A evolução do conceito de bem-estar animal

A ciência que estuda o bem-estar animal ainda é muito recente. Como consequência, a definição do estado do animal que deve representar condições de bem-estar ainda gera discussões e tem sido modificada ao longo do tempo. Como saber se um animal está em boas condições?

Inicialmente, o estado de bem-estar foi definido com base em condições físicas, ou seja, se o animal está fisicamente bem, livre de doenças ou injúrias e está produzindo bem ou se reproduzindo, é porque está bem. Posteriormente, os pesquisadores se deram conta de que isso não era suficiente para representar o estado de bem-estar, porque o animal pode estar fisicamente bem, mas expressar comportamentos anormais, estereotipados, que devem indicar que suas condições também não estão boas… E foi aí que o bem-estar passou a ser definido com base no comportamento expressado pelos animais. Mas como definir o que é e o que não é um comportamento natural? Como ter certeza de que um comportamento considerado como anormal não é naturalmente expresso em determinadas situações? Além disso, comportamentos naturais nem sempre devem representar boas condições de bem-estar, conforme claramente explicado pelo Dr. Gilson Volpato e seus colaboradores… Quando pensamos no comportamento de fuga de uma presa quando em presença de seu predador, claramente podemos ver um comportamento natural que não deve indicar boas condições para o animal em fuga… Comportamentos ditos como “naturais” nem sequer devem necessariamente serem esperados em cativeiro, conforme pontuado pelo Dr. Hill e o Dr. Broom, pois este representa uma condição não-natural para os animais…

Além disso, há um componente psicológico envolvido no estado de bem-estar que é difícil de ser acessado: as emoções, tanto as negativas como o sofrimento ou a frustração quanto as positivas como o prazer. Segundo o dicionário de comportamento animal, do Dr. David McFarland, o bem-estar animal (welfare) pode ser definido em termos do estado fisiológico e psicológico momentâneos (well-being) dos animais. Segundo esse autor, o bem-estar fisiológico inclui liberdade de doenças e de fome, sede e estresse excessivos, enquanto o bem-estar psicológico deve estar comprometido quando há sinais mais óbvios de sofrimento como resultado de injúrias, dor, estresse ou tédio, sendo, portanto, muito mais difícil de acessar e monitorar que o bem-estar a níveis fisiológicos. Isso se deve ao fato de que enquanto podemos acessar facilmente, por exemplo, os níveis de estresse de um animal com base nos níveis de concentração de alguns hormônios (por exemplo, cortisol), geralmente não há medidas psicológicas diretas (a não ser que a fisiologia do organismo seja afetada por sua alteração psicológica). 

Mesmo quando falamos em estresse, é possível que um animal esteja em boas condições de bem-estar quando estressado, por exemplo, quando o animal está se reproduzindo ou migrando. Assim, vemos que definir bem-estar e encontrar bons indicadores que representem as condições do animal em qualquer circunstância não é uma tarefa fácil…Nesse contexto, a Dra. Marian Dawkins propôs que procurássemos buscar as vontades e os desejos dos animais a fim de melhorar suas condições ao invés de ficarmos nessa busca incessante por indicadores de bem-estar. Outro pesquisador conhecido da área, o Dr. Duncan, ainda complementou essa ideia, pontuando que além de determinar o que os animais querem, seria importante também avaliar o quanto os recursos preferidos são importantes para os animais.

Assim, o Dr. Volpato e seus colaboradores definiram bem-estar como sendo o estado de um animal que está numa situação a qual escolheu livremente, definição esta que foi complementada pela Dra. Dawkins, que passou a assumir o bem-estar como o estado do animal saudável que tem o que quer.

Nesse contexto, vemos que a definição do bem-estar animal já passou por diferentes conceitos ao longo do tempo. Além disso, diferentes pesquisadores podem seguir linhas de estudo distintas, com base em conceitos distintos…Mas o importante é considerar que o bem-estar deve incluir um componente fisiológico, um componente comportamental e um componente mental, e que indicadores inequívocos e únicos de bem-estar são improváveis de existir. Assim, a abordagem que sugere detectar condições de preferência dos animais e o quanto elas devem significar para eles parece fazer sentido, uma vez que os animais, como seres sencientes (com ao menos o nível mais basal de consciência) não devem escolher condições ruins quando opções melhores estão disponíveis.