A ciência pelos olhos da Profa. Dra. Telma P. Vinha

Publicado por Carolina Francelin em

Quem me conhece sabe bem o quanto eu aprecio uma conversa no combo amiga + café. E foi assim, com uma xícara de café na mão, que encontrei a Profa. Dra. Telma Pileggi Vinha, em uma ligação virtual que teve tom de conversa entre amigas, para apresentá-la `a vocês. 

 A professora Telma é pedagoga com doutorado em Educação e docente do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Ela foi minha escolha de entrevista desta vez pois é uma forma de mostrar -lhes que existe ciência em todas as áreas de conhecimento, que a pesquisa executada na universidade pública tem ação direta na sociedade e como ela se desenvolve. Ainda, por causa da temática da linha de pesquisa da professora Telma, para mostrar que os dados gerados por pesquisa na área da educação podem contribuir para a formação moral do indivíduo e refletir diretamente em um melhor andamento da sociedade. 

Dona de uma linha de pesquisa sobre o clima escolar, relações interpessoais, problemas de convivência e desenvolvimento sociomoral, a Profa. Telma coordena a formação de professores e o desenvolvimento de projetos em escolas que visam favorecer a construção da autonomia dos indivíduos através da melhoria da qualidade do clima escolar. Os projetos desenvolvidos por seu grupo agem em escolas, principalmente da rede pública, de forma que o financiamento desses tem retorno direto à população. Autora e co-autora de livros e artigos (que trazem os resultados de seus estudos) ela ainda coordena, junto com a Profa. Dra. Luciene Regina Paulino Tognetta, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM) – grupo esse que atua na integração de instituições de estudo e pesquisa para fomento da pesquisa e sua aproximação da realidade escolar. 

Cientista – era isso que você queria ser quando crescesse?

Não. Eu na verdade tinha a idéia que o cientista é aquele indivíduo presente no laboratório, envolvido com área médica. Meus pais eram cientistas da área biológica e eu os assistia escrevendo teses à mão, na máquina de escrever, durante madrugadas. Para minha visão de criança, era uma vida árdua, pensava “para que estudar tanto?”. Eles chegaram a serem titulares e minha mãe diretora na USP e eu não almejava aquela vida para mim. Eu os admirava, mas achava muito distante de uma “vida interessante” na época. Contudo, eles me ensinaram a estudar… o amor pela descoberta, por conhecer, porque conhecimento não se tira!

Interessante como um professor pode fazer toda a diferença na vida de um aluno. Eu era péssima aluna, mas a mentoria e dedicação da professora Orly me despertou o gosto pelo conhecimento, por saber mais. Desta forma, fiz o mestrado e doutorado com ela e aqui estou. 

Podemos chamar quem faz pesquisa na área da educação de cientista como nas outras áreas? 

 Antigamente eu nem imaginava que quem faz pesquisa na área de humanas era também cientista. Aliás, essa pergunta me fez parar para pensar que nem sempre a educação é vista como ciência e que pesquisador em educação, não raro, ainda não é visto como cientista. Talvez porque a ideia de cientista ainda esteja relacionada mais ao que fica restrito ao espaço da Universidade. E nessa área o “cientista” também atua em vários outros espaços, com formação em escolas e redes de educação, disseminação nas diferentes mídias, palestras para públicos diversos, assessorias… 

Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

A Profa. Orly, sem dúvidas. Como eu disse um professor pode mudar a trajetória de um aluno. Foi ela que, mediante seu trabalho e orientação, me despertou esse sentimento de pesquisar, fazer pós-graduação… Outros professores na faculdade que, além de serem muito competentes em suas área, sábios, tinham também relações respeitosas e atenciosas com os estudantes, também me inspiraram. Eu pensava: “quero ser assim quando crescer”.  

Você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

Essa pergunta me fez refletir novamente. Foram poucas as vezes em que senti uma certa dificuldade por ser mulher, no sentido de pesquisadora. Acho que o universo da educação é diferente dos demais, por ser uma área que tem muitas mulheres, contudo, nem sempre em funções de liderança, na gestão, conselhos. Eu o senti um preconceito mais forte quando fui mãe, por viver numa cultura em que a mulher é “a responsável” pelos cuidados com os filhos e também da pessoa na família em situação de fragilidade. Isso junto com a organização da casa, a pressão pelos padrões estéticos… e ao mesmo tempo dar conta das pesquisas, aulas, publicações.

Creio que,o fato de ter muitas mulheres na área da educação não significa que não acabamos por sofrer e perpetuar o machismo, ainda que inconsciente, em suas diversas e sutis manifestações, por vivermos em uma sociedade machista. Considero um dever de pesquisadores e de quem trabalha com educação desvelar, discutir, criticar, posicionar-se, combatendo o machismo. Precisamos sair da esfera individual…  é dever contribuirmos com o movimento social em defesa da igualdade de todas as mulheres.

Como acontece a pesquisa na área da educação? Você acha que o financiamento se equipara com as outras frentes? Poderia citar alguma dificuldade? 

A educação reúne várias áreas de estudo como a psicologia, a filosofia, a sociologia, a história, a epistemologia, a neuropsicologia entre outras, por isso são variadas as possibilidades de pesquisa. Particularmente em nosso grupo de pesquisa temos desenvolvido vários tipos de estudo como investigações sobre desenvolvimento humano como, por exemplo, a forma em que são construídas as estratégias de negociação em situações de conflito ao longo dos anos; pesquisas com intervenções em escolas ou redes de ensino, como, por exemplo, procedimentos para lidar com os problemas de convivência; construção de instrumentos para avaliar o clima escolar ou o bullying na escola, e possibilidades de transformação, entre outros. Considero importante que nessa área identifiquemos os problemas e necessidades das escolas e redes de ensino no desenvolvimento de pesquisas.

Grupo de pesquisa da Profa. Dra. Telma Vinha para Unicamp. Foto do arquivo pessoal.

Geralmente as pesquisas em educação não são caras, mas temos dificuldade de financiamento porque educação nem sempre é prioridade, principalmente no cenário atual. Outro aspecto é que como educação congrega áreas diversas com concepções diferentes, inclusive ideológicas, percebe-se certo embargo decorrente dessas concepções tanto na aprovação de projetos quanto na análise dos artigos para publicação. Eu defendo também a ampliação das parcerias com o terceiro setor, institutos e fundações no desenvolvimento de pesquisas, o que nem sempre é visto com bons olhos por alguns nessa área. Mas claro que levando em conta alguns critérios como a autonomia para a pesquisa e divulgação dos resultados, assim como as características da instituição ou parceiro.

Temos tido muitas demandas das escolas e redes de ensino solicitando assessoria e formações, contudo, infelizmente, não temos recursos pessoais e financeiros que permitam atender a maior parte dessas solicitações.

Algumas vezes realizamos convênios com tais instituições, contudo as condições, taxas, burocracia entre outras questões envolvidas nesses convênios, além da morosidade do processo, faz com que as propostas fiquem caras, haja dificuldade para contratar e formar uma equipe e também manejar os recursos.

Qual o impacto gerado pelas pesquisas em desenvolvimento moral nas escolas? 

Todo educador pretende favorecer o desenvolvimento da autonomia moral de seus alunos, mas nem sempre os procedimentos e a qualidade das relações favorecem esse processo. Nossas escolas também têm enfrentado problemas comportamentais recorrentes como indisciplina, violência, bullying e apresentam dificuldades para lidar de forma construtiva com tais conflitos, e mesmo para promover uma convivência mais respeitosa e cooperativa. Nossos estudos têm encontrado que as experiências no trabalho com os valores e convivência democrática são, geralmente, pontuais e de curta duração. Em geral, as escolas agem como “bombeiro”, ou seja, lidam com os conflitos depois que eles ocorrem e as intervenções são mais pautadas no bom senso.

Ao longo dos anos temos desenvolvidos pesquisas que mostram a importância que a escola atue tanto de forma interventiva, como “bombeiro”, mas também que aja de maneira preventiva com relação aos problemas de convivência e promotora dos valores e do desenvolvimento sociomoral e emocional. Para isso é preciso implantar aos poucos várias ações diferentes, mas  complementares entre si que irão promover a melhoria da qualidade da convivência na escola, do clima escolar e do processo de resolução dos conflitos, como por exemplo, criar espaços de participação e diálogo, como as assembleias em cada classe e espaços para a mediação de conflitos e protagonismo dos jovens.

A convivência precisa ser planejada coletivamente como as demais áreas do currículo. Isso faz toda a diferença para que os procedimentos vividos e os objetivos de formar para a autonomia sejam coerentes. Para isso é fundamental que os profissionais da escola recebam formação na área e suporte na implantação dessas transformações. Quando a ciência é levada para a escola, os professores são formados para aprenderem como lidar os problemas de convivência, como se comunicar de forma mais construtiva, como ampliar o diálogo e o desenvolvimento do pensamento crítico por exemplo. O que é o papel das ciências humanas: refletir sobre os desafios e práticas escolares com um olhar mediado por uma teoria científica e desenvolver propostas e soluções amparados por esse conhecimento.

Os resultados dos estudos que desenvolvemos e de outros pesquisadores vão em direção contrária ao processo de militarização das escolas públicas que está sendo proposto pelo MEC. Os desafios que nossas escolas enfrentam são difíceis e complexos e as propostas para lidar com eles devem sempre refletir no tipo de pessoas que queremos formar, com um ambiente escolar que efetivamente favoreça esse desenvolvimento. Nossos jovens irão interagir numa sociedade democrática e plural, cada vez mais complexa e repleta de dilemas éticos e a ciência tem muito o que contribuir com as escolas nesse sentido.

Atualmente estamos trabalhando num projeto para contribuir com propostas de transformação nessa área em redes estaduais de educação, com materiais públicos e gratuitos para qualquer escola.

Um outro aspecto que gostaria de destacar é que estamos numa época de aumento do obscurantismo, em que ciência tem sido fortemente atacada. É muito importante que os pesquisadores tornem acessível e disseminem seus estudos para a sociedade, saindo do “acho” ou “questão de opinião” para o “vamos falar sobre estudos na área”. A unicamp tem incentivado muito esse diálogo com a sociedade.

Nosso grupo de pesquisa tem tido essa preocupação por meio de palestras, redes sociais, entrevista à imprensa, vídeos, artigos em jornais e revistas para o público em geral, o que é um desafio para nós pesquisadores acostumados com a linguagem acadêmica.

Conseguimos pôr em prática ao ler os livros? Essa prática acontece somente na sala de aula? 

Os livros e vídeos contribuem para os estudos e formação do professor, contribuindo por exemplo, como ele pode lidar com conflito escolar. Também podem ajudar os pais na melhoria das relações com seus filhos, como mudando a maneira de falar de forma mais  empática e assertiva. Contudo, há limitações, pois é diferente dos procedimentos reflexivos presentes em encontros de formação presenciais.

No programa de formação e transformação que estamos desenvolvendo para as escolas na área da convivência, estamos desenhando materiais que não dependam tanto de especialistas na área. É um processo de formação em grande escala com propostas reflexivas de maneira a contribuir de forma mais efetiva para que ocorram mudanças na cultura da escola. Um trabalho desafiador!

O que você gostaria que mudasse no incentivo à carreira acadêmica na área da Educação?

Apesar de na Unicamp termos condições privilegiadas, diferentes de inúmeras outras instituições,tivemos, nos últimos anos, deterioração das condições de trabalho. Na área acadêmica, tem ocorrido cada vez mais um processo de adequação às regras atuais do modo capitalista de produção. 

Estamos muito sobrecarregados com inúmeras demandas na vida acadêmica, caindo num produtivismo, que gera pressão e stress. Isso dificulta o desenvolvimento de pesquisas mais complexas e em longo prazo, desvaloriza a extensão e faz com que nos dediquemos a aspectos que nem sempre são aqueles que irão favorecer uma boa formação dos graduandos e pós-graduandos. 

Gostaria que houvesse ainda maiores possibilidades de financiamentos e valorização, numa área considerada menos prioritária de que outras, assim como desburocratização e maior agilidade e flexibilidade para a realização de convênios e parcerias.

Profa. Dra. Telma Vinha em aula sobre violência. Arquivo pessoal.

Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Dra. Telma Vinha 

Ciência é central para a sociedade, promotora de transformações. Envolve encantamento nas perguntas, nas descobertas, nos debates, numa nova ideia. Mas também é muito trabalho, compromisso e ética. É um processo que se faz de forma coletiva, com parcerias e debates. Não se faz ciência sozinho. Creio que também envolve um compromisso social, na formação de novos pesquisadores e estudantes e na divulgação para a sociedade, ainda mais em uma época em que a ciência  tem sido tão vilipendiada. 


Carolina Francelin

Carolina é formada em Biologia e Mestre e Doutora em Imunologia pela UNICAMP, atualmente faz pós-doutorado na Universidade do Alabama em Birmingham -USA. Desde sempre tem avidez pelo testar e descobrir e uma paixão intrínseca pelo ensinar. Sonha com o dia em que todos terão os mesmos direitos de acesso.

2 comentários

Liliane De Queiroz Antonio · 11 de abril de 2020 às 11:41

Parabens pela materia e entrevista, querida Carolina Francelin, estudei com A queridssima e competente Telma Vinha, tive em Prof Orly minha inspiracao e oportunidade de ser uma cientista. Apenas cheguei da Europa onde resido e passei por tres paises nesta crise e cheguei no Brasil. Sou doutora em educacao, ciencia e technologia e pos doutora em Inovacao e Aprendizagem Organizacional pelo MCTI, e hoje atuo num projeto cooperacao internacional entre Brasil e Itália. Conte comigo caso queira trocar informações. Novamente, parabéns pela iniciativa.

    Carolina Francelin · 27 de outubro de 2020 às 23:41

    Oi Liliane!
    Que bom te conhecer 🙂 Obrigada e vamos sim conversar !

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