Um amigo físico foi fazer seu doutorado em Grenoble, na França, em uma das instituições ligadas à Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear – o CERN na sigla original em francês. Em seu primeiro dia de trabalho foi duramente repreendido por estar com uma camisa social com bolso. Segundo seu orientador, um cientista deveria usar uma camisa social “de fato”, ou seja, sem bolso.

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Albert Einstein de bermudas em Nassau Point, Nova York, em setembro de 1939. Foto: Reginald Donahue. Fonte: www.pinterest.com

Essa história me parece bem razoável para refletirmos sobre os conservadorismos que se mantem atrelados ao fazer científico. Além de não trazerem resultados efetivos, muitas vezes acabam criando constrangimentos desnecessários. Qual o efeito prejudicial sobre as pesquisas do bolso na camisa do pesquisador? Afinal, o que mudaria em relação ao pesquisador que, cumpridor dos seus deveres, e não infringindo nenhuma norma de segurança, fizesse, por exemplo, ciência de bermuda?

O cientista americano Michael Nielsen, em palestra sobre a ideia de Ciência Aberta no TEDX (https://www.youtube.com/watch?v=DnWocYKqvhw) acrescenta importantes questionamentos que nos levam a pensar nessa linha. Sua argumentação se inicia a partir da indagação: é possível haver colaboração massiva entre os matemáticos?

Em poucos mais de dezesseis minutos de palestra – que acreditem, passa rápido -, Nielsen enumera muitos exemplos de fracassos na história da ciência.  Nessa lista somam-se boas ideias que foram malsucedidas, como o projeto “Quantum Wiki”, que buscava juntar pesquisadores ligados à área de informática quântica.

Felizmente também há alguns bons exemplos de sucesso. Entre eles, o “Princípio de Bermudas”, desenvolvido em torno do Projeto Genoma, essa grande cooperação internacional para decodificação do DNA humano. Esse protocolo visou obrigar que os cientistas participantes partilhassem imediatamente as sequências genéticas decifradas, abastecendo a todos os colaboradores dos avanços possíveis do projeto e tornando essa produção de domínio público.

A grande conclusão de Nielsen é: por que não mudamos esses valores arraigados em nossa ciência? O universo científico já sofreu uma grande revolução, que deu origem a esse sistema acadêmico de produção e divulgação de pesquisas. É preciso mais. Precisamos de uma nova cultura científica onde a vaidade e a disputa insensata de egos sejam substituídas por um sentimento maior: a contagiosa paixão pela ciência.

Para um desses apaixonados, o paleontólogo americano Stephen Jay Gould (1941-2002), “não há nada que mais a inovação que uma visão dogmática do mundo”. Portanto, para trilharmos o caminho de uma nova revolução científica, que reencante a opinião pública e aproxime o saber acadêmico da sociedade, é preciso uma guinada.limite

Nem que isso signifique fazer “ciência de bermuda”, no melhor sentido que essa expressão possa sugerir: alguma partícula não estável entre a descontração criativa e o comprometimento colaborativo.

Uma resposta

  1. Acho que nunca vi antes um termo parecido a "ciência de bermuda" para descrever um fenômeno que já tínhamos comentado eu e alguns colegas. A visão que a gente tinha desde criança sobre a aparência física de um cientista era totalmente diferente a que a gente dia a dia pode ver nas pessoas que habitam nos nossos laboratórios. Pessoas extremamente inteligentes, com temas de pesquisa que a gente nunca imaginaria desenvolver, até impossível de pronunciar, mas totalmente abertos a compartilhar seu conhecimento e dispostos a ajudar. A maioria deles, desencaixados do meu perfil de um cientista, fora da imagem conservadora e produzida de uma camisa social e uma calça comprida, claro está, sem quebrar regras de segurança que devem ser cumpridas para determinados laboratórios, mas sim, para quebrar estereótipos nada a ver com nosso trabalho diário.

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