Alguns jogadores só querem ver o tabuleiro pegar fogo

Esta é uma estratégia de jogo que às vezes é vista como caótica ou que não leva a nada. Quando o jogador parece mais preocupado em prejudicar o jogo dos outros, do que em ganhar. Aparentemente, esses jogadores só querem ver o mundo pegar fogo, mas há um objetivo claro nisso, e pode não ser a derrota.

Embora o termo jogar seja bastante amplo e abranja muitas naturezas, vou trabalhar aqui com jogos dentro do padrão da Teoria de Jogos da matemática, assim tratamos de competições não colaborativos das quais haja explicitamente um vencedor. Pressupomos também que todas as partes são totalmente racionais e realizam exatamente os melhores movimentos possíveis.

Nesses casos, o ato de jogar seria um investimento em seus próprios objetivos, a fim de alcançar um sucesso que satisfaça a condição para obter a vitória. Embora a presença e o efeito dos outros atores nesse empreendimento sejam claros, isso não é percebido, pois, nesse sentido, cada um sozinho procura alcançar a vitória. Preocupações sobre a prevenção de vitórias de outros jogadores só se aplicam quando são reconhecidos como potenciais vencedores. Caso contrário, a estratégia permanece no avanço de seu próprio objetivo. Embora durante o jogo normal, possamos perceber que um jogo prejudica os outros. Este não é seu objetivo principal ou somente é adotado de forma deliberada quando os jogadores se reconhecem ameaçados pelos outros.

Embora os jogadores, quando percebem a vitória ameaçada, invistam em prejudicar o oponente, isso não se encaixaria como um anti-jogo. Estaria mais para uma relação de benefício mútuo ao impedir a vitória do outro (o inimigo do meu inimigo é meu amigo), qualquer jogador que visse sua vitória ameaçada se voltaria contra o provável vencedor na tentativa de segurá-lo e se aumentar a disputa. Dessa forma, o conceito de anti-jogo se difere do avançar através de seu próprio esforço ao longo desta corrida. A ideia envolveria investir na perda máxima para todos os outros jogadores, de modo que os enfraqueça tanto que eles nunca se tornem ameaças. Assim suas ações não teriam o objetivo de vencer, mas o de provocar o máximo prejuízo aos demais jogadores.

Um exemplo pode ser no xadrez, uma vez que percebemos nossa derrota, iniciamos uma estratégia de tentar empatar. É claro que não buscamos empate, quando ainda acreditamos que podemos vencer. Não iniciamos um jogo para empatar e enquanto calculamos a vitória possível, o evitamos. O anti-jogo, neste caso, pode ser a estratégia de procurar um empate desde o primeiro lance, buscando de todas as formas travar o jogo ou colocá-lo em um ciclo repetitivo.

Embora, aparentemente, o jogador que usa o anti-jogo não queira ganhar e se contente apenas com um empate. Uma vez que o outro jogador se vê como um potencial vencedor, ele se recusará a empatar, optando por jogadas ruins apenas para evitar a condição cíclica que levaria ao empate indesejado.

Assim, o anti-jogador parte da premissa de que o outro jogador não comprará sua “aposta”. Pois se ambas as partes adotam a postura de anti-jogo, essa estratégia não funcionaria, dado que não haveria nenhum dos lados tentando compensar o prejuízo causado por esta estratégia. Assim, para que o anti-jogo funcione, é explicitamente necessário que outros jogadores acreditem em seu potencial de vitória e joguem investindo nos seus próprios objetivos. Se todos os jogadores investissem no jogo anti-jogo uns contra os outros, chegaríamos a uma situação de exclusão mútua, deixando o critério da vitória praticamente ao acaso.

No exemplo acima, temos uma situação na qual a única forma de “destravar” o jogo é sacrificar uma rainha. Neste contexto, ambos os jogadores sabem que se ninguém sacrificar a rainha, o jogo termina empatado. Se o empate não for o suficiente para um deles, mas for para o outro, este se sentirá obrigado a perder a rainha para dar continuidade à partida, embora isto signifique arcar com uma perda muito grande para o restante do jogo. Contudo o empate pode não ser a pretensão de nenhum dos jogadores, mas o primeiro que tomar a decisão de destravá-lo, se verá no prejuízo. Este é um cenário hipotético, mas o anti-jogo segue o mesmo princípio, no qual o anti-jogador coloca o oponente diante a obrigação de arcar com prejuízos que venham a influenciar o restante da partida.

Outro exemplo de anti-jogo pode ser visto no Texas Poker. Na situação do primeiro turno, assim que o jogo começa, quando todos os jogadores se dedicam a jogar. Um jogador, sem olhar para suas cartas, anuncia All Win. É claro que todos os jogadores estarão em uma posição de dúvida, porque como todos têm a mesma quantidade de fichas, aceitar esta ação pode levar à derrota imediata. Ao não ver as próprias cartas, o jogador que usou o anti-jogo se torna blindado sobre expressar-se a respeito de sua própria condição de jogo. Tudo gira em torno da seguinte pergunta:

Queremos terminar o jogo no primeiro turno?

Ou mesmo na percepção de que os jogadores sentem que têm o potencial de vencer se jogarem por vários turnos com apostas em quantias regulares. Tal estratégia é extremamente arriscada, mas depende fortemente da premissa de que, se outros jogadores se considerarem vencedores em potencial, eles se recusarão a participar desse movimento suicida na primeira rodada. A consequência disso é a vantagem no primeiro turno para o jogador que usou o anti-jogo.

Outro exemplo ocorreu quando jogava Ticket Ride. Nele, precisamos construir ferrovias que conectam nossas cidades. Enquanto todos os jogadores observavam seus caminhos, procuravam construir suas ferrovias e cumprir seus objetivos, fiquei preocupado em identificar os pontos mais sensíveis na rota um do outro e construir um pequeno trecho neles que os faria desviar muito. Claro, desperdicei parte de meus movimentos para enfraquecê-los, mas o dano mútuo gerado foi maior que meu sacrifício individual. Assim, durante todo o jogo eu estava enfraquecendo meus oponentes e quando isso não era viável (ou seja, quando o que me lesaria seria igual ou maior que a lesão aos outros jogadores) eu estava avançando em meu próprio objetivo.

Em outro contexto, jogando Boss Monsters, um jogo de tabuleiro no qual controlamos um chefe de videogame e precisamos construir masmorras que atraiam os heróis para lá, com força suficiente para derrotá-los e coletar suas almas. Enquanto a estratégia inicial é construir suas masmorras, fortalecê-las e coletar almas dos heróis, um anti-jogo que eu uso muito é focar no ataque imediato contra os outros jogadores. Assim não atraio nenhum herói para a minha masmorra e uso o máximo possível para causar danos nas masmorras dos meus oponentes. Uma vez que eles acham difícil crescer e prosperar com sua masmorra, os perigos ao longo do jogo não podem ser resolvidos com tanta facilidade, exigindo um esforço constante para não serem eliminados. Algo que não aconteceria tão facilmente se eu permitisse que os jogadores crescessem e prosperassem até que um deles se tornasse um jogador com claro potencial de vitória.

Seguindo essa mesma estratégia apresento outro exemplo com o jogo Catan. Em vez de me preocupar em construir minhas aldeias e cidades, preocupei-me em perturbar as construções dos meus oponentes, bloqueando seus caminhos para expansão o mais rápido possível. Isso resultou em gastos maiores com recursos para corrigir os movimentos que fiz contra eles. Como consequência, pude crescer sem a interferência dos outros jogadores que estavam presos pelos meus bloqueios, permitindo que tomasse posições mais privilegiadas e adquirisse mais recursos, apesar dos gastos iniciais direcionados apenas no prejuízo aos outros jogadores, em vez de correr imediatamente para a vitória.

Via de regra, o anti-jogador assume que os danos sofridos nas suas ações prejudiciais serão menores do aqueles sofridos pelos outros jogadores juntos, pois os mesmos buscam a vitória. Desse modo, não abrirão mão dela por conta desta ação prejudicial, e por isto mesmo, arcarão com seu prejuízo.

Essa ideia de anti-jogo aparece muito bem no anime No Game No Life, no qual os protagonistas afirmam que podem jogar com a própria força ou usando a força do oponente contra eles. Em uma situação, Sora e Shiro (os dois protagonistas) estão jogando um jogo no mundo virtual sobre palavras e materialização. Cada jogador tem 30 segundos para dizer uma palavra que ainda não foi dita; a palavra deve ser algo real; se não existir, passa a existir e, se existir, deixa de existir. As palavras podem ser de qualquer idioma e na primeira jogada, o protagonista Sora diz “Bomba de Hidrogênio”.

Quando Jibril (sua oponente) ficou curiosa pelo objeto de outro mundo que se materializou, percebeu que isso era uma ameaça imediata a todos, ela imediatamente usou uma palavra que representa uma proteção suprema daquele mundo, protegendo-se e protegendo os protagonistas do efeito da explosão nuclear. Ela então afirma que teve a gentileza de querer salvá-los também e não terminar o jogo na primeira jogada. Mas o protagonista Sora afirma que ele apostou nisso, que ela estaria muito curiosa sobre o outro mundo (do qual os protagonistas vieram), e não gostaria de ganhar tão facilmente assim na primeira jogada. Com isso, o protagonista forçou seu oponente a gastar a palavra que significava a proteção mais poderosa desse universo. Um ótimo exemplo de anti-jogo, pois com uma única ação “aparentemente suicida”, Jibril comprou a aposta e gastou o trunfo de defesa contra os ataques seguintes.

Para concluir, o anti-jogo é uma estratégia extremamente arriscada, mas oferece ao jogador que o usa uma condição de vantagem sobre os outros. Como os outros jogadores desejam alcançar a vitória, ou acreditam que podem obtê-la, eles escolherão investir em seus próprios esforços para alcançá-la, e essa é a premissa que beneficia um anti-jogador.

4 thoughts on “Alguns jogadores só querem ver o tabuleiro pegar fogo

  • 31 de maio de 2020 em 12:38
    Permalink

    Empreender é um jogo no brasil, muitos desafios a serem conquistados, muitas burocracias a serem superadas e se não bastasse isso tem sempre alguém querendo te derrubar. muito complicado e infelizmente vencer os mais espertos ou trapaceiros...

    Resposta
    • 31 de maio de 2020 em 23:10
      Permalink

      Olá Wagner, realmente o conceito de jogo traz semelhanças para vários contextos da vida real (dos quais não tenho nem de longe competência para discutir).

      O tema aqui é muito mais simples, para o contexto de trabalho da matemática na Teoria dos Jogos.

      Nesse contexto, o "antijogador" aposta que os outros jogadores pagarão sua jogada ruim, e quando isso ocorre, aparentemente ele jogou apenas para gerar caos, mas na verdade é quem sai menos prejudicado destas ações

      [ser "o espertão" nos games é uma ótima estratégia e como é só um jogo, termina tudo bem no final]

      Resposta
  • 18 de junho de 2020 em 13:26
    Permalink

    Artigo científicos são isso, um jogo de destruição.
    Se alguém diz, encontrei isto! lá vem uma publicação dizendo está errado.
    Resultado. Descrença no mundo científico.
    cloroquina salva!
    cloroquina mata!
    e assim continua o jogo, onde quem vence é a incerteza.

    Quando apresento meu artigo, os mais ditos entendidos, antes de terminarem de ler comenta: você é um louco! Queria cheirar esse pó estragado que cheirou para ficar assim. Rs (nunca vi uma droga na minha frente, fora a droga de tais comentários).

    Um dito 2 phd me disse isso.
    Falei, aponta apenas um erro?
    Como falou muito bem no teu artigo aqui, pôs fogo no tabuleiro e correu. Covardia ancorado em 02 phd.
    https://publicacoes.even3.com.br/preprint/map-of-everything-expansionist-energy-138117

    Resposta
    • 18 de junho de 2020 em 14:41
      Permalink

      Olá Yveysmar, na "teoria dos jogos" estudamos sobre a tomada de decisões, este é um campo de estudo bem aplicável à negociações, pois prevê que todas as partes ajam de modo mais inteligente possível e determina nestas condições, quais as melhores escolhas a serem tomadas. No caso deste post, trato da "estratégia" de gerar caos "aparentemente" sem propósito e como isso pode conferir vantagens ao jogador aparentemente caótico.

      Neste post tenho um outro exemplo legal de teoria dos jogos:
      https://www.blogs.unicamp.br/zero/2019/06/15/o-bom-o-mau-e-o-feio/

      A respeito dos artigos científicos, cada área de conhecimento segue algumas tendências e normas sociais. Nos artigos de matemática pura, é comum que o autor demonstre analiticamente suas afirmações, ou referencie quem já demonstrou alguma dessas afirmações para que possa ser consultada por outros leitores. Se submetemos aos pareceristas de alguma revista científica, um material com formato muito distante destas normas, é natural que vejam com espanto ou reações aversivas. Sugiro que você dê uma olhada nos templates dos respectivos periódicos que você pensa em submeter, veja o que eles pedem e leia outros artigos aprovados por estes periódicos, para entender mais ou menos qual o formato e padrões são esperados dos materiais que serão avaliados 🙂

      Resposta

Deixe um comentário para Wagner Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *