Cognição e personalidade de equídeos: diferenças de grau e não de tipo – parte 3

Parte final de um texto desenvolvido exclusivamente para o Blog pelo Dr. José Nicolau Próspero Puoli Filho, especialista em comportamento e bem-estar de equídeos, em colaboração com Marina Pagliai Ferreira da Luz. O prof. Nicolau é médico ceterinário, docente pela FMVZ da UNESP – campus de Botucatu (SP), enquanto Marina é graduada e atual mestranda em Zootecnia pela mesma instituição. Ela tem trabalhado há anos com o prof. Nicolau.

 

Equídeos são altamente sensíveis em captar informações do meio ambiente, o que lhes permite otimizar as respostas na obtenção de recursos. Tal característica está relacionada ao fato de que, naturalmente, esses animais despendem cerca de 12-17 horas por dia na busca por alimento, sendo altamente seletivos (Ramson e Cade, 2009). Assim, é logicamente esperado que suas capacidades cognitivas sejam, de fato, particularmente boas nesse contexto. Segundo Devenport et al. (2005), cavalos que possuem informações prévias do ambiente exploram as porções mais ricas em recursos. Porém, quando não existe reconhecimento prévio, o animal realiza uma contraposição dinâmica entre os recursos disponíveis no novo ambiente e aqueles que sua memória indica como sendo de boa qualidade, o que lhe permite determinar o melhor local para pastejar nesse ambiente. Assim, é possível inferir que os equídeos possuem excelente capacidade de reconhecimento espacial, o que é importante em sua estratégia alimentar (Leblanc, 2013).

Em relação a capacidade reconhecimento espacial na exposição a desafios (tal como a habilidade de encontrar bons recursos), equídeos de diferentes personalidades exibem respostas distintas. Mais especificamente, indivíduos com características mais tímidas e neofóbicas podem demorar mais para responderem aos desafios psico-cognitivos impostos no ambiente, porém, eles respondem de maneira mais acurada. Por outro lado, indivíduos com características opostas a essas devem resolver os problemas mais rapidamente, embora com pobre acurácia (Ducatez et al., 2014). Assim, a tomada de decisão na resolução de problemas depende da personalidade do indivíduo, o que culmina em diferentes performances na execução da tarefa relacionadas a esforço, velocidade ou precisão. Tais variáveis são também moduladas por outro fator: o risco de predação. Ou seja, em situações naturais, a busca por melhores recursos é a melhor ferramenta para garantir a sobrevivência dos animais, pois garante melhor saúde e condição física. Porém, se o desgaste energético despendido nessa busca for elevado, aumentando assim o risco de predação, respostas mais rápidas devem ser mais vantajosas (Ducatez et al., 2014).

Mas, independentemente de tudo que foi mencionado acima e nas postagens anteriores, é importante salientar que a questão não deve se voltar para uma escala comparativa de senciência ou da capacidade cognitiva (“inteligência”) entre os equídeos e outras espécies, ou até mesmo com o ser humano; mas sim entender que cada espécie possui a sua própria capacidade cognitiva, além de prováveis personalidades e vontades próprias, que devem ser diferentes e únicas ao seu modo. Nesse contexto, devemos esperar diferentes adaptações cognitivas, ajustadas a partir de centenas (ou milhares, dependendo da espécie!) de anos de sobrevivência e evolução das espécies. Tal como afirmado por Dobzhansky (1973): “Nada faz sentido na Biologia, exceto sobre a luz da Evolução”.

Além da importância crucial em reconhecer as capacidades cognitivas dos indivíduos das diferentes espécies, incluindo os equídeos, distinguir os animais domésticos em função de sua personalidade pode auxiliar na alocação de indivíduos com características favoráveis para tipos de performance e uso mais adequados. Adicionalmente, isso também se torna uma ferramenta que pode facilitar a aplicação de métodos de manejo e treinamento, assegurando uma melhor aproximação e comunicação com o animal e provendo maiores chances de sucesso e segurança durante a equitação (Mills, 1998).

Por fim, é importante reconhecer que os animais, não apenas os humanos, possuem habilidades cognitivas próprias da espécie, o que lhes torna únicos, cada um a seu modo. Equídeos possuem características cognitivas que determinaram e determinam, ainda hoje, sua sobrevivência, tais como a capacidade de lembrar, associar, reconhecer, modular respostas, aprender, preferir e sentir. Nesse cenário, encerramos com a ideia de que, assim como afirmado por Darwin, as diferenças existentes entre as faculdades mentais das espécies, consciência e expressão, são diferenças apenas de grau e não de tipo.  E os equídeos não são uma exceção…

 

E assim encerramos o texto do prof. Nicolau e da Marina aqui no Blog, em que vemos um panorama sobre a questão do bem-estar em equídeos relacionado as capacidades cognitivas e personalidades desses animais.

 

Referências:

DEVENPORT, J.A.; PATTERSON, M.R.; DEVENPORT, L.D. Dynamic averaging and foraging decisions in horses (Equus callabus). Journal Of Comparative Psychology, [s.l.], v. 119, n. 3, p.352-358, 2005. American Psychological Association (APA)

DOBZHANSKI, P. Nothing in biology makes sense except in rhw light of evolution. American Biology Teacher 35: 125-29, 1973.

DUCATEZ, S.; AUDET, J. N.; LEFEBVRE, L. Problem-solving and learning in Carib grackles: individuals show a consistent speed–accuracy trade-off. Animal Cognition, [s.l.], v. 18, n. 2, p.485-496, 9 nov. 2014. Springer Nature.

LEBLANC, M. The Mind of the Horse: An introduction to equine cognition. Londres: Harvard University Press, 2013. 439 p.

MILLS, D.S. Personality and individual differences in the horse, their significance, use and measurement. Equine Veterinary Journal. 27 (Suppl.), 10–13. 1998

RANSOM, J.I. AND CADE, B.S. Quantifying equid behavior: A research ethogram for free-roaming feral horses. Virginia: U.S. Geological Survey Techniques and Method, 2009. 23 p.