A Ciência pelos olhos da Profa. Dra. Ana Carolina Zeri
Em 2012, eu fui em uma palestra da Dra. Ana Carolina Zeri. Antes de abrir a sua apresentação, o projetor mostrava a imagem da área de trabalho de seu computador. Algo que chamou a atenção da plateia, inclusive a minha, foi a quantidade de ícones de programas abertos na barra de ferramentas. Naquele momento, já ficou claro a versatilidade da Dra. Ana. Desde então, sempre foi muito curioso e enriquecedor ver a participação dela na ciência e em múltiplos projetos. Por isso, inspirada pelo trabalho dela, convidei a Dra. Ana para essa entrevista que se tornou valiosíssima.
Em resumo, o currículo acadêmico da Dra. Ana Zeri é admirável e repleto de oportunidades cientificas magnificas. Ela iniciou seus estudos acadêmicos em Física no Instituto de Física e Química de São Carlos (USP/São Carlos) seguindo com pós-graduação na mesma universidade. Nesse mestrado, a ressonância magnética foi apresentada para a Dra. Ana Zeri, uma paixão que se iniciava e que continua até hoje. Porém, algo ainda faltava para complementar seus estudos, foi nesse momento que abraçou uma incrível oportunidade de realizar um segundo mestrado, dessa vez, uma oportunidade internacional na Universidade da Pensilvânia na área de química e física. Seu projeto permitiu que publicasse 3 artigos em revistas científicas de excelente impacto. Ainda instigada pelos caminhos que a Ressonância magnética a levava, ingressou no doutorado na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), onde concluiu também o seu primeiro Pós-Doutorado. Outros dois projetos científicos de pós-doutorado compõem esse belo currículo, sendo um na Universidade da Califórnia em Berkeley (UCB) com bolsa do Howard Hughes Medical Institute (HHMI) e outro na Universidade Estadual de Nova Iorque em Buffalo (UB) com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Toda essa experiência garantiu à Dra Ana Zeri excelentes publicações cientificas e, consequentemente, um vasto conhecimento nas áreas de biologia estrutural, tanto na Cristalografia quanto na Ressonância Magnética.
De 2006 a 2015, a Dra Ana Zeri desenvolveu pesquisas em Aplicações de Ressonância Magnética para estudos de biomoléculas no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio/CNPEM), que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais. Inicialmente era responsável pelo Laboratório Multiusuário de NMR (Nuclear Magnetic Ressonance) onde coordenava a parceria com diversos usuários internos e externos ao campus. Seu laboratório sempre esteve repleto de alunos de excelência sendo eles orientados e supervisionados nos diversos níveis acadêmicos, desde iniciações científicas até pós-doutorandos. Atualmente, é pesquisadora do Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS) no mesmo campus (CNPEM) e, devido a sua vasta experiência com biologia estrutural, atua como coordenadora da Linha de Luz MX2 (cristalografia de proteínas) e no planejamento da linha de luz de cristalografia (MANACA) dessa vez do projeto Sirius, o novo acelerador de elétrons sendo atualmente construído no campus do CNPEM com investimento do governo federal brasileiro e outras fontes nacionais de financiamento.
Além de uma admirável carreira profissional, a Dra. Ana Zeri se dedica a outros desafios. Em 2011 começou uma parceria com a Associação Anhumas Quero-Quero (http://aaqq.org.br) como consultora e cientista voluntária. Esse projeto social tem como objetivo contribuir no desenvolvimento social e educacional de crianças e jovens de baixa renda, com idades entre 6 a 24 anos e suas famílias, e proporcionar a consequente melhora de qualidade de vida. Desde aquela época, fez parcerias com o Science House (http://www.sciencehouse.com) da qual conseguiu microscópios, além de outras colaborações que concederam kits de robótica. Hoje em dia, a Dra Ana está auxiliando na montagem e estruturação de uma biblioteca, a qual está recebendo diversas doações de livros. Sempre com o objetivo de ampliar o interesse desses jovens pela ciência através de atividades lúdicas, a Dra. Ana Zeri e a Associação Anhumas Quero-Quero (AAQQ) recebem além da gratificação em testemunhar o crescimento intelectual dessas crianças mas também da sociedade, através de prêmios conquistados como o recente reconhecimento do Correio Popular e da SANASA/Campinas.
Em 2015, participou do “Multi-Nation Program” do Eisenhower Exchange Fellowship Program (EEF) junto com outras 24 mulheres, sendo cada uma de uma área (engenharia, direito, politica, musica, etc) e país diferentes e todas no mesmo patamar de suas carreiras. Com o objetivo de visitar diversas instituições nos Estados Unidos durante 2 meses, a Dra Ana Zeri ministrou palestras, complementou seus conhecimentos e trocou experiências com outras pesquisadoras e divulgadores de ciência em mais de 20 cidades americanas, uma experiência que marcou sua vida e carreira.Em um evento realizado recentemente no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) chamado Mulheres em STEM2D (projeto criado e financiado pela Johnson & Johnson com parceria do ITA e outras 8 instituições pelo mundo), foi convidada a participar de uma mesa redonda onde foram discutidas as prospecções e desafios enfrentados e a serem vencidos pelas e em prol das mulheres na ciência.
Com grande amor pelo instrumento musical Ukelele, pelo canto e pelo piano, pelo desenvolvimento intelectual e cientifico de jovens, pela discussão e melhora da posição da mulher na ciência e pela pesquisa em de biomoléculas, a Dra. Ana Zeri, uma versátil pesquisadora, abre um pouco da sua perspectiva sobre a ciência e seus desafios nessa entrevista enriquecedora.
1.Cientista – era isso que você queria ser quando crescesse?
Ana Zeri: Quando eu era muito pequena eu queria ser aeromoça, essa era uma profissão de mulher independente, era reconhecida, viajava o mundo e acabava fugindo daquele modelo de dona de casa. Inclusive, um dos meus ídolos era o Pedrinho do Sítio do Pica Pau amarelo, porque ele viajava e inventava coisas. Esse amor pela ciência começou quando eu desmontava coisas com meu pai, que tinha apenas formação técnica mas que era (e é) um pensador. Eu lembro que quando eu ainda era bem pequena eu brincava com pecinhas de despertador, daqueles antigos e de corda. Então eu desmontava, juntava as peças e brincava de pião, e a partir dai eu comecei a desenvolver essa vontade de mexer e desmontar objetos. O momento crucial foi quando eu tinha 9 anos e a minha avó me deu um rádio dela que tinha quebrado. Eu abri o tal rádio e o consertei, colando um fio solto com uma fita adesiva. Foi nesse momento que eu percebi que eu queria ser inventora, afinal eu consertei um rádio quebrado, e do fundo do quintal podia ouvir o mundo!
2.Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?
Ana Zeri: Apesar de sermos uma família humilde, meu avô paterno nos deixou muitos livros e enciclopédias e eu sempre fui viciada em leitura. Dentre as coleções tinha uma chamada Tesouros da Juventude. Na parte chamada “Homens e Mulheres célebres” tinha uma infinidade de exemplos, no entanto, na parte feminina eram a Joana D’arc e um monte de santas…nada inspirador para aquela menininha sonhadora! Por isso, a minha referência foi masculina. Dentre os livros, tinha um sobre a história do Benjamin Franklin para crianças. A história da pipa e o raio, a sua infância simples e ele ser um viajante e diplomata fez com que eu me identificasse com ele e que fosse uma de minhas maiores inspirações.
3.Você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?
Ana Zeri: Muitas vezes senti um pouco de insegurança por parte de outras mulheres, por eu ser solteira e independente. No final do meu mestrado, eu recebi uma proposta para ir aos Estados Unidos e, na época, surgiu um boato que eu consegui a bolsa de doutorado por ser bonita. Depois disso, também enfrentei o mesmo preconceito em outros momentos da minha carreira. Então de modo geral, foi um preconceito por ser “bonita”, solteira e independente, principalmente, por parte de outras mulheres ( e eu não sou nenhuma miss…). Eu já convivi com pesquisadoras que não queriam contratar mulheres para pós-graduação porque achavam que em algum momento essas alunas iriam abandonar o projeto para casar ou terem filhos. A dificuldade sempre foi a desunião entre as mulheres que acabava gerando um desfavor pra classe toda.
4.O que você aconselharia ou normalmente aconselha para uma aluna que esteja iniciando a carreira científica?
Ana Zeri: A nunca desistir, a não ter medo dos desafios e não ter medo de ser considerada “grossa”. Quando uma mulher começa a falar ou a bater de frente com esses desafios, começarão os comentários de que você é grossa ou “machona”, mas que não devemos ter medo disso. Apesar da nossa criação, não devemos ter medo de enfrentar, de não ter medo de errar e de tomar espaços. Além disso, sempre falo que a carreira profissional pode durar muito mais do que um relacionamento, então aconselho a sempre tomarem cuidado quando tomarem uma decisão baseado em relacionamentos amorosos. E para finalizar eu aconselho a leitura do livro (“Presence”) ou assistir a palestra do TED Talk (https://www.ted.com/talks/amy_cuddy_your_body_language_shapes_who_you_are) da Amy Cudy, professora de Harvard Business School.
5.Recentemente, você participou de uma mesa redonda no ITA com outras mulheres palestrantes sobre como aumentar a inclusão e atratividade de mulheres para a área de STEM. Você pode compartilhar um pouco como foi essa experiência? E como você acredita que a sociedade deve trabalhar para incluir cada vez mais a mulher na ciência?
Ana Zeri: Um dos assuntos que discutimos nessa reunião é que nós, pesquisadoras brasileiras, estamos em um bom patamar. Em uma pesquisa recente foi mostrado que 49% dos artigos são publicados por mulheres e que de fato tem bastante mulher na pesquisa, mas isso ainda não se reflete em cargos mais altos, mesmo nos Estados Unidos. Então, precisamos trabalhar em como colocar mulheres nesses patamares, afinal sempre teve mulher envolvida na pesquisa mas falta o reconhecimento e colocá-las em locais de destaque. Além disso, também foi mencionado como os relacionamentos amorosos e ter filhos e de como isso influenciou nas decisões delas.
No entanto, para mim isso nunca foi um problema ou fator decisivo, porque sempre fui muito decidida sobre o que eu queria e se em um relacionamento eu era colocada em uma posição de escolha, facilmente eu escolhia a minha carreira. Mas isso não significa que devemos julgar quem faz escolhas baseadas nas suas perspectivas pessoais também. Também vemos que há muitos casos de casais pesquisadores que, apesar do bom relacionamento pessoal, tem competição no trabalho. Um dos fatores que devemos mudar na nossa sociedade é acabar com esse endeusamento da mulher frágil, da princesa ou da dona de casa. Além disso, as mulheres precisam começar a mudar o ponto de vista de seus filhos, de seus parentes homens para que eles entendam desde muito jovens a aceitar uma mulher capaz de se desenvolver e de trabalhar, de ser como qualquer homem. Enfim, tanto homens quanto as mulheres também tem que mudar e as mulheres precisam se ajudar, serem mais unidas e investir umas nas outras.
6.Para finalizar, descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Profa. Dra. Ana Zeri.
Ana Zeri: É bem difícil resumir isso em poucas palavras, mas eu acredito que seja uma maneira de compreender o mundo para viver melhor. Gosto de dizer que precisamos honrar as células do nosso cérebro, usá-las para o bem de todos os outros cérebros, e o método científico é nossa melhor ferramenta!
Agradeço carinhosamente e admiravelmente à Dra. Ana Zeri por ter dedicado um pouco do seu tempo para essa incrível entrevista e por ter concedido as fotos do seu arquivo pessoal.
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