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Comentário da Dra. Eliane, professora pelo departamento de Zoologia e Botânica, IBILCE, da UNESP – campus de São José do Rio Preto (SP). A Dra. Eliane é uma especialista na área de organização e estresse social e bem-estar animal, sendo a atual presidente do Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA), IBILCE, UNESP.
A literatura atual sobre bem-estar em animais não humanos apresenta um constante debate sobre a senciência e formas de acessá-la. Esse debate ganhou força a partir do artigo de um pesquisador afirmando que peixes não sentem dor porque apenas animais que possuem córtex cerebral conseguem perceber e sofrer com a dor. Foi criado, então, um desafio para os cientistas que não concordaram com esse autor, culminando em um número significativo de trabalhos relacionados aos mecanismos sensoriais e substratos neurais envolvidos na percepção da dor em peixes. Estudos pioneiros liderados pela Dra. Victoria Braithwaite, da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), de fato demonstraram esse aparato em peixes. Mas, não foi suficiente demonstrar o arcabouço fisiológico e comportamental para a nocicepção de vertebrados e invertebrados, sendo necessário demonstrar que a nocicepção traz um certo sofrimento para o indivíduo. Assim, o debate segue no caminho daquilo que não é possível medir, ao menos até este momento, que é a similaridade do sofrimento de outros animais com o sofrimento humano (ver texto do Dr. Gilson Volpato neste blog – “Ciência e Bem-estar animal”).
É necessário considerar nesse debate que todo animal possui um sistema defensivo. A característica fundamental nesse sistema é a capacidade de perceber estímulos nocivos como algo negativo, pois só assim um indivíduo irá se afastar dos estímulos que ameaçam sua sobrevivência. Espécie sem sistema defensivo é extinta (lembremo-nos das aves dodos, cuja ausência de medo as levou à rápida extinção). Dessa forma, os conceitos de percepção negativa, como sofrimento, medo e desconforto, são aplicáveis a todos os animais, independentemente dessa percepção ser ou não similar à humana. No domínio do bem-estar devemos nos preocupar em evitar condições que irão acionar o sistema defensivo dos animais de maneira constante. Nesse contexto, é importante conhecer os mecanismos fisiológicos envolvidos nesse sistema, principalmente porque isso pode favorecer o desenvolvimento de tecnologias que reduzam a percepção negativa de animais utilizados em pesquisa, em criação etc., como por exemplo, anestésicos e analgésicos. Mas, se pensarmos em sistema defensivo ao invés de apenas dor, iremos incluir todo tipo de animal, sem ter que pensar em “benefício da dúvida”.
Referências:
Braithwaite, V. A. (2010). Do Fish Feel Pain? Oxford University Press, Oxford, United Kingdom.
Rose, J. D. (2002). The neurobehavioral nature of fishes and the question of awareness and pain. Reviews in Fisheries Science 10, 1-38.