ou porque futuros biólogos pensam que esta não é uma escolha sensata

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Alunos da graduação em Ciências Biológicas da Unicamp foram convidados a imaginar como fariam para trazer um dragão à vida, usando ferramentas da Biologia do Desenvolvimento. O projeto fez parte das atividades da disciplina Biologia do Desenvolvimento, e foi executado pela doutoranda do Instituto de Biologia, Carolina Mantovani e pela Profa. Dra. Lúcia Elvira Alvares, responsável pela disciplina. Mantovani também é autora do blog “Nas Asas do Dragão”, integrante do projeto “Blogs de Ciência da Unicamp”. As experiências com a disciplina serão relatadas em seu blog em breve, mas trouxemos um pequeno relato dos resultados desta atividade, realizada em junho de 2017.

A premissa do projeto

Imagine que um magnata bilionário queira criar um parque temático sobre dragões. Imagine agora que você é um cientista e foi convidado para participar da equipe que iria criar dragões de verdade em laboratório. Como faria isso? Como trazer estas criaturas mitológicas à vida?

Foi com esta premissa que os alunos de ciências biológicas da Unicamp começaram seu curso de Biologia do Desenvolvimento (veja a proposta completa aqui). Ao longo de um semestre, teriam que discutir e resolver este problema de “engenharia genética”, aplicando os princípios da metodologia científica a fim de permitir o desenvolvimento fictício deste projeto. Isso sem perder de vista os possíveis impactos causados pela criação de um espécime de dragão, discutindo a importância da atuação integrada em pesquisa, educação e extensão. Inclusive, como parte integrante das avaliações finais da disciplina, foi previsto que cada grupo produziria pelo menos um texto de divulgação científica, na qual eles comunicariam com um público amplo suas experiências de aprendizado no processo de planejamento deste “dragão de proveta”.

Segundo a autora do projeto, “A ficção pode ser muito bem explorada de modo a atrair a atenção do público-alvo. Por exemplo, no nosso caso, com esta disciplina, imaginamos que a figura do dragão seria um ótimo artifício lúdico para viabilizar a integração de diversos conhecimentos da Biologia do Desenvolvimento, ao mesmo tempo em que poderia instigá-los a buscarem a compreensão de como a natureza trabalha na geração de diversidade de formas e funções nos animais.”

Tal iniciativa utilizou a abordagem didática de ensino baseado em problemas, e surgiu após uma análise prévia de perfil dos estudantes matriculados na disciplina, e faz parte da tese em andamento da doutoranda: “Nas Asas do Dragão – Uma Interface de Comunicação entre Pesquisa, Ensino e Extensão“. Nas palavras da própria autora, a proposta era trazer o lúdico e o imaginário para a sala de aula como recurso facilitador do aprendizado.

Um relance da sala de aula no processo

O projeto, que inicialmente foi concebido pela doutoranda para tornar o conteúdo das ferramentas moleculares e vias de regulação e sinalização celular mais atraente aos alunos de graduação, foi ganhando novas dimensões.

Os estudantes foram instruídos a propor soluções imaginando o que de fato pode ser exequível, convincente e ético, não só para agradar o proponente do projeto, mas para convencer a população em geral de sua importância, de forma que apresentassem quais seriam os benefícios para a sociedade.

No início, alguns grupos foram contra a ideia de manipular um organismo vivo, e não conseguiam ver como atender ao projeto sem ferir suas crenças morais e éticas. Pouco familiarizados com experiências de ensino ativo, muitos sentiram falta de aulas teóricas. A professora responsável pela disciplina, dra. Lucia Elvira Álvares, do Instituto de Biologia (IB) procurou atender a essas demandas com textos complementares e sugestões de questões para reflexão, de forma que o arsenal teórico fosse contemplado para ajudar na resolução do problema, mas sempre focando na participação ativa dos alunos em seu processo de aprendizagem. Com a experiência, o envolvimento nas atividades aumentou e os estudantes incomodados com as implicações da proposta fictícia foram encorajados a assumir seu posicionamento contra o projeto do magnata bilionário – e desenvolver contrapropostas viáveis e argumentos cientificamente embasados para sua recusa.

dra. Lucia Elvira Álvares (esquerda), professora responsável pela disciplina, e me. Carolina Mantovani (direita), idealizadora do projeto.

Questionamentos

Desta forma, as apresentações finais da disciplina – que nós da equipe do Blogs de Ciências da Unicamp assistimos – foram muito além de uma série de aulas de controle genético e diferenciação celular para criar um “frankenstein transgênico”. Alguns grupos decidiram trabalhar com um viés conscientizador sobre as questões éticas, ambientais e fisiológicas envolvidas no pedido do magnata.

Seria correto gerar artificialmente uma nova espécie para ser mantida em cativeiro e exibida ao público? E se ela fugisse ao controle? Do que se alimentaria, que animais seriam ameaçados caso o dragão artificial escapasse para a natureza? E se o organismo criado parecesse um dragão, mas não pudesse voar, ou fosse envenenado pela sua própria fumaça e fogo? O que seria feito com os exemplares que não deram certo?

Conhecimentos e saberes próprios do profissional da biologia foram levantados e aplicados para resolver este dilema. E não apenas isso: a atividade abriu um espaço para estes estudantes desenvolverem o debate ético, a geração de hipóteses, melhorar sua comunicação com o público  a colaboração e o trabalho em equipe. Acompanhe na galeria algumas propostas do dia:

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Os alunos apresentaram suas próprias soluções para atender a proposta, de forma extremamente plural e rica. Em todas as apresentações os grupos reafirmaram seu posicionamento profissional, sem deixar de mostrar os conhecimentos essenciais da biologia do desenvolvimento.

Da ficção à divulgação científica

A experiência de Mantovani com divulgação científica o projeto Blogs de Ciências da Unicamp foi uma inspiração importante para as atividades que estruturaram a disciplina. Ela percebeu que poderia conscientizar os futuros biólogos quanto à importância da comunicação entre universidade e público. Utilizando materiais e recursos apreendidos no curso de capacitação e integração ao projeto, ela os orientou para o preparo de publicações escritas.

E assim, o semestre letivo terminou, mas as iniciativas e projetos derivados desta experiência continuam: além das publicações escritas para divulgação no blog “Nas Asas do Dragão”, que estão em processo de revisão e aprimoramento, alguns alunos estão trabalhando no preparo de uma peça de teatro, um livro infantil, página em redes sociais e uma série de reportagens sobre o assunto. A intenção é que estes novos materiais sejam apresentados na próxima edição do projeto “UPA – Unicamp de Portas Abertas”, nas demonstrações do curso de Ciências Biológicas. Através da divulgação no blog e nas redes sociais, Mantovani e seus alunos também pretendem encontrar parcerias que ajudem a viabilizar a execução dos projetos, como graduandos de artes cênicas e midialogia.

Provavelmente a aplicação dos genes regulatórios, organogênese e técnicas moleculares serão lembradas com muito mais facilidade no futuro. E, mais ainda, todos saíram com a proposta firme de dividir o que sabem com a sociedade. Esperamos ver futuros divulgadores de ciências entre eles.

2 respostas

  1. Carol, muito obrigada por trazer sua visão sobre a proposta da nossa disciplina! Para nós, como
    mediadoras do processo de ensino-aprendizagem, foi uma experiência muito enriquecedora! Não foi nada fácil sair da zona de conforto e testar uma proposta alternativa para o ensino. Sempre tem aquele tempo para adaptação, tanto para nós quanto para os alunos, e também tivemos algumas dificuldades. Continuamos num constante processo de reflexão para aperfeiçoar nos práticas. Mas ao olhar assim para o resultado final e para a riqueza dos projetos e das apresentações, vemos o quanto valeu a pena inovar! Mais do que apenas conteúdos de uma disciplina, os alunos puderam experimentar a responsabilidade da profissão que eles querem exercer, puderam pensar muito além da disciplina e inclusive integrar outras áreas do conhecimento. Agora estamos tentando fazer ajustes quanto ao tempo das atividades, organização dos grupos, e quem sabe um dia não conseguimos apoio de outros professores para ampliar esta proposta?

  2. Gostaria de aproveitar também para deixar aqui um recado para todos os professores que já pensaram em tentar algo diferente em suas disciplinas, mas ainda não conseguiram colocar em prática: Não percam mais tempo! Comecem a mudança! Procurem conversar com outros professores que já experimentaram se aventurar por diferentes propostas, crie suas próprias propostas, experimente você também! Seja um pesquisador de suas próprias práticas de ensino, valorize a criatividade e a autonomia dos seus alunos e continue sempre tentando se aperfeiçoar!

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