Honestidade e Desonestidade dos Sinais na Comunicação Animal – parte 1

Comentário da Dra. Percilia Cardoso Giaquinto, professora do departamento de Fisiologia da UNESP – campus de Botucatu (SP), que é uma especialista na área de fisiologia e comportamento animal com ênfase, entre outros temas, na comunicação animal:

 

A sinalização e a comunicação ocupam uma posição central no estudo do comportamento animal desde o início desta ciência. Sinais e respostas são frequentemente os desempenhos mais notáveis de um animal, as características comportamentais que podemos observar primeiro e mais prontamente. Tais sinais funcionam mediando os processos comportamentais de formação de pares, interação pais-filhotes, agressão e manutenção da hierarquia nos grupos. Encontramos descrições e explicações para os sinais dos animais desde a antiguidade, como no relato de Aristóteles sobre a “dança” das abelhas, e no século XIX, os sinais e a comunicação dos animais figuravam de forma proeminente nos escritos de Darwin. Mas esses sinais sempre conferem informações fidedignas? Essa pergunta é facilmente respondida quando se trata do comportamento humano. Todos somos capazes de narrar eventos onde mentimos ou detectamos a mentira do outro, mas e nas outras espécies? Os sinais são sempre honestos? Essa discussão não é tão simples quando a própria definição de comunicação animal pressupõe trocas de informação entre um “emissor” e um “receptor” em que ambas as partes podem esperar algum benefício da interação (Bradbury & Vehrencamp 1998).

Porém, o potencial para os animais “enganarem” uns aos outros por meio de sinais “desonestos” tem sido uma questão importante no comportamento por muitos anos. Aqui é importante notar que sinalização desonesta não implica em engano consciente, apenas que o sinal pode transmitir informações que não são verdadeiras. Atualmente, uma visão é a de que os sinais de um indivíduo são indicações mais ou menos confiáveis ​​de sua identidade de espécie, sexo, estado de desenvolvimento ou fisiológico, categoria social, “motivação” ou informação adquirida. Essa visão é baseada no argumento de que receptores são selecionados de forma a ignorar sinais que são habitualmente não confiáveis, que, por sua vez, selecionariam a produção de sinais fidedignos. As análises convencionais apoiam essa generalização, mas também preveem a falta de confiabilidade, particularmente em situações em que emissores e receptores têm objetivos conflitantes.

Tais objetivos conflitantes são muito comuns em disputas por territórios, recursos e fêmeas. A arena mais óbvia para o engano é a escolha do parceiro. A seleção natural favorece fortemente qualquer dispositivo que aumente a reprodução de um animal, assim, se um sinal desonesto ou enganoso possibilita este aumento, então os genes para tal sinal provavelmente se espalharão rapidamente em uma população. Os cientistas recentemente reconheceram a alta frequência de ‘cópulas extra-par’ por fêmeas de espécies aparentemente monogâmicas de aves e mamíferos. Em espécies que têm sistemas de acasalamento aparentemente monogâmicos, de modo que um macho e uma fêmea são ligados em pares, as fêmeas podem buscar cópulas com outros machos em horários ou locais que dificultam a detecção por parte de seu par macho. O engano comportamental (copulando secretamente) desempenha um papel importante na facilitação desse comportamento. Uma das hipóteses proposta para explicar cópulas extra-par é o aumento da variabilidade genética nos filhotes de diferentes pais.

Machos também podem enganar as fêmeas produzindo sinais desonestos. O caranguejo violinista, por exemplo, pode ter uma sinalização desonesta para as fêmeas pretendidas. Os machos desta espécie são conhecidos por terem uma grande pata, que eles usam quando lutam com outros machos na disputa por uma parceira. Se um caranguejo violinista perde sua pata na luta, outra irá crescer em seu lugar. Essa pata substituta é do mesmo tamanho, mas tende a ser mais leve e mais fraca que a original. No entanto, permanece um sinal visual (desonesto), que pode ser usado para espantar outro macho e atrair uma parceira.

 

caranguejo

Caragueijo violinista e seu sinal que pode ser confiavel ou não. Foto de  duangnapa_b | Shutterstock.com

 

Mas e quanto aos animais que tem comportamentos cooperativos? Será que há também aqui a possibilidade de desonestidade na emissão de sinais associados à comunicação animal? Não percam o final deste texto na próxima postagem aqui do Blog!

 

REFERÊNCIA:

Bradbury, J. W. & Vehrencamp, S. L. (1998). Principles of Animal Communication. Sunderland, Massachusetts: Sinauer