Figura 01. Para cada pessoa em que um dado tratamento se mostra eficiente (em azul), há muito mais pacientes em que a droga não funciona (em vermelho).
Parece uma ideia muito atraente, mas ao mesmo tempo um tanto quanto ambiciosa, certo? E de fato não é uma tarefa nada fácil. Como podemos identificar qual seria o tratamento ideal para uma certa doença genética? Bem, acredito que fique mais fácil entender se considerarmos que o sucesso de um tratamento depende principalmente de um ponto:
– A base biológica da doença: duas pessoas podem apresentar um problema de saúde com sintomas e progressão muito parecidos, de forma que são diagnosticadas como tendo uma mesma doença. A questão é que estes sintomas podem ter sido causados por razões diferentes. Por exemplo, um mesmo tipo de câncer pode ser ocasionado por mutações em alguma proteína do mecanismo de reparo do DNA ou também por problemas em controlar a proliferação celular.
O primeiro passo então é encontrar uma maneira de separar pacientes de acordo com a causa biológica da doença, e não simplesmente pelo diagnóstico. Ou seja, precisamos fazer uma análise de maior resolução. Se você já viu algum post deste blog, aposto que já deve imaginar o que estou sugerindo… Uma das maneiras de encontrar mutações é olhando os próprios genes, e isto é possível através do sequenciamento de DNA. Devido ao surgimento de novas tecnologias há mais ou menos dez anos, o preço para sequenciamento do DNA diminuiu drasticamente e houve uma grande popularização de projetos de sequenciamento. Com isso várias espécies diferentes tiveram seus genes sequenciados, mas não apenas isso, diferentes indivíduos de uma mesma espécie foram sequenciados, incluindo a espécie humana. Desta forma, comparando os genes de um paciente com outras pessoas afetadas e saudáveis podemos deduzir quais são os responsáveis pelo problema e indicar um tratamento que sabemos que foi efetivo em pacientes em situação similar.
Figura 02. Pacientes que apresentam uma mesma base biológica para uma doença devem ser tratados de forma similar.
A medicina personalizada já é praticada em muitos casos na medicina atual. Um exemplo interessante é a da fibrose cística, doença caracterizada pela regulação anormal de sal e água no metabolismo. A primeira droga desenvolvida tratava eficientemente pacientes com uma mutação na posição 551 do gene CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator). O problema é que menos de 10% dos pacientes respondiam à esta droga! Isto é porque a grande maioria dos afetados pela doença apresentam na verdade uma deleção na posição 508 do gene CFTR e neste caso, um tratamento diferenciado com outras drogas é o ideal. Fica então claro que só conhecendo bem o paciente é que podemos recomendar um tratamento adequado.
Devo deixar claro que há muitas variáveis que nos fazem reagir de forma diferente a tratamentos e estamos longe de sermos capazes de identificar todas. Tecnicamente, a medicina personalizada não é um tratamento específico para cada paciente, mas é uma melhora gigantesca em relação ao paradigma de “um tratamento para todos”, e isto só foi possível graças aos avanços tecnológicos na biologia e computação. A medicina em geral está caminhando para esta direção, oferecendo tratamentos com uso mais eficiente de tempo, dinheiro e mais segurança aos pacientes.
Referências:
https://www.jax.org/genetics-and-healthcare/personalized-medicine/what-is-personalized-medicine. Visitado em 31/10/16.
Ashley, E.A. Towards precision medicine. Nat. Rev. Genet., 17 (2016), pp. 507–522.
Imagens:
https://www.mailman.columbia.edu/public-health-now/news/macro-meet-micro-population-health-squares-against-precision-medicine. Visitado em 31/10/2016.
Schork, N.J. Personalized medicine: time for one-person trials. Nature, 520 (2015), pp. 609–611.
https://www.cancer.gov/about-cancer/treatment/types/precision-medicine. Visitado em 01/11/2016.
Parabéns Paulo, texto interessante e extremamente relevante, já que ainda em nossa cultura muito vemos a questão da massificação, nos diversos setores que dizem respeito ao cuidado da população. Você vê isso na saúde, na educação, na cultura, etc. Isso acontece porque é caro personalizar e barato realizar tudo em série e padronizar. Agora é interessante que a genética e a medicina comecem a tratar mais o indivíduo do que a doença, ou os seus sintomas aparentes. Algo que sempre foi feito nas medicinas não tradicionais. Sem querer entrar na discussão da eficácia destas, o importante é este princípio, a de que cada indivíduo é diferente e os sintomas aparentes nem sempre se originam da mesma causa. Agora fica a pergunta, já que não sou da área, todos os problemas de ordem física podem ser mapeados geneticamente, ou as origens podem ser diversas (psicológicas, do meio, etc)?
Isto suuuper importante! Algumas características são muito dependentes do nosso material genético, como por xemplo a cor dos nossos olhos. O fato é que as coisas não são exatamente assim na medicina. Isto explicaria porque uma pessoa ter predisposição a algum tipo de problema de saúde devido ao seu material genética pode nunca apresentar a doença de fato.
Além disso, é possível que um problema seja causado devido à interferência de fatores externos que podem comprometer os nossos genes por exemplo. Um caso típico é a radiação solar que pode provocar câncer de pele por danificar o nosso DNA.
gostaria de sugestões de livros, sites algo que eu pudesse me aprofundar no assunto
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