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Divulgação Científica

Todos pelas vacinas: por uma DC coletiva no Brasil

O Zé gotinha está no canto inferior direito da imagem (desenho de Clorofreela) e no centro o texto "Todos Pelas Vacinas: um movimento para além da academia"

Há quem diga que no Brasil a população odeia a ciência. Outras pessoas optam insistentemente em chamar de bobagem o que as pessoas pensam e acreditam. Com isto, defendem com unhas e dentes um tipo de ciência para lá de excludente. A ciência e a Divulgação Científica (DC) precisam mesmo ter uma postura de distanciamento da população? Ou, como costuma-se dizer também: precisamos mesmo ocupar a torre de marfim e lutar por sua manutenção?

Hoje eu vim falar com vocês sobre um movimento de DC que o Blogs Unicamp e o CEDiCiências participa há algum tempo: o Todos Pelas Vacinas. Mas antes disso, eu queria falar um pouco sobre a Divulgação Científica (DC) no Brasil e como nós pensamos a ciência e a DC neste movimento.

Um pouco de História da DC Brasileira

Os primeiros espaços científicos e de divulgação científica no Brasil remontam ao século XIX. Vou destacar aqui o Museu Nacional, inaugurado em 1818, e o Museu Paraense Emilio Goeldi, inaugurado em 1866.

Ainda no século XIX, tivemos as chamadas Exposições Nacionais, que aconteceram no Rio de Janeiro no ano de 1861. Estas exposições obtiveram um público médio de 1.100 pessoas por dia. É bom lembrar que nesta época o Rio de Janeiro tinha uma população menor do que 400 mil habitantes.

A ciência e a divulgação científica brasileira iniciam sua história de mãos dadas. Em pouco tempo ocupam a mídia escrita, com revistas para o público não especialista. Outro veículo importante foi o rádio, uma vez que a população brasileira tinha cerca de 80% de analfabetos no início do século XX. Considerando o cenário nacional contemporâneo, o rádio continua sendo uma das mídias mais relevantes do Brasil. Pois possui cerca de 83% da população acessando informações por este meio.

O século XX

O século passado foi marcado, no contexto que estamos falando, pela ascensão das sociedades científicas. Compõe esta categoria a Academia Brasileira de Ciência, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Além disso, temos a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1951), conhecido como CNPq.

O Século XX também é marcado pelo aumento de publicações especializadas em divulgação científica e jornalismo científico. Em especial, com produções audiovisuais ganhando espaço em redes de televisão, além das feiras de ciência e museus dentro e fora das universidades.

A divulgação científica era parte dos diversos meios de comunicação do país, atingindo públicos infantis até adultos. E, novamente relembrando, engana-se quem acha que a DC não tinha relevância no cenário nacional.

Vocês sabiam, por exemplo, que em plenos anos 90, com o país vivendo uma crise econômica enorme e hiperinflação, a Revista Ciência Hoje estava prestes a completar 10 anos de vida e se viu à beira da falência? Em inúmeros editoriais, a revista abriu seu problema financeiro aos leitores e pediu ajuda para resolver a questão. Prontamente atendida, os leitores participaram de campanhas para arrecadar novos leitores e assinaturas. Estas ações manteve viva a revista que, até hoje, é uma das mais importantes representantes da DC brasileira.

Aliás, este episódio – assim como outros que aconteceram contemporaneamente no Brasil – mostram que a população não apenas valoriza a ciência, como é ávida por conhecimento científico e por informações científicas. E em momentos de crise, buscam informações de qualidade para compreender os fenômenos que estão sendo vivenciados.

Século XXI: um mundo digital se abre

Neste século que vivemos hoje, enquanto víamos a ascensão das redes sociais acompanhamos também os cientistas e jornalistas de ciências adentrarem o mundo digital, para criar espaços de diálogo e produção de conhecimento para um público diverso e não especialista.

Blogs, perfis e comunidades em mídias sociais, podcasts, canais de youtube, facebook, instagram, tiktok, twitter, newsletter: a internet estabeleceu novas possibilidades de contatos e conteúdos.

Mas também forneceu espaço no Brasil e no Mundo para a criação de uma metodologia eficiente para a criação de bolhas e disseminação de desinformação. O fenômeno da desinformação não é novo, claro. Porém, a eficácia metodológica de espalhamento da informação para disseminar, parece ser realmente fora de tudo o que já tínhamos enfrentado antes…

Vimos a desinformação crescer e esta batalha se acirrar, nos últimos anos. Mesmo em veículos oficiais de comunicação – como mídia impressa e televisão – há nomes emblemáticos que seguem tendo espaço para divulgar informações falaciosas. Temos buscado, como cientistas e divulgadores, aprender e nos adaptar ao tempo e quantidade de produção e alastramento de informações.

A pandemia de Covid-19

Em 2020, com a chegada da pandemia no Brasil, percebemos também que a desinformação não e só um ruído que, por vezes, nos atrapalha a concentração. Ela é uma maquinaria cruel e organizada.

Desde o início de 2020, vários cientistas e comunicadores brasileiros se organizaram em grupos coletivos, para compreender o que estava acontecendo e para informar as pessoas do que vivíamos.

O Blogs Unicamp, por exemplo, teve seu primeiro material dedicado à covid-19 publicado em fevereiro de 2020, sobre desinformação! E foi o primeiro projeto institucional de DC, no Brasil, a ter um site dedicado à pandemia. Outros grupos jornalísticos e de DC também faziam cobertura do tema, com painéis de dados acessíveis e conteúdos abertos.

Nasciam grupos dedicados ao estudo da covid, como o Observatório Covid-19 e a Rede Análise, que trabalharam incansavelmente, em grandes grupos de cientistas e comunicadores, paa rastrear, estudar, analisar e publicar informações seguras.

Todos Pelas Vacinas

No segundo semestre de 2020, as vacinas começaram a ser pauta diária. E uma nova esperança se fazia presente. Novamente a desinformação também tornava-se pauta diária e intensa. Ouvíamos sobre os grandes males das vacinas – que não se concretizaram na prática e na teoria. Todavia, causaram pânico e hesitação vacinal em muitas pessoas, que eram bombardeadas por informações falsas.

Assim, foi nesse cenário que nasceu o Todos Pelas Vacinas, um “coletivo de coletivos” ou, como preferimos chamar, “a rede das redes”. O movimento lançou seu site dia 21 de Janeiro de 2021. A composição do TODOS foi seu grande diferencial, a meu ver, diversos grupos de divulgadores científicos e divulgadores individuais, sociedades científicas, articularam-se a artistas, celebridades e personalidades para falar sobre vacina. Neste momento, acumulávamos 200 mil vidas perdidas para a covid-19, na contagem oficial. Embora a contagem de óbitos tenha uma precisão grande, a incerteza de notificações de casos suspeitos e alguns sumiços de dados nos deixavam inseguros .

Nossos materiais eram desde artes, músicas, peças de humor, até informação técnica de qualidade. O lançamento do conteúdo foi realizado com o apoio dos ARMY’s HELP THE PLANET – AHTP, uma fanbase do grupo de k-pop BTS. Nossa missão, em um primeiro momento, era estabelecer uma voz múltipla, diversa e, simultaneamente, uníssona:

todos pelas vacinas, vacinas para todos.

Dessa forma, demos o nosso recado, chamamos a atenção e mantivemos uma grande produção de conteúdo. Em menos de um mês, fizemos uma nova campanha, desta vez sobre o carnaval.

Ainda enfrentaríamos o pior da pandemia. A desinformação, todavia, não se amainava. Pelo contrário, víamos encrudescer sua narrativa. Ou seja, quanto mais gente adentrava os hospitais e o caos se instalava nas cidades, mais víamos desinformações com curas milagrosas e desmerecimentos da vacina.

As campanhas para os jovens foram difíceis para além da produção do conteúdo em si. Conforme a vacinação avançava, a desinformação tornava-se mais e mais cruel, causando medo em mães, pais e responsáveis por crianças e adolescentes menores de idade. Enfrentar desinformação é mais do que elaborar conteúdos verificáveis: é lidar com receios, afetos, pânico moral, acusações infundadas. Pior que isso, é lidar com a maldade entranhada de quem produz os conteúdos falsos.

E, novamente, foi com arte que nos aliamos e buscamos lutar.

Desenho de duas crianças, com capa de super-herois e máscara. As crianças estão com as mãos na cintura e peito estufado. Acima delas está o Zé Gotinha emanando poder das mãos e a frase "vacinas salvam vidas". A arte é assinada por CrisVector

50 anos de PNI

Ontem o Programa Nacional de Imunizações – PNI – completou 50 anos e lá estávamos nós, mais uma vez, produzindo conteúdos incessantemente para exaltar este que é um dos programas de saúde pública mais bem sucedidos do mundo. Novamente a parceria com as ARMY’s levaram promoveram a campanha realizada pelo Todos pelas Vacinas, com conteúdos produzidos pelo movimento, nas redes sociais.

Há esperança, neste momento, de retomada do PNI como grande programa de saúde do nosso país. E é fundamental que isto realmente se efetive como tal. As vacinas são uma ferramenta essencial de combate à doenças e de qualidade de vida em uma população. Existem doenças cujo único modo de controle são as vacinas – e o sucesso de controle é a invisibilidade de casos de doença.

no centro da imagem, parte inferior, o zé gotinha, com a marca do SUS no peito, está com o braço estendido e punhos fechados. Dele saem várias seringas com vacinas espantando os vírus, que fogem correndo com medo. A arte é de Cris Vector.

Podemos citar como exemplos mais comuns a Poliomielite, o sarampo, a raiva (sim! A raiva, lembra as campanhas que existiam para nossos cães e gatos? É para controlar esta doença terrível em nós também!). Dessa forma, sempre bom lembrar que campanhas de vacinação são parte da nossa história – e parte da história de um país que se quer gigante, sadio e livre de doenças terríveis desde à tenra infância.

Como vencer a desinformação?

O Todos Pelas Vacinas nasceu com um ideal coletivo, respeitando individualidades e identidades dos grupos. Mas sempre andando de mãos dadas na produção de conteúdos, promoção à saúde e combate à desinformação.

Grande parte das campanhas realizadas no TODOS foram feitas de forma voluntária, com grande engajamento de muitos conteudistas. O combate à desinformação, no entanto, não pode ser encarado um ato de voluntariado. Ou seja, não é uma missão em que se olha como a retórica clássica e clichê de “fora da caridade não há salvação”. A desinformação é ação financiada, estrategicamente pensada e veiculada. No campo da divulgação científica também precisamos de um empenho maior, com financiamento e políticas públicas especializadas e que promovam formação específica.

Nós sabemos que não há alguma resposta simples para a pergunta sobre vencer a desinformação… Todavia, temos conosco que não é individualmente que o combate acontece. Assim, recentemente, buscamos consolidar nossa rede com a criação do Instituto Mario Schenberg. Este é um espaço para projetos de divulgação científica e para abrigar divulgadores individuais e projetos coletivos. O CEDiCiências é apoiador e parceiro do Instituto e tem como premissa a máxima:

O futuro é coletivo.

Todavia, não pode seguir voluntário: apoie projetos de divulgação científica coletivos!

Obs.: Este texto foi organizado para uma palestra, no 14º Campus Party, em 2022 – São Paulo e atualizado para este post.

Para Saber Mais

Instituições

Instituto Mario Schenberg

Todos Pelas Vacinas

PNI

Textos

Gene Reporter: Tag Divulgação Científica

Carneiro, E (2020) Perfil dos blogueiros/divulgadores de Ciência no Portal Blogs de Ciência da Unicamp, Dissertação de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (LABJOR) Unicamp.

Blogs Unicamp > Todos Pelas Vacinas

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