A importância da ciência na prática do comportamento e bem-estar animal

Hoje eu gostaria de falar brevemente sobre como é importante considerarmos as bases teóricas do conhecimento científico na hora de colocarmos em prática as ideias relacionadas ao comportamento e bem-estar animal. Veja que falar em comportamento e bem-estar animal é um tema que vem crescendo gradualmente ao longo dos anos e, hoje em dia, está muito em alta… Várias pessoas falam da importância das considerações de bem-estar animal, que estão diretamente ligadas a expressão comportamental dos animais. Mas quantas dessas pessoas realmente sabem o que o bem-estar animal significa? Quantas dessas pessoas levam a sério a importância do conhecimento científico para avaliar questões relacionadas ao bem-estar animal? Quantas dessas pessoas tem boa noção da complexidade do conceito de bem-estar animal e de todas as facetas que estão relacionadas a ele?

Por exemplo, na hora de aplicar algum enriquecimento ambiental visando melhorar as condições de animais cativos, seja em zoológicos (onde é mais comum), nos laboratórios, nas fazendas ou mesmo em nossas casas, como vamos saber, cientificamente, que o enriquecimento melhorou as condições dos animais em questão? Não é infrequente ver pessoas considerando que se um animal interagiu pouco com o enriquecimento ele não funcionou… Mas será que isso é necessariamente verdade? Além disso, quando aplicamos o enriquecimento, como sabemos que comportamentos considerados como anormais foram significativamente reduzidos ou que comportamentos tidos como mais naturais da espécie em questão foram significativamente aumentados? E, mais ainda, também é importante saber se após a retirada do enriquecimento, os comportamentos anormais pioraram… Pois, se sim, o que é de fato esperado, uma rotina de aplicação de diferentes enriquecimentos deve ser estabelecida visando melhorar as condições de vida dos animais. Questões como essas nos levam a refletir sobre a forma como lidamos com a prática do enriquecimento ambiental… Quando aplicamos enriquecimento para os animais, é importante comparar estatisticamente a expressão comportamental deles antes, durante e após a aplicação desse enriquecimento para avaliar se houve alterações significativas nos comportamentos.  Além disso, não necessariamente um enriquecimento com o qual os animais interagiram pouco não funcionou…é possível que tantos comportamentos sejam alterados quanto se os animais tivessem interagido mais com o enriquecimento (sobre esse aspecto, veja um artigo em que sou coautora e que está indicado em nosso setor de Artigos científicos e livros).

Apesar do meu exemplo acima ter focado mais especificamente no enriquecimento ambiental, ele apenas reflete algo que é importante sempre levarmos em consideração quando falamos em bem-estar animal: a ciência por trás desse conceito… Podemos facilmente pensar em outros exemplos… Um deles se refere a dar condições que propiciem, de alguma forma, prazer aos animais. É claro que o enriquecimento ambiental é uma forma de fornecer tais condições, mas ele pode ser mais específico e envolver diretamente o oferecimento de condições que já sabemos previamente que os animais preferem… Uma abordagem científica mais recente. Não o que achamos que eles preferem com base em sua biologia e sua história, mas sim com base no ponto de vista dos próprios animais, que deve ser refletido em suas escolhas por determinadas condições do ambiente. Nesse caso, podemos fazer testes utilizando o método científico para avaliar quais são as escolhas dos animais, bem como a consistência e intensidade dessas respostas ao longo do tempo. Nesse aspecto, fica fácil perceber como pode ser significativo dar condições preferidas para os animais de acordo com o próprio ponto de vista deles visando melhorar suas condições… Novamente vemos a importância de um embasamento científico apropriado para considerar, de forma mais objetiva, o ponto de vista dos próprios animais nesse contexto…

Um outro exemplo da importância de considerarmos o método científico para avaliar ideias relacionadas ao comportamento e bem-estar animal se refere a algo mais basal envolvido contexto… ou seja, quando necessitamos determinar o repertório comportamental de uma espécie. Normalmente isso é feito em vida livre quando ainda não conhecemos bem a espécie em questão, ou mesmo no cativeiro, quando queremos saber como está a expressão comportamental dos animais e, posteriormente, tomarmos alguma medida (por exemplo: aplicar algum enriquecimento ambiental se os comportamentos indicarem possíveis problemas de bem-estar). Nesse contexto, quando observamos e registramos os comportamentos dos animais de uma determinada espécie, como fazemos para saber que nossa amostragem foi suficiente e realmente representativa do repertório comportamental daqueles animais? Como sabemos que comportamentos relevantes não ficaram de fora? Aqui entra a técnica de calcular uma curva com os dados comportamentais que registramos que, caso tenda à estabilidade, nos indica que nossa amostragem comportamental está praticamente suficiente. Entretanto, caso a curva não mostre tal estabilidade, isso nos indica a necessidade de coletar mais dados, pois deve haver comportamentos relevantes que ainda não registramos… Percebe o quanto isso pode ser importante quando, posteriormente, julgarmos um comportamento expresso pelo animal como anormal ou mais natural de seu repertório e o quanto isso se relaciona às questões de bem-estar animal?

E vejam que, tudo isso que mencionei acima representa apenas a ponta do iceberg… Precisamos de embasamento científico apropriado para inferir nossas conclusões sobre comportamento e/ou bem-estar animal… O método científico é eficiente para gerar conhecimento objetivo, que vai além de nossas observações pontuais ou mesmo de nossas crenças, preconceitos e “achismos”. Precisamos ser críticos não apenas com os trabalhos e projetos de outras pessoas, mas principalmente com nossos próprios trabalhos, pois disso depende o bem-estar dos animais que estão sob nossos cuidados e nossa responsabilidade. Assim, encerro minha postagem de hoje sugerindo que você reflita sobre tudo que já viu (e, claro, que se lembrar!) sobre comportamento e bem-estar animal.