!).

    No próximo texto, vou propor que pensemos sobre outras falas comuns, tais como “é justo as crianças perderem o ano escolar por causa da Covid-19?”; “não dá para esperar a vacina, em algum momento teremos que voltar!” e “os pais e as crianças estão cansados, talvez seja bom voltar levando-se em conta a saúde mental” (também parecida com a fala) “não se contaminar é importante, mas conviver com outras crianças também!”.

    Por enquanto, acho, já temos bastantes ideias para pensar e discutirmos juntos (ou o famoso: por hoje é só, pessoal…).

P.S.: um update rápido

    Só para lembrar que, junto a este debate, ontem (24/09) enquanto produzíamos este texto, o nosso Ministro da Educação Milton Ribeiro declarou que o ensino remoto acentuou a desigualdade no Brasil – o que tem sido apontado como um dos possíveis benefícios do retorno (minimizar esta desigualdade). Tal debate não leva em conta, claro, as condições em que as escolas estão e de que modo vai acontecer o retorno. Vale a pena destacar a fala, conforme o jornal Estado de São Paulo:

BRASÍLIA – O ministro da Educação, Milton Ribeiro, reconhece que a pandemia do novo coronavírus acentuou a desigualdade educacional no País. “Não é um problema do MEC, mas um problema do Brasil”, afirmou em entrevista ao Estadão. Ribeiro acredita que não faz parte das atribuições do ministério resolver a falta de acesso à internet de alunos que não conseguem acompanhar aulas online ou se envolver na reabertura de escolas.

    Na entrevista, o Ministro afirma que haverá repasses para os municípios e para as escolas, para compras de insumos de proteção. O questionamento de se estas medidas asseguram estudantes, funcionários e docentes, feitas no início do texto, permanece.

Referências:

ADAM, D.C., WU, P., WONG, J.Y. ET AL. (2020) Clustering and superspreading potential of SARS-CoV-2 infections in Hong Kong. Nat Med.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2014). Oficina Nacional de Planejamento no Âmbito do SUS.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19.

HSIANG, S, ALLEN, D, ANNAN-PHAN, S et al (2020) The effect of large-scale anti-contagion policies on the COVID-19 pandemic Nature 584, 262–267.

ROVÊDO, T (2020) Educação corta arroz da cesta entregue a alunos de Campinas; A Cidade On

WHO (2020) Q&A Schools and Covid-19

WORLD METERS (2020) https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries

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