A observação da expansão do universo é um grande marco na história da Astronomia e um dos fatos mais relevantes para a elaboração de um modelo cosmológico que tente explicar a história do universo. Como é possível saber que o universo está em expansão a partir de observações terrestres? Será que estamos no centro dessa expansão? Já adianto que não somos o centro e na verdade ele nem ao menos existe! Continue com a gente e descubra o por quê!
Como medir uma distância astronômica?
Você já se perguntou como os cientistas são capaz de medir a distância da Terra ao Sol? Certamente ninguém colocou uma régua gigante entre os dois astros para fazer essa observação, então como ela foi feita?
Existem tentativas de determinar a distância Terra-Sol desde a Grécia antiga, mas vou descrever uma das primeiras medições consideravelmente precisas: a medição de Cassini-Richer (sim, o mesmo da sonda Cassini!).
No séc. XVII, sabíamos como medir a distância Planeta-Sol de forma relativa, usando métodos geométricos de comparação (como por exemplo a “semelhança de triângulos” que aprendemos na escola, o famoso “este está para este, assim como aquele está para aquele”). Como não tínhamos nenhum ponto de comparação, definimos a distância Terra-Sol como “uma unidade astronômica” (1 u.a.), assim a distância do Sol a outros planetas podia ser medida em unidades astronômicas.
Porém ninguém sabia com uma precisão muito grande quanto valia essa “unidade astronômica”. Isto mudou quando Cassini mediu a distância Terra-Marte, colocando uma escala no sistema solar e mostrando quão grande ele é. O engenhoso método usado é chamado de “método da paralaxe”.
Método da paralaxe
Estique seu braço com o polegar levantado e olhe para a ponta dele com só um olho aberto, notando bem sua posição em relação a algo distante, como uma parede. Agora faça o mesmo trocando qual olho está aberto, não parece que o polegar mudou de posição? Este efeito é conhecido como paralaxe, sabendo a distância entre seus olhos, e o ângulo de mudança da posição aparente do seu dedo, é possível calcular o tamanho do seu braço!
Este mesmo procedimento pode ser feito para medir distâncias astronômicas! Em 1672, Cassini manda seu amigo Richer para a Guiana-Francesa, enquanto ele fica na França para fazerem observações simultâneas de Marte. Usando a paralaxe, e sabendo a distância entre os países, foi possível fazer uma medida precisa da distância Terra-Marte. Analisando o triângulo formado pelo Sol,Terra e Marte, é possível relacionar a distâncias, assim esta observação nos dá também a distância Terra-Sol!
O método da paralaxe pode ser aplicado de maneiras muito engenhosas! Por exemplo, podemos fazer a medida da posição aparente de uma estrela e repetir essa posição seis meses depois, quando a Terra tenha completado metade de sua órbita. Quando a mudança aparente na posição da estrela é de um arco de segundo (1″), dizemos que a distância é de um parsec (1pc = 3,26 anos-luz = 3,1 x 10^16 metros). A estrela mais próxima do Sol é Proxima Centauri que está a 1,3 pc.
Este método porém começa a falhar quando as distâncias começam a ficar muito grandes (>100 pc), pois não conseguimos medir a mudança aparente de posição. Mas ainda existe outro método: as velas-padrões!
Método das velas-padrão
Imagine uma vela acesa em quarto escuro. Se você olhar para duas paredes com distâncias diferentes em relação a vela, verá que o reflexo na parede muda, ficando cada vez mais fraco a medida que a distância aumenta. Porém, se olharmos somente para a parede, não saberemos a distância parede-vela pois não sabemos o brilho da vela, poderíamos ter uma imensa vela ou apenas uma pequena chama e isso alteraria nossa observação.
O método das velas-padrão consiste em medir a distância usando o brilho aparente de um astro e comparar com o brilho inicial. Astrônomos chamam os astros que tem o brilho inicial muito bem entendido de vela-padrão, um caso bastante famoso são as chamadas estrelas cefeidas.
Estrelas cefeidas possuem uma característica muito especial, seu brilho pulsa de forma muito uniforme, isto é, a luz emitida varia de intensidade com um período bem definido. Além disso, o período deste pulso está relacionado com a luminosidade da estrela, isto foi descoberto por Henrietta Swan Leavitt (1868-1921), tornando as cefeidas velas-padrão!
Leavitt foi uma das Computadoras de Harvard, que tiveram papel fundamental no desenvolvimento da Astronomia. Ela foi indicada a receber o premio Nobel de 1924, porém havia falecido 1921 e o premio não é dado postumamente.
Este método consegue medir distâncias de até 50 Mpc (50 milhôes de parsecs), permitindo inclusive medir a distância de estrelas fora da nossa galáxia! Ele foi fundamental para a descoberta da expansão do universo que discutiremos mais a frente, mas antes precisamos discutir outra coisa: Como medir a velocidade de uma estrela?
Como medir a velocidade de uma estrela?
Medir a velocidade de uma estrela não é uma tarefa simples, não podemos apenas fazer diversas medidas de distância e dividir pelo tempo, pois assim só teríamos a velocidade média de um longuíssimo período de tempo, o que teria pouco significado. Então como?
Imagine a seguinte situação: uma ambulância com a sirene ligada passa perto de você. Consegue imaginar o som? Não parece que o som vai mudando conforme ela se aproxima de você, parecendo bastante agudo e quando ela começa a se afastar o som se torna mais grave? Porém, se ouvíssemos o som da sirene com a ambulância parada, sabemos que ele é constante. O que está acontecendo?
A mudança aparente na frequência do som tem o nome de “efeito Doppler”, este acontece pois a fonte das ondas está se movendo como relação ao observador, assim ele recebe mais ou menos frentes de onda dependendo se há uma aproximação ou um afastamento.
O efeito Doppler não ocorre apenas com ondas de som; A luz por exemplo é uma onda e por tanto sobre efeito Doppler, assim quando uma estrela se move com relação a Terra, as cores das luzes que ela emitiu são vistas de forma diferente. Dependendo da composição química da estrela (veja mais sobre aqui!), esperamos receber luz em determinadas frequências. Se virmos cores diferentes podemos descobrir qual a velocidade da fonte com relação a nós, isto é, a velocidade radial da estrela!
A lei de Hubble-Lemaitre
Usando os métodos descritos, Hubble consegue encontrar um padrão: quanto mais distante está uma estrela do sistema solar, mais rápido ela está se afastando de nós, independentemente da direção que se olhe. Além disso, nenhuma estrela está se aproximando de nós, todas estão se afastando.
Ao fazer um gráfico de velocidade em função da distância, atualmente conhecido como “diagrama de Hubble”, Hubble percebeu que a relação entre velocidade e distância é muito bem descrita por uma reta. Isto ficou conhecido lei de Hubble-Lemaitre, pois Lemaitre havia percebido este padrão nos dados de Hubble antes do próprio e ele também ajudou a explicar esta expansão no contexto da relatividade geral.
O coeficiente angular desta reta é chamado “parâmetro de Hubble”, e indica a intensidade com que a expansão ocorre. Seu valor aproximado é de 70 km/s/Mpc, isto é, uma estrela a 1Mpc de distância estaria se afastando de nós com velocidade de 70 km/s.
Expansão? Sim! O diagrama de Hubble é a maior evidência que temos da expansão do universo. Este foi atualizado durante os anos, não somente com cefeidas, mas também com o auxílio de supernovas e continua concordando com a hipótese de expansão. Pensando em evolução temporal, se passarmos o filme do universo ao contrário, veríamos o universo contraindo, de forma que temos uma pequena intuição de que o universo surgiu de um Big Bang.
A propriedade da expansão ser igual, não importando a direção que se olhe é chamada isotropia, mas será que ela implica que estamos no centro dessa expansão?
Sobre expansões sem centro
Esta intuição que estamos em um lugar privilegiado no universo não é nova. Já tentamos colocar a Terra no centro do sistema solar, até percebermos que faz muito mais sentido que o Sol esteja no centro deste sistema. E o mesmo ocorre aqui! A isotropia na expansão do universo não implica que estamos no centro! Na verdade, ela não implica nem na necessidade da existência de um centro!
Considere a seguinte analogia: Imagine que o nosso universo é como a superfície de uma bexiga. Ao inflarmos essa bexiga, seus pontos se afastam e o universo “expande”. Porém, não existe um centro na expansão, pois nesta analogia o centro da bexiga não faz parte do universo (que é representado apenas pela superfície).
Caso queria ganhar alguma intuição sobre a possibilidade de expansões sem centro geométrico, fiz uma pequena atividade experimental em uma palestra que dei no evento YouScience do Instituto Principia, que pode ser replicada por qualquer um que tenha alguns clipes e elásticos: confira aqui.
Quando estudamos a fundo a cosmologia, descobrimos que faz muito mais sentido que o universo não tenha um centro de expansão, sendo igual em todos os pontos, isto é, que ele não tenha um lugar privilegiado! Chamamos esta propriedade de homogeneidade do espaço.
E é isto que tinha pra discutir com vocês hoje! Espero que tenham gostado! Cosmologia é um tópico fascinante, mas é sempre bom lembrar que é uma ciência, e como tal deve seguir metodologias de observação rigorosas para obter conclusões! A história do universo é fantástica e não surgiu de devaneios em uma mesa de bar, mas sim de séculos de estudos e observações e o mais fascinante é que conseguimos de fato contar a história de universo.
Medo e fascínio ao mesmo tempo. Talvez por ser um bebê quando o assunto é física.
Hahaha esse misto de emoções descreve bem quando a gente estuda Física! Mas nada supera o clique que nossa cabeça faz quando conseguimos entender algo tão complexo quanto o universo!
Pois é, só que afinal, o universo é realmente como a superfície de uma bexiga? Isso implicaria que o "centro" (ah, mas não há centro) seria então o espaço vazio dentro da bexiga, e as estrelas estariam então todas na periferia de um grande vazio? Bom, mas isso não quer dizer que não há centro, apenas que ele ficou vazio. Se é que a analogia está correta. Mas se não está, não vi sentido na comparação. De forma semelhante, como comparar os clipes e elásticos (uma expansão unidirecional) com uma expansão tridimensional? Faltam elementos...
Olha uma maneira de enxergar isso é entender que a física enxerga espaço-tempo como uma coisa só. Então na analogia da bexiga, o "centro" do espaço-tempo é algo que já pertenceu ao universo, mas não existe mais. Na analogia do balão somente a superfície da bexiga representa o espaço, e de fato não descartamos a existência de outras dimensões além das três que conhecemos no universo. De qualquer forma, isto não é um centro no sentido espacial. Ter um centro colocaria um lugar privilegiado no universo e implicaria que observações em referenciais diferentes veriam coisas diferentes, o que é incompatível com o modelo atual e com nossas observações.
Quando ao experimento do clipe, a conclusão não muda, você pode pensar nele como uma projeção da coordenada radial da expansão. Propus a construção unidimensional por facilidade de interpretação, mas da pra fazer construções n-dimensionais usando tecidos elásticos (porém da mais trabalho)