Novas abordagens de bem-estar: como fornecer condições mais prazerosas aos animais?

Conforme eu mencionei anteriormente aqui, com a publicação do livro “Animal Machines” em 1964, teve início um processo de investigação sobre a forma como os animais de produção eram tratados até então. Tal processo acabou culminando com estabelecimento das “5 liberdades”, o que levou a uma grande melhora na manutenção dos animais em cativeiro. Entretanto, como o próprio nome diz, as “5 liberdades” incluem apenas liberdades… Liberdade de fome/sede, desconforto, dor e doenças, medo/estresse e liberdade para expressar comportamentos naturais típicos da espécie… Será que isso basta? Basta estar livre de situações ruins e desconfortáveis ou será que também é preciso ter sensação de prazer?

Se pensarmos nas condições em que os animais vivem na natureza, facilmente podemos perceber que as “5 liberdades” não bastam… A imprevisibilidade é uma condição natural em vida livre, enquanto as condições de cativeiro normalmente são bem previsíveis… Na natureza, a disponibilidade de alimento, o tipo de alimento, uma possível ameaça predatória, a presença de outros indivíduos da mesma espécie, além de diversas outras características, variam no ambiente. Além disso, em condições naturais, se algo está desconfortável ou ameaçador, o animal pode se deslocar e mudar de ambiente, ou seja, o animal tem certo controle das condições ambientais. Por outro lado, no ambiente cativo, normalmente o alimento fornecido é invariável e está sempre pronto para ser ingerido, além de ser fornecido no mesmo local e por volta do mesmo horário e ainda pelas mesmas pessoas (tratadores, experimentadores ou criadores). Em cativeiro, o ambiente permanece imutável e restrito, sendo que o animal está confinado a essas condições. Se o animal estiver em fase reprodutiva, não terá como sair em busca de um parceiro para se reproduzir. Além disso, o animal não tem controle sobre o ambiente cativo, pois se algo estiver desconfortável ou ameaçador (mesmo que isso não transpareça aos nossos olhos!), o animal não tem como sair daquele ambiente.

Assim, mesmo que as “5 liberdades” sejam atendidas, os animais ainda podem se sentir frustrados e/ou sem estímulos que geram algum grau de prazer, o que deve acarretar em má condições de bem-estar. Dessa forma, tal contraste observado entre o ambiente natural e o cativeiro, tem gerado diversos problemas comportamentais em animais cativos. Por exemplo, vários animais de zoológico podem ser vistos realizando comportamentos estereotipados conhecidos, como por exemplo o pacing que normalmente é identificado como um andar repetitivo, por um mesmo circuito por várias vezes consecutivas. Os comportamentos estereotipados são aqueles que se repetem seguidamente e não apresentam função aparente, segundo os doutores Dantzer e Mormed, e que são causados por frustração, falhas nas tentativas de lidar com o ambiente ou disfunção cerebral, segundo a doutora Georgia Mason. Em vista dessa problemática, uma abordagem que tem sido amplamente utilizada a fim de melhorar as condições dos animais cativos é a aplicação de enriquecimentos ambientais.

Essa técnica, que envolve a inserção/disponibilização de estímulos ambientais diferentes, visa aumentar o repertório comportamental dos animais, superar desafios e reduzir ou eliminar comportamentos aberrantes, como as estereotipias. Com o enriquecimento do ambiente, é possível proporcionar aos animais situações e condições mais naturais, que podem então refletir em expressão mais intensa de comportamentos mais ativos e menos intensa daqueles considerados como inatividade ou estereotipias. Assim, ao menos de certa forma, provavelmente disponibilizamos condições mais prazerosas para os animais através da aplicação de técnicas de enriquecimento ambiental. Entretanto, como alertado pelo doutor Gilson Volpato, nem sempre as condições mais naturais podem ser consideradas necessariamente prazerosas. Por exemplo, um animal fugindo de um predador certamente está realizando um comportamento natural, mas não podemos dizer que tal animal está em boas condições de bem-estar nesse momento! Ou seja, para sabermos como estão as condições de bem-estar dos animais, se eles estão sentindo algum prazer nas condições do ambiente, não podemos nos basear apenas na expressão de comportamentos tidos como naturais…

Uma outra abordagem mais recente que visa proporcionar aos animais condições mais prazerosas envolve a aplicação de testes de preferência e motivação para acessar recursos ambientais. Tal abordagem é baseada na proposta da doutora Marian Dawkins de que devemos nos preocupar mais em buscar as vontades e desejos dos animais para melhorar suas condições de bem-estar. Os testes de preferência, que começaram a ser utilizados na década de 70 pela própria Marian Dawkins, são aqueles em que duas (testes de pareamento) ou mais (testes de múltipla escolha) opções são disponibilizadas livremente para que o animal possa escolher. Nos testes de motivação, os animais devem se esforçar para acessar diferentes recursos ambientais, de forma que quanto mais o animal se esforçar para acessar um determinado item, mais tal item deve ser relevante para esse animal. Os testes de motivação foram incentivados a partir da proposta de Duncan em 2006 de que não basta identificarmos o que os animais preferem, mas também é importante saber o quanto cada recurso é importante para os animais.

Nesse contexto, embora tanto testes de preferência quanto testes de motivação tenham sido amplamente utilizados na literatura visando detectar melhores condições de conforto aos animais, há ainda várias questões subjacentes que envolvem a aplicação de ambos os testes. Por exemplo, em geral as preferências são tratadas como sinônimos de escolhas momentâneas e a variabilidade individual de resposta normalmente é negligenciada… Mas será que a escolha momentânea necessariamente representa uma preferência? Será que a variabilidade individual de resposta não deve ser considerada? Além disso, a relação entre as respostas de preferência e de motivação para acessar um determinado recurso não está clara… E mesmo a determinação e caracterização do prazer nos animais quando eles acessam o que querem ainda é um desafio… Como saber se os animais estão realmente sentindo algum tipo de prazer? Assim, embora tenhamos avançado muito nessa questão, ainda temos um longo caminho pela frente!