Texto de editorial, escrito por Ana de Medeiros Arnt e Mellanie Fontes-Dutra

Ao longo de toda a pandemia da Covid-19 tornou-se visível a necessidade do conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico para avançarmos no combate à doença. Dessa forma, há um ano atrás sabíamos que o novo coronavírus avançava pelo mundo – ainda sem termos compreensão dos riscos, sequelas e da severidade dos problemas sociais, de saúde, economia e que enfrentaríamos. Não há como negar que uma das lições da COVID-19 foi sobre como investir em ciência muda as direções durante uma crise global.

Apesar de os impactos da ciência na vida cotidiana serem inegáveis, neste momento estamos diante de um dos maiores golpes na ciência brasileira, a ser consolidado em poucos dias.

Como a quantidade de informações é difusa e nem sempre compreendemos como os financiamentos para a ciência estão estruturados, torna-se fácil nos perdermos em meio aos ruídos. Por isso, hoje nós achamos que era importante escrever sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para que todos entendam os motivos de termos que nos juntarmos (e muito rápido) para lutarmos por ele!

O que é o FNDCT?

O Fundo, criado em 1969, financia a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, impactando na economia e na sociedade. Mais recentemente, por exemplo,  a Emenda Constitucional nº 85/2015, promulgada pela Lei nº 13.243/2016, estabelece que os incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica em nosso país devem seguir os princípios de “promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social”, Além disso, são também um dos princípios para a redução das desigualdades regionais.

Assim, esta diretriz é fundamental para o nosso país, tendo em vista a intrínseca relação estabelecida entre o incentivo financeiro para a pesquisa científica e questões sociais urgentes do Brasil, a partir dos pressupostos de investimento em pesquisa e produtos e aumento de empregos e melhoria da qualidade de vida em diferentes regiões do país.

O FNDCT vincula-se ao Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), que funciona como secretaria executiva do fundo. A vantagem de termos um fundo como o FNDCT é a centralização de arrecadação e operacionalização para investimentos e incentivos para a pesquisa e desenvolvimento. Assim, temos um comitê executivo que analisa, delibera e estrutura estas questões em nosso país.

Mas de maneira prática, como o FNDCT impacta minha vida?

Ele garante investimentos em áreas diversas, mas fundamentais: aeronáutica, agronegócio, saúde, setores petrolíferos, de transporte e muitos outros. Dessa maneira, os financiamentos podem ser obtidos por meio de empréstimos (destinados a projetos de desenvolvimento tecnológico de empresas), aporte de capital mediante participação societária (para empresas inovadoras) e financiamento “não reembolsável”.

Vocês têm ideia do que é um financiamento não reembolsável? Vamos lá:

São aquelas pesquisas científicas que passam por chamadas públicas (como editais de pesquisa), cuja verba inclui compras e manutenção de equipamentos, pagamento de recursos humanos (com bolsas, por exemplo), desenvolvimento de produtos tecnológicos, etc. Ou seja, para este recurso, é preciso que grupos de pesquisa e/ou instituições se inscrevam com projetos que se relacionem ao edital público.

Também há a possibilidade de recursos financiados por encomendas específicas. Isto é, neste item, são pesquisas para desenvolvimento de produtos tecnológicos e inovadores, provenientes de pesquisa científica, para geração e estabelecimento de políticas públicas específicas. Estes financiamentos direcionam-se a setores estratégicos para o desenvolvimento público brasileiro.

Lembra da época do Zika vírus?

Graças a laboratórios financiados pelo FNDCT que a relação entre ele e a microcefalia foi feita. No caso desta pesquisa, o financiamento aconteceu por uma Chamada Pública – ou seja, um edital de pesquisa.

Sobre as Bolsas de Pesquisa

O FNDCT financia diretamente a pesquisa científica no país através de bolsas de pesquisa. E esta modalidade de apoio é fundamental para a geração de conhecimento técnico e científico, uma vez que possibilita a formação de recursos humanos, de altíssima qualidade, e manutenção das pesquisas em pós-graduação por todo o território nacional.

Uma das questões importantes de ser comentado sobre o FNDCT é a distribuição de bolsas para regiões com menos verbas de pesquisa de outras agências. Assim, 49% das bolsas de 2018 foram distribuídas para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, promovendo o desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação nestas regiões que ainda carecem de quantidade de pesquisadores para estabelecer grupos de pesquisa em alguns setores.

Sobre os setores de investimento, em 2019, 93% dos investimentos aplicaram-se majoritariamente em projetos voltados para o desenvolvimento de novos produtos, processos e serviços aqui no país: 

O aprimoramento e desenvolvimento de novos produtos ocorrem em setores estratégicos que neste momento são fundamentais para o combate à pandemia! As operações correspondem  a financiamentos exclusivos com o FINEP ou em parcerias com Agências de Fomento Estaduais (FAPs)

Mas nem só de bolsas vive o financiamento do FNDCT!

Os apoios financeiros se estendem para as empresas também. Em 2018, por exemplo, 38 projetos receberam o benefício da subvenção diretamente do FNDCT, envolvendo 37 empresas executoras. Os recursos contratados para o grupo das médias-grande e grandes empresas foi de R$ 47,1 milhões, com a contrapartida correspondente à R$ 228,4 milhões

O que significa isto?

A subvenção econômica se encaixa no financiamento para empresas, cuja contrapartida é obrigatória (a empresa também deve entrar com recursos próprios para o desenvolvimento tecnológico e de inovação). Esta modalidade é amplamente utilizada no exterior e, inclusive, incentivada pela Organização Mundial de Comércio (OMC). A Subvenção Econômica confere competitividade para empresas nacionais e é uma modalidade de incentivo que vinha crescendo desde 2006.

É importante também apontar que grande parte dos empregos brasileiros são gerados em microempresas, empresas de pequeno porte e pequenas. Neste sentido, esta modalidade, além de proporcionar inovação brasileira, também traz benefícios no setor econômico por possibilitar o aumento de empregos – o que é algo essencial para a retomada neste momento tão difícil para o país!!!

Se observarmos o desempenho de países no contexto da pandemia da COVID-19, por exemplo, fica muito evidente que países que investem em ciência tem uma resposta melhor, são capazes de desenvolver suas próprias vacinas, inclusive, comparado com países que investem pouco em ciência. O IPEA, em estudo publicado, aponta que o Brasil abriu poucos editais e com investimentos baixos no combate à Pandemia. 

Mas o que está acontecendo HOJE com o FNDCT?

Precisamos entender a PEC 187/2019. Essa PEC propõe a extinção dos fundos públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios criados até 31 de dezembro de 2016. Os efeitos dessa PEC são a desestruturação de todo o sistema de financiamento de ciência, tecnologia e inovação, como o promovido pelo FNDCT. Isto é, o desmantelamento da infraestrutura de pesquisa e descontinuando investimentos a laboratórios e institutos do país que usam esse recurso.

Porém, não é apenas isso… O programa de crédito nas empresas que promovem inovação será interrompido – e os efeitos econômicos disso são imensos – especialmente durante uma pandemia! Relembrando o que acabamos de falar: não é apenas falta de investimento no desenvolvimento tecnológico, é diminuição de empregos e recursos advindos destas pessoas empregadas e dos produtos gerados por estas empresas, que podem gerar patentes e exportação e tecnologia brasileira! Isto significa um aumento da pobreza de empresas e pessoas com uma aparente “economia” ao não se disponibilizar financiamento para estas empresas!

Ainda é bom comentar que em 2020, o senado reconheceu a relevância do FNDCT, retirando ele da PEC 187/2019. Todavia, a Lei Complementar nº 177/2021 sancionada pelo Presidente da República impede a liberação dos recursos integrais do FNDCT de 2020 e retira a proibição dos recursos do FNDCT serem colocados em reserva de contingência. 

Entendeu a gravidade da situação?

Agora nós falaremos sobre o que podemos fazer quanto a esta catástrofe científica, tecnológica e econômica…

A prioridade agora é a derrubada dos vetos ao FNDCT acima citados. Com isto, por hora, preservaríamos a principal fonte de financiamento à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) do país. Em suma, a ciência PRECISA se tornar prioridade nacional e isso se faz com investimento. Em nenhum país do mundo, que seja líder em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, governos realizam cortes neste patamar!

Dessa forma, hoje nós te chamamos para nos ajudar votando para a derrubada dos vetos ao FNDCT neste Abaixo-assinado, organizado pela SBPC https://www.change.org/p/senadores-pela-derrubada-dos-vetos-ao-fndct

Por fim

Um país que investe em ciência, alavanca a economia, a infraestrutura, tem respostas mais rápidas e boas para população dentro e fora de crises e beneficia toda a sociedade. Defenda a ciência, para ela poder estar presente quando mais precisarmos dela, como agora na pandemia. Sociedades Científicas como a SBPC e ABCiência estão organizando-se para divulgar este abaixo-assinado e levar ao senado. Acesse e acompanhe o site https://cienciasalva.org/ para visualizar parlamentares a favor da derrubada dos vetos e compartilhe a hashtag #cienciasalva

Materiais de Referência para este post:

BRASIL (2016) LEI Nº 13.243, DE 11 DE JANEIRO DE 2016. 

FINEP (s/d) Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

FINEP (2019) Relatório de Resultados do FNDCT-2018

IPEA (2020) Países investem em pesquisa e inovação para superar a pandemia de Covid-19

Autoras Convidadas

Ana de Medeiros Arnt é professora do Instituto de Biologia da Unicamp e coordena o projeto Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19, deste portal.

Mellanie Fontes-Dutra é biomédica, faz pós-doutorado no Instituto de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente é uma das coordenadoras a Rede Análise Covid-19, atua como divulgadora científica, especialmente falando sobre a Covid-19 (Mellanie no Twitter)

Sobre este texto

Este post foi organizado inicialmente como um “fio” no twitter, em conjunto pelas autoras e, depois, ampliado e organizado em formato de texto para o Blogs de Ciência da Unicamp. Ele foi elaborado a partir de enquetes realizadas em nossas redes sociais em que foi indicada a dificuldade em compreender a importância do FNDCT para a ciência brasileira. Esperamos assim contribuir com esta luta, ao lado da SBPC e ABCiência

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