Honestidade e Desonestidade dos Sinais na Comunicação Animal – parte 2

Continuação e encerramento do comentário da Dra. Percilia Cardoso Giaquinto, professora do departamento de Fisiologia da UNESP – campus de Botucatu (SP), que é uma especialista na área de fisiologia e comportamento animal com ênfase, entre outros temas, na comunicação animal:

 

E quanto aos animais que tem comportamentos cooperativos? Pressupõe-se que sempre irão emitir sinais fidedignos que aumente a coalisão dos comportamentos cooperativos, mas quando os cientistas analisaram esses animais sociais e cooperativos com uma lupa, perceberam que tais animais podem ‘esfaquear-se nas costas’ por um lanche ou uma chance de acasalar. Em quase todos os grupos de animais, há alguns membros que, a qualquer momento, são colocados em serviço de vigilância. Eles alertam o resto do grupo se virem um predador. E eles abusam da responsabilidade impiedosamente.

Os macacos-prego, por exemplo, têm uma hierarquia, de modo que os animais de menor classificação têm acesso restrito e secundário a alimento e chances de acasalamento. Já que os membros maiores e mais durões terão a primeira chance de pegar comida, o que os mantém maiores e mais durões, consequentemente têm maior acesso a fêmeas. Como esses macacos submissos podem subverter essa hierarquia? Quando o grupo encontra uma fonte rica e saborosa de alimento e os dominantes estão prestes a comer, eles fazem falsos alarmes. Enquanto os outros correm para a segurança, os pequenos macacos, sabendo que não há perigo, correm e pegam a comida. Macacos Vervet são mais radicais e usam suas ‘mentiras’ para capturar os machos de alta hierarquia diretamente. Eles simplesmente não emitem o alarme quando veem predadores, esperando que os machos dominantes sejam mortos. Quando o olhar do predador está direcionado para as fêmeas, no entanto, eles começam a gritar rapidamente, mantendo assim qualquer parceira sexual em potencial viva.

Antílopes Topi fazem o truque oposto quando querem manter seus companheiros próximos. Fêmeas de antílopes Topi verificam um macho antes de acasalarem, e se não gostarem do que veem, elas se afastam. Se, no entanto, houver um predador na área, elas e eles ficarão em grupos. Os machos descobriram isso e fazem bufos de advertência quando acham que a fêmea está perdendo o interesse. E não como último recurso. Eles mentirão sobre os avisos cerca de nove vezes mais do que um aviso real. Nem sempre funciona, mas lhes dá outras chances de acasalar.

E esses exemplos parecem ser só a ponta do iceberg em relação as estratégias de manipulação nos sinais de comunicação. O estudo do comportamento animal é uma ciência relativamente nova quando comparado, por exemplo, aos estudos da fisiologia dos animais. Inicialmente os estudos buscavam generalizações em relação aos comportamentos, tal como a premissa de que sinais envolvidos na seleção sexual seriam sempre honestos e envolveriam altos custos, pelos exemplos que vimos isso nem sempre é verdadeiro. Hoje em dia o estudo do comportamento animal tem focado nas diferenças individuais também, assim, por exemplo, um indivíduo que não tem as melhores características para um embate com outros machos parece adotar estratégias que incluem sinais desonestos que lhe permitem ter acesso e chance de acasalamento com as fêmeas. Investigar a variabilidade individual nos enfrentamentos e a diversidade nas estratégias comportamentais pode nos levar mais longe em compreender a comunicação animal.