Tom Marvolo Riddle é um péssimo anagrama
Os fãs de Harry Potter sabem muito bem que o nome Tom Marvolo Riddle é anagrama de I am Lord Voldemort. Embora à primeira vista possamos nos surpreender com esta revelação, ela é bastante fraca em termos de anagramas e veremos porque.
Tom Marvolo Riddle têm 2 espaços, enquanto I am Lord Voldemort tem 3 espaços, ou seja, estamos falando de um anagrama que desconsidera o espaço como um caractere. Ou seja, temos que permutando as letras de TomMarvoloRiddle chegamos em IamLordVoldemort.
Outro ponto que faz deste anagrama fraco, é observarmos que as letras maiúsculas de Tom Marvolo Riddle (TMR) não coincidem com as letras maísculas de I am Lord Voldemort (ILV). Ou seja, temos uma permutação de tommarvoloriddle para iamlordvoldemort.
O último ponto que faz deste um anagrama desinteressante, é que o uso do am, um verbo de ligação que conecta o sujeito I ao predicativo do sujeito Lord Voldemort. Para exemplificar porque é cômico utilizar sujeito e verbo de ligação em um anagrama, pensemos que uma variação de frases I am Lord Voldemort poderiam ser aplicadas à este cenário:
- I am known as Lord Voldemort.
- My name is Lord Voldemort.
- I am the one called Lord Voldemort.
- I am the one who is known as Lord Voldemort.
- I am the notorious Lord Voldemort.
- They call me Lord Voldemort.
A ironia de acrescentar mais palavras em um anagrama (além do próprio nome a ser embaralhado) aparece no décimo terceiro episódio da vigésima temporada de Simpsons, entitulado “Gone Maggie Gone”. Neste episódio Lisa decifra que “Great crimes kill holy sage” é anagrama de “Regally, the rock gem is Lisa“, mas logo ela é desmentida, quando revelam que a verdadeira combinação era “It’s really Maggie, Sherlock“, o que só faz sentido se considerar que a Lisa resolveria errado inicialmente (pois o termo Sherlock no final da mensagem, tem tom irônico em relação à capacidade da pessoa em acreditar ter decifrado o anagrama corretamente).
De volta ao Lord Voldemort, apenas com as letras lordvoldemort podemos gerar 129.417.160 anagramas. Por exemplo, se o personagem se apresentasse como Dortel Moldrov e fossemos analisar todas as combinações possíveis, cada uma em 1 segundo e de forma ininterrupta, poderia levar até 4 anos, 1 mês, 6 dias, 10 horas e 44 minutos para se descobrir que a palavra forma lordvoldemort.
Assim, entendo que utilizar um anagrama como identidade secreta traz consigo um tom de provocação, de deixar o anagrama frente aos olhos de seus inimigos por bastante tempo, sem que os mesmos descubram. Por isso, o uso de mais componentes na frase a ser anagramada praticamente a deixariam impossível de ser resolvida, tal como mostramos no exemplo dos Simpsons, e consequentemente não há nada de provocativo nisso. Do mesmo modo, utilizar anagramas de palavras/frases muito grandes, também perdem o sentido provocativo, dado que a quantidade de combinações possíveis seria tão grande que jamais seus inimigos viriam a descobrir, e seu objetivo de ridicularizar suas inteligências não faria sentido.
Essas são as razões que considero o anagrama Tom Marvolo Riddle uma escolha fraca e que se mantém somente com o apoio do roteiro.
Curiosamente o contexto de anagramas se relaciona com o processo de leitura de pessoas dislexicas. Pois em algumas teorias a respeito da rota-lexical e tipos específicos de dislexia, os caracteres das palavras são reconhecidos como se estivessem embaralhadas. Este tema é tratado com um pouquinho mais de profundidade no artigo Frozord: um jogo digital sobre leitura para disléxicos e não disléxicos, publicado nos anais da XVIII Semana da Educação Municipal e VIII Congresso Municipal de Educação de Bauru, realizada pela Prefeitura Municipal de Bauru entre 01 a 04 de Outubro de 2018 (https://sites.bauru.sp.gov.br/arquivos/website_semanaeduca/arquivos/anais2018.pdf). No artigo, se discute a potencialidade deste jogo (Frozord) em exercitar a rota-lexical de seus jogadores, uma vez que o avatar do jogador é perseguido pelas letras de uma palavra, cada uma se movendo até ele constantemente e em sua própria velocidade, fazendo-a assim difícil de ser lida diretamente.



A questão do jogo é bastante simples, no exemplo apresentado, as letras da palavra “professor” permitem formar 45.360 anagramas. Assim, observando apenas as letras espalhadas, seria quase impossível em alguns segundos identificar qual é a palavra-secreta. Mas como as letras seguem o personagem, isto nos faz vê-las em diferentes posições, com algumas variações que já não são tantas quantos as possíveis e buscamos inconscientemente em nossa memória ortográfica, uma palavra correspondente. Por fim, caso não seja possível encontrá-la o jogador pode utilizar a rota fonológica, fazendo uma busca a partir dos fonemas em comum que parecem se formar em sua leitura.
Aqui disponibilizo o link do jogo digital Frozord: https://scratch.mit.edu/projects/1120578057/
E o artigo mencionado: Frozord: um jogo digital sobre leitura para disléxicos e não disléxicos (https://drive.google.com/file/d/1pNxTgHtIiBD5nJDvv3Io6wv2Q5yRP71f)
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Tom Marvolo Riddle é um péssimo anagrama. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 13. Ed. 1. 1º semestre de 2025. Campinas, 16 de janeiro 2025. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/5975/. Acesso em: <data-de-hoje>.
Excelente Manu, gostei muito.