Por Germana Barata e Cristiane Hengler

Dados recentes sobre a gestão de resíduos sólidos no Brasil acenderam uma luz amarela sobre a grande quantidade de lixões ainda ativos em quase 32% dos municípios e o baixo percentual (8%) de reciclagem. O relatório da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) informa que cada brasileiro produz em média 382 quilos de resíduos por ano, dos quais 8% vão parar no oceano, a maior parte composta por plásticos. E os números só vêm piorando nos últimos anos. Como reverter esse quadro?

Uma das formas de mudar o comportamento e a conscientização da sociedade é através da educação. No Brasil, apesar da longa costa litorânea, praticamente metade da população está distante do mar. E a distância dá a falsa impressão de ausência de responsabilidade sobre a saúde do oceano. Pesquisa de percepção de brasileiros sobre sua relação com o oceano, realizada em 2022 pela Fundação Boticário, concluiu que 40% dos entrevistados não acreditam que suas ações impactam o oceano. Doce ilusão. Mesmo distante do litoral, o impacto humano ocorre. Dentre os exemplos deste impacto podemos citar o consumo e descarte inadequado de embalagens,  as partículas de microplástico que se desprendem na lavagem de roupas com tecidos de poliéster, ou nos resíduos de medicamentos usados e que não são filtrados nas estações de tratamento.

E é investindo nas novas gerações que apostamos em mudanças mais efetivas na relação de brasileiros com o oceano. Em novembro, ocorreu o I Workshop Conexões Equitativas que reuniu 40 professores do ensino fundamental I da cidade de Tupã (SP) com pesquisadores da Unesp, Unicamp e USP para tratar sobre a importância de ações conjuntas de educação ambiental em prol da saúde do oceano e de uma geração mais engajada. A cidade, localizada a 572 quilômetros do litoral, será palco de ações de ciência cidadã sobre o oceano.  

A ciência cidadã prevê envolver cidadãos no processo de construção do conhecimento científico, não apenas para coletar dados de pesquisa, mas também para formular projetos, analisar dados e participar da publicação dos resultados. O projeto, produto da rede Ressoa Oceano, resultará na publicação de um livro com experimentos sobre fenômenos e conceitos ligados ao oceano, como a detecção de microplásticos em sedimento, acidificação da água do mar e as diferenças de densidade de correntes marítimas. A ação de ciência cidadã será construída conjuntamente com professores e estudantes de diferentes escolas que definirão seus objetivos, coletando dados e monitorando metas a serem atingidas.

Da esquerda para direita à frente: Luis Paulo Piassi (USP), Cristiane Hengler (Unesp) e Germana Barata (Unicamp) com os monitores do Museu Ferroviário de Tupã. Ao lado professoras e professores da rede de ensino público da cidade.

Os participantes deverão partir das mesmas premissas: monitorar a produção e descarte de resíduos sólidos e criar metas para reduzí-los. Os projetos de extensão serão compartilhados entre as escolas e estudantes participantes e publicados no livro em coautoria, em um esforço conjunto com as três universidades públicas paulistas. 

Criatividade emancipatória

Durante o workshop as professoras deram depoimentos sobre os desafios de desenvolver projetos de médio ou longo porte com as crianças e foram motivadas a planejar um “projeto louco” em 10 minutos, como inspiração para o potencial do trabalho coletivo. No curto tempo, surgiram sugestões provocativas e criativas, o que indica o potencial de projetos educativos planejados de forma coletiva.

Francisco Nascimento da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) falou sobre a importância do letramento científico no combate à desinformação e chamou atenção para a construção de uma educação emancipatória que contribua para uma visão crítica do mundo.

O workshop também trouxe a experiência de podcasts em sala de aula, a partir da experiência do NaEscolaPod, elaborado por Cristiane Hengler, professora da Unesp Tupã, em parceria com a jornalista e doutoranda em ciências da mesma universidade,  Jéssica Pessôa, e com a bióloga e mestranda em ciências pela USP, Karina Cruz. Destinado a estudantes de quarta e quinta séries, o podcast trata de casos intrigantes que podem ser solucionados a partir de evidências científicas e da participação de estudantes e professoras da rede de ensino Municipal de Tupã.  

O episódio 2 “Quem pintou meu rio?” trata sobre o mistério das águas verdes do rio Tietê, provocado pela reprodução de cianobactérias. O roteiro estimula os ouvintes a buscarem respostas e soluções a partir da contaminação das águas por esgoto doméstico, industrial, agrotóxicos, além de abordar a importância das matas ciliares. Trabalhar os rios e suas conexões com o oceano é uma forma de mostrar aos estudantes que estamos todos conectados, apesar da distância. Jéssica, que narra o podcast, deu algumas dicas para a utilização do “Na EscolaPod” e produção em sala de aula com os estudantes. 

Para 2025, o projeto Conexões Equitativas contará com a participação de professores e estudantes para a execução do projeto de educação oceânica voltado para as questões de resíduos sólidos e que vão compor o livro a ser distribuído gratuitamente. Que a publicação aproxime crianças e jovens do oceano, mesmo que pareça como poucos grãos de areia em um firme castelo que precisa ser construído.

Leia mais:

Governança de resíduos sólidos: como o seu município está performando? – ((o))eco

Semeando a cultura oceânica em escolas de todo Brasil – Um Oceano


Germana Barata

Jornalista de ciência, mestre e doutora em história social. É pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp e editora dos blogs Ciência em Revista e Um Oceano.

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