Comunicação animal – parte 3

Retomando o tema da Comunicação Animal, hoje veremos sobre o processo de evolução nesse sistema, ainda com base na discussão desse conceito no dicionário de comportamento animal do Dr. McFarland. Veja que qualquer atividade expressa pelos animais que, de alguma forma, potencialmente possa funcionar como um “sinalizador” de algo tende, evolutivamente falando, a se tornar ritualizada, ou seja, padronizada. Com relação a isso, veja, por exemplo, os displays que os machos de muitas espécies expressam no período de reprodução e que atraem as fêmeas. Tais displays, assim como outras formas de comunicação, têm evoluído de forma que ambos os mecanismos que enviam e recebem sinais co-evoluem. Para membros de uma mesma espécie, isso faz muito sentido, mas e quando pensamos em indivíduos de espécies distintas? Como um animal pode se beneficiar ao “informar” um indivíduo de outra espécie sobre seu estado ou alguma situação do ambiente? Na verdade, a resposta é até simples… Um animal pode se beneficiar ao enviar mensagens enganosas, que possam levar, por exemplo, à manipulação de indivíduos de outras espécies. Já vimos exemplos clássicos dessa possibilidade no blog: estratégias antipredatórias tais como mimetismo, aposematismo, parecer-se maior do que é… Além disso, veremos também que o processo pode ocorrer mesmo quando o indivíduo que envia o sinal não se beneficia…

Considerando o que foi visto acima, podemos levar em conta que a evolução do sistema de comunicação animal pode ser compreendida a partir do fitness, ou seja, da aptidão em sobrevivência e sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos. As oportunidades que podem ocorrer e que, ao mesmo tempo, propiciam a evolução do sistema de comunicação entre indivíduos numa mesma espécie ou ainda entre espécies distintas envolvem 4 pontos principais:

  1. Mutualismo: tanto os indivíduos que sinalizam quanto aqueles que recebem os sinais se beneficiam a partir dessa comunicação entre eles. Um bom exemplo disso, é algo já visto anteriormente aqui no blog sobre a relação entre peixes “limpadores” e peixes “clientes”. Os clientes são peixes que estão com detritos e parasitaslocalizados principalmente em suas bocas, por exemplo. Os peixes limpadores se alimentam desses parasitas e detritos na boca dos peixes clientes, livrando assim os clientes de tais parasitas. Ambos claramente se beneficiam dessa situação. Esse processo só é possível graças a um ritual de sinalizações emitidos e recebidos adequadamente entre ambos.

  2. “Fraude”: Ocorre quando o fitness do indivíduo que sinaliza é aumentado aos custos do fitness do indivíduo recebedor. Por exemplo, no caso visto acima, ou seja, na situação de cooperação mútua entre peixes limpadores e clientes, às vezes os limpadores mordem o cliente, pois, com isso obtém alimento mais nutritivo e preferido, aumentando assim seu fitness. Mas, por outro lado, os peixes clientes que são mordidos ganham uma injúria e ainda não tem o “serviço” de limpeza completado. Isso pode acontecer, mas é claro que os peixes limpadores correm risco nessa situação e, ao mesmo tempo, “perdem o cliente”. Ou seja, é uma questão de balanço entre custos e benefícios, que depende da situação e do contexto no momento.

  3. Manipulação: ocorre quando o indivíduo que recebe a mensagem obtém informações sobre o indivíduo sinalizador e se beneficia a partir disso contra os interesses do indivíduo sinalizador. Por exemplo, quando há um macho em período reprodutivo de sua espécie que está emitindo sinais ritualizados associados à seleção sexual e, ao mesmo tempo, tais sinais são percebidos por predadores ou mesmo por machos rivais da mesma espécie. Predadores põem em risco direto a vida dos machos que estão emitindo os sinais, enquanto que machos rivais que são atraídos pelos sinais competem pelas fêmeas disponíveis.

  4. “Despeito/rancor”: ocorre se o indivíduo que envia a mensagem diminui seu próprio fitness, ou seja, suas chances de sobrevivência ou sucesso reprodutivo, quando envolvido num processo em que ele, de alguma forma, prejudica outro indivíduo. Por exemplo, aqui podemos imaginar uma situação em que um indivíduo coloca sua vida em risco ao emitir sinais que possam desviar ou mesmo afugentar um predador que esteja atacando ou mesmo já tenha matado sua prole, por exemplo. Nesse caso, a sobrevivência do indivíduo está em risco em prol de uma possibilidade de sobrevivência de sua prole, ou mesmo sem esse ganho associado.

Para encerrar, considerando essas oportunidades vistas acima em que o sistema de comunicação animal pode evoluir, devemos levar em conta duas importantes considerações. Primeira: sinais enganosos devem ocorrer mais raramente na população em relação aos demais sinais, pois, caso contrário, os recebedores sofreriam processo de adaptação, se ajustando às regras de codificação do real sentido desses sinais enganosos. Ou seja, sinais enganosos só tem vantagem quando tem baixa frequência de ocorrência. Assim, é importante ver que a “fraude” no sistema de comunicação quando o indivíduo sinaliza uma mensagem falsa é provavelmente seguida por alguma “retaliação”, tal como desvalorização da mensagem ou ainda por uma melhora na capacidade de discriminação dos sinais por parte do recebedores. Segunda: a seleção natural deve agir sobre os indivíduos que emitem os sinais de forma a aumentar a eficácia da transmissão de informação sempre que o fitness do indivíduo que envia o sinal é aumentado pela resposta a esse sinal e, por outro lado, diminuir tal eficácia quando o fitness é reduzido.