Enriquecimento Ambiental

Como eu já mencionei aqui, uma das formas de fornecer condições mais prazerosas aos animais é através do enriquecimento ambiental. Segundo o Dr. Young, essa técnica compreende mudanças no ambiente dos animais cativos através do uso de materiais ou aparelhos/estruturas que devem simular situações mais naturais e aumentar as oportunidades comportamentais para os animais. De acordo com esse mesmo autor, essa técnica, conforme eu também já descrevi brevemente aqui, busca melhorar a capacidade do animal de lidar com o ambiente cativo, permitindo a ele ampliar seu repertório comportamental e uso positivo do ambiente que o cerca, além de reduzir a expressão de comportamentos tidos como aberrantes, como as estereotipias. É importante mencionar aqui que a manutenção de um programa de enriquecimento ambiental, onde diferentes enriquecimentos são alternados de tempos em tempos para o animal é essencial, pois caso contrário, o que antes era enriquecimento passa a compor mais uma das características comuns e monótonas do ambiente cativo.

Estudos que avaliam os efeitos do enriquecimento ambiental nas condições de animais cativos tem crescido muito desde a década de 80, sendo que, basicamente, tais efeitos tem sido avaliados pela mudança observada nos comportamentos dos animais. Em tais estudos,  os pesquisadores normalmente registram as frequências comportamentais dos animais antes e durante (e às vezes após) a aplicação do enriquecimento, posteriormente comparando tais frequências a fim de avaliar as mudanças comportamentais observadas. Alguns estudos também tem focado nos efeitos em comportamentos mais específicos, como por exemplo agressividade excessiva ou estereotipias. Afinal, se o enriquecimento busca melhorar as condições dos animais cativos, enriquecimentos bem-sucedidos devem reduzir comportamentos aberrantes como esses mencionados. 

Entretanto, contrariando a ideia de que o enriquecimento deve melhorar as condições dos animais cativos quando aumenta o repertório comportamental natural deles, os doutores Hill e Broom, argumentam que comportamentos naturais não necessariamente devem ser esperados em ambientes cativos. Isso decorre do cativeiro apresentar condições muito distintas daquelas naturais. Ou seja, por que esperar apenas comportamentos naturais em ambientes tão artificiais como o cativeiro? Pode ser que o animal desempenhe um comportamento desconhecido em condições naturais para melhor lidar com as condições de restrição impostas pelo ambiente cativo. Nesse contexto, pode ser que um animal desempenhando um comportamento classificado como estereotipado, por exemplo, esteja numa condição melhor que aquele que não expressa tal comportamento, pois esse último pode estar num estado de frustração/sofrimento tão intenso que não consegue sequer reagir ao ambiente.

Nessa mesma linha, alguns trabalhos mais antigos já sugeriram que estereotipias nem sempre devem indicar piores condições de bem-estar, como os trabalhos de De Passilé e Bildsøe na década de 90. Além disso, conforme argumenta o Dr. Volpato, como podemos saber com certeza se um comportamento é ou não é natural? Como vamos saber se algum comportamento nunca visto na natureza realmente não ocorre naturalmente em condições mais específicas e nunca presenciadas? O mesmo autor ainda argumenta que comportamento natural não deve necessariamente representar bem-estar, pois há comportamentos naturais em que o animal se encontra com medo, estressado ou frustrado, como, por exemplo, uma presa fugindo de um predador ou ainda um predador que perdeu sua presa! Nessas condições, que são naturais, não podemos dizer que o animal se encontra em bem-estar, como já discutido aqui.

Nesse contexto, avaliar os efeitos do enriquecimento ambiental nas condições dos animais cativos torna-se mais complexo do que a forma como vem sendo feito. Do ponto de vista prático, há muitos artigos descrevendo a interação dos animais com o enriquecimento e as mudanças observadas  durante e/ou após sua aplicação. Um veículo muito famoso de divulgação desses achados é a revista The Shape of Enrichment, que recentemente passou a divulgar seus artigos através de um blog (http://enrichment.org/articles/fire-hose-hearts/), onde inclusive eu mesma já publiquei alguns trabalhos de enriquecimento, sendo que o mais recente se encontra no blog (http://enrichment.org/articles/trying-different-enrichments-for-coatis-in-different-zoos-what-can-we-expect/). Entretanto, muito do que tem sido divulgado não passou por uma avaliação estatística apropriada ou baseia-se apenas em descrição do que foi observado. Tal fato dificulta o aproveitamento e interpretação correta dos achados. Por exemplo, é comum as pessoas acreditarem que enriquecimentos com os quais os animais interagiram pouco não sejam muito efetivos em melhorar as condições do animal. Entretanto, num trabalho que recentemente publiquei em co-autoria com a Dra. Eliana Santos e a Jéssica Reimer mostra que pouca interação com o enriquecimento ambiental não necessariamente significa poucas alterações comportamentais causadas. Assim, mais uma vez vemos que interpretar os efeitos dos enriquecimentos deve ser mais complexo do que as pessoas geralmente pensam.

Além disso, será que apenas os enriquecimentos que simulem uma condição mais natural para os animais devem ser considerados? Será que um estímulo totalmente artificial, mas que incita a interação do animal, distraindo-no das condições limitadas nas quais ele vive e promovendo redução de comportamentos aberrantes mais graves não deve ser aplicado para melhorar as condições desse animal? Aqui podemos perceber que, embora o enriquecimento seja uma técnica muito útil em vista de aumentar os estímulos ambientais dos animais em cativeiro, ainda há diversos pontos que precisam de mais esclarecimentos através de mais estudos científicos. Normalmente, os enriquecimentos são aplicados com base no ponto de vista humano, ou seja, o que nós achamos que vai melhorar as condições do animal com base em sua história natural como espécie e história de vida como indivíduo… Mas por que não deixamos os animais escolherem o que mais importa para eles? É aqui que entram os estudos de escolha e preferência, que serão melhor discutidos numa próxima postagem aqui no blog!