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Este comentário é de Luiza Cervenka de Assis, que é bióloga, mestre em Psicobiologia, especialista em Jornalismo e doutoranda em Veterinária (FMVZ-USP). Luiza tem sua própria empresa, a Bichoterapeuta, na qual já tem atendido casos dos mais diversos tipos envolvendo problemas comportamentais dos animais. Se quiser conhecer melhor o trabalho dela, visite o site www.luizacervenka.com.br
O Enriquecimento Ambiental (EA) é uma das ferramentas do manejo ambiental. Utilizado primeiramente para animais silvestres em cativeiro, hoje podemos aplicar nos nossos cães e gatos. Uma forma de melhorar a qualidade de vida e proporcionar opções que possibilitem a expressão dos comportamentos naturais.
Quem nunca reclamou de um chinelo destruído, que atire a primeira pedra! Roer e destruir é um comportamento natural de cães. Todavia, não é por isso que devemos liberar os pés das mesas ou os sapatos que gostamos. É nessa hora que entra o EA. Oferecer ferramentas, desafios ou brinquedos que possibilitem a destruição, sem criar brigas entre humanos e cães.
Uma garrafa pet recheada de ração, uma caixa de papelão com petisco dentro ou mesmo uma bacia cheira de folhas secas e petiscos são ótimos exemplos de enriquecimentos. É esse tipo de brinquedo que eu ensino os tutores a fazer durante a consulta comportamental.
Não importa qual seja o desvio de comportamento do animal, qual seja a raça ou espécie, o tamanho do local onde fica, o histórico no indivíduo. Toda consulta inicia compreendendo qual tipo de enriquecimento é mais atrativo para o animal. Mesmo aqueles que o tutor jura de pé junto que odeiam brinquedo, é possível achar algo que o interesse.
Sem trabalhar o EA não é possível compreender como o animal executa seus comportamentos naturais. Mais! Sem o EA não é possível trabalhar o potencial cognitivo e físico do animal. Todos, inclusive nós, são passíveis de aprender diversas coisas ao longo da vida. É a novidade que coloca o cérebro e os músculos em ação motivada. Se estamos na mesmice, dá aquela preguiça e desânimo.
Já que confinamos nossos animais em nossas casas, devemos oferecer para eles a melhor possibilidade de vida, lembrando de seus comportamentos naturais. Só assim minimizaremos o estresse crônico, melhorando, inclusive, sua resposta imunológica.
Mas vamos a situações práticas!
Border Collie
Um dia fui atender um cão da raça border collie. Muito ativo, como a raça já preconiza, o animal ficava em um quintal, sem nenhum tipo de brinquedo. Passeios somente duas vezes ao mês. Todos os dias, alguns minutos de brincadeira com bolinha. Com tamanha frustração e tédio, o animal começou a apresentar agressividade.
Antes de tratar qualquer comportamento, eu solicitei aos tutores a introdução de treinamento e utensílios para dar atividade ao animal. Nada de comida no pote. Cada dia ele teria que resolver um desafio, um quebra-cabeça, para poder se alimentar. Também deveria ter coisas para roer e destruir. O varal, de onde ele já puxou muitas roupas, agora seria palco de diversas brincadeiras regadas a alimentos gostosos.
Mas os tutores achavam que o animal seria pouco capaz de solucionar tarefas tão difíceis. Nesse momento, recheei o brinquedo mais difícil que eu tinha com banana e ofereci para o cão. Em menos de cinco minutos o desafio tinha sido sanado e nenhuma banana havia sobrado. Isso porque ele não havia sido estimulado por cinco anos.
Minha cachorra
Adotei uma cachorrinha da raça chihuahua. Ela havia fraturado a coluna e perdido os movimentos das patas traseiras. Além disso, teve um derrame que fez com que ela girasse incessantemente para o mesmo lado, igual a um peão. Diante desse cenário, muitos teriam ficado com dó e dado comida na boca.
Com calma e paciência, compreendi o que mais chamava atenção da Aurora e como seria mais fácil para ela sanar os desafios. Comecei com ração dentro do rolo de papel higiênico. Evoluí para brinquedo recheado. Depois, tapete de fuçar com ração. Hoje, ela é capaz de lamber o sachê naquele mesmo brinquedo que eu dei para o border collie.
Não foi do dia para a noite. E não foi apenas com alimentação. Trilhas, passeios no shopping, pilates e natação fizeram parte do pacote de EA. Tudo isso para que ela ganhasse mais confiança no ambiente, tivesse mais interesse em explorar e aprendesse a andar reto, sem girar.
Hoje ela é um cachorro quase igual a qualquer outro chihuahua. Ainda tem muitas dificuldades, mas é ávida por desafios e novidades. Graças a isso foi possível treiná-la, apesar da dificuldade locomotora, a sentar, deitar, se acostumar a viajar na bolsa de transporte e ser cheirada por outros cães sem atacar.
Inclusive, graças ao EA, ela fica sozinha, mesmo em ambiente diferente (como um quarto de hotel), sem estranhar ou expressar comportamento de estresse. Basta um brinquedo recheado para ela se entreter por um longo período.
São apenas dois exemplos de animais que mudaram de vida apenas com a introdução de um dos conceitos aplicados na terapia comportamental, o EA. Não basta só treinar comandos ou fazer passeios. Ambos são muitos importantes. Mas sem o EA, há uma lacuna no bem-estar dos animais. Não importa se uma formiga ou um gorila, todos os animais que estão sob cuidado humano devem ter uma rotina de EA desenvolvido especificamente para cada indivíduo.