Comportamento Animal e Conservação

Comentário do Dr. Eduardo Bessa Pereira da Silva, professor da Universidade de Brasília (UnB), sendo especialista em comportamento (especialmente reprodutivo) e conservação de espécies de peixes. Ele também se interessa pela divulgação científica, redigindo periodicamente o blog Ciência à Bessa (http://scienceblogs.com.br/bessa/):

O comportamento animal pode ser uma ferramenta útil em várias situações, a conservação é uma delas. No entanto, para que comportamento e conservação trabalhem juntos, será necessário superar algumas barreiras (Curio, 1996). Ao passo que o comportamento animal faz análises no nível do indivíduo, a conservação se preocupa com a manutenção de populações, comunidades ou paisagens, muitas vezes aceitando o sacrifício de indivíduos ou até espécies se o papel ecológico ou a paisagem forem poupados. Para que o comportamento animal preste este serviço, será necessário aceitar o enfoque em nível individual.

Quando esta conjunção de interesses ocorre, os lucros são imensos. Recentemente fui procurado por uma pesquisadora interessada em estudar como a personalidade pode afetar o sucesso da reintrodução de fauna. Um estudo de caso de grande sucesso reconhecido mundialmente e até presente em livros didáticos de comportamento animal (Breed & Moore, 2015) é o do mico leão dourado. Um enorme investimento nos estudos de comportamentos (Kierulff et al. 2012) ligados a uso do habitat, área de vida, socialidade, comportamento reprodutivo, sistemas de acasalamento e cuidado parental foi envidado no projeto, que já elevou a população desses animais da beira da extinção, com cerca de 200 espécimes em vida livre em 1970, até uma população atual de cerca de 3500 animais (Ferraz, 2016).

O comportamento animal já foi crucial na conservação de diversas outras espécies. Compreender as rotas migratórias de baleias como a jubarte levou a um esforço mundial pela conservação de áreas de proteção desses animais, incluindo a criação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos (IBAMA 1991). Estudos sobre a orientação de filhotes de tartarugas marinhas recém-nascidas mostraram que estes animais são atraídos pela luz de postes em avenidas beira-mar (Witherington & Bjorndal 1991), o que permitiu o manejo das áreas de desova e evitou o atropelamento de muitos filhotes. O sucesso da reintrodução do condor da Califórnia nascido em cativeiro só foi possível com estudos sobre imprinting (estampagem) e com mudanças no manejo dos filhotes que evitassem a habituação dos animais aos humanos (Cohn 1999). As pesquisas coordenadas por Craig Packer no Lion Centre da Universidade de Minessota permitiram entender o comportamento de caça de leões, garantindo a segurança de pessoas das tribos Maasai, mas também reduzindo consideravelmente ataques retaliatórios contra esses felinos (Ikanda & Packer 2008).

Meu grupo de pesquisa tem se dedicado a alguns trabalhos com o uso do comportamento como ferramenta para a conservação. Estamos interessados em avaliar impactos causados por uma atividade humana aparentemente inofensiva, o turismo de natureza. O problema é o número de pessoas entrando em áreas naturais todos os anos, que algumas estimativas preveem 8 bilhões de pessoas por ano (Balmford et al. 2015). Conseguimos dois resultados interessantes até o momento, o primeiro foi demonstrar que indicadores comportamentais mostram os estragos do turismo desenfreado antes de indicadores ecológicos (Bessa et al. 2017). O segundo foi mostrar que impactos que começam no nível comportamental ou fisiológico podem escalar até efeitos populacionais (Bessa & Gonçalves de Freitas 2014). Uma de nossas áreas de estudo, Nobres, em Mato Grosso, vem sendo analisada desde 2008, quando mal havia turismo ali e se recebia cerca de 500 pessoas por mês, incluindo o período da Copa de 2014 no Brasil, quando estradas para lá foram asfaltadas e o número de turistas ultrapassou os 10 mil por mês. Em Nobres, turistas mergulham com peixes em riachos cristalinos (Figura 1), mas muitas vezes depredam ninhos pisando o fundo dos rios e superalimentam os peixes com salgadinhos industrializados. Os resultados de meu grupo permitem uma avaliação e um monitoramento mais eficientes do turismo, com a vantagem de que, neste caso, tanto os ambientalistas quanto os consumidores finais, os ecoturistas, têm interesse na conservação ambiental (Blumstein et al. 2017).

O comportamento animal precisa se dedicar mais às questões conservacionistas. Muitos estudiosos do comportamento parecem meio alheios à conservação, mas essa postura irá nos roubar nossas espécies de estudo, interações e ambientes naturais para pesquisar e tem potencial de prejudicar muito o estudo do comportamento (Caro 2007). Por outro lado, medidas conservacionistas precisam estar mais abertas à contribuição do comportamento animal. Só assim o objetivo maior da manutenção da diversidade da vida na Terra será alcançado por todos.

 

turistas

Figura 1 – Turistas num riacho em Nobres-MT. É bom estar em contato com a natureza, mas isto precisa ser feito da forma menos agressiva possível. Meu grupo de pesquisa vem se dedicando a isso nos últimos anos.

 

REFERÊNCIAS:

Balmford A et al. 2015. Walk on the wild side: estimating the global magnitude of visits to protected areas. PLoS Biology 13: e1002074

Bessa E & Gonçalves de Freitas E. 2014. How does tourist monitoring alter fish behavior in underwater trails? Tourism Management 45: 253-259

Bessa E, Geffroy B & Gonçalves de Freitas E. 2017. Tourism impact on stream fish measured with an ecological and a behavioural indicator. Aquatic conservation no prelo

Blumstein D T, Geffroy B, Samia D M S, Bessa E. 2017. Ecotourism’s promise and perils: a biological evaluation. Springer

Breed M & Moore J. 2015. Animal Behavior. Academic Press.

Caro T. 2007. Behavior and conservation: a bridge too far? Trends in Ecology and Evolution 22: 394-400

Cohn J P. 1999.  Saving the California Condor. Bioscience 49: 864-868

Curio E. 1996. Conservation needs ethology. Trends in Ecology and Evolution 11: 260-263.

Ferraz LPM. 2016. Associação Mico-leão Dourado. Disponível em http://www.micoleao.org.br/. Vistitada em 13/11/2017.

IBAMA. 1991. Plano de Manejo: Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. IBAMA.

Ikanda D & Packer C. 2008. Ritual vs. retaliatory killing of African lions in the Ngorongoro Conservation Area, Tanzania. Endangered species research 6: 67-74

Kierulff M C, Ruiz-Miranda C R, Oliveira P P, Beck B B, Martins A, Dietz J M, rambaldi D M, Baker A J. 2012. The Golden lion tamarin Leontopithecus rosalia: a conservation success story. International Zoo Yearbook 46: 36-45

Witherington B E & Bjorndal K A. 1991. Influences of artificial lighting on the seaward orientation of hatchling loggerhead turtles Caretta caretta. Biological Conservation 55: 139-149