Os animais são ou não não sencientes? O quanto isso importa?

A senciência, um conceito já explicado aqui no blog, se refere basicamente a um nível mínimo de consciência, ou seja, representa a capacidade de perceber conscientemente, ao menos em algum grau, sensações mais básicas, tais como dor ou medo. Assim, um pressuposto considerado básico para que tenhamos considerações relacionadas ao bem-estar dos animais é que eles sejam seres sencientes, ou seja, capazes de sofrer conscientemente. Nesse contexto, é frequente nos depararmos com discussões entre cientistas relacionadas à capacidade dos animais de terem ao menos algum grau de consciência, pois “provando” que são seres capazes de sentir conscientemente ao menos as emoções mais básicas, fica fácil entender porque merecem considerações de bem-estar… Entretanto, a discussão entre cientistas que buscam demonstrar tal capacidade dos animais e aqueles que, contrariamente, procuram demonstrar que os animais (ao menos alguns, como por exemplo os peixes) não apresentam consciência dos eventos que os cercam é constante e evidente. Mas será que isso tem fim e, mais importante ainda, será que é necessário?

Mesmo quando pensamos em seres humanos, ao falarmos em consciência, pode ser difícil realmente entender ou interpretar o que se passa na mente de outra pessoa. Os seres humanos são capazes de falar e expressar seus sentimentos, mas mesmo isso não é suficiente…pessoas mentem, por exemplo… é claro que há sinais mais evidentes que indicam a expressão das emoções no homem e, similarmente, nos animais, tais como expressões faciais e também posturais. Nesse aspecto, não deixe de conferir o livro já indicado aqui no Blog de Charles Darwin sobre a expressão das emoções no homem e nos animais. Entretanto, mesmo tais expressões podem ser complicadas de entender claramente… As pessoas podem procurar disfarçar o que sentem por causa de uma série de fatores diferentes. Será que isso não seria possível também nos animais? E aqueles que são mais distantes de nós, mamíferos, e nem apresentam tais expressões (ao menos não de uma forma que sejamos capazes de perceber)? Se isso tudo já é complicado em nós seres humanos, imagine para avaliar, interpretar e compreender tais emoções nos animais de forma objetiva e menos antropomórfica… Não é nada fácil…

E é nesse contexto que vários cientistas debatem até mesmo de forma agressiva uns com os outros… De um lado aqueles que acreditam que mesmo animais mais distantes de nós, como os peixes ou alguns invertebrados, tem todo o aparato necessário e processam as informações em regiões cerebrais, respondendo com alterações comportamentais complexas quando sentem dor, por exemplo. Há muitas evidências científicas que suportam essa ideia. De outro lado, estão aqueles cientistas que defendem que tais animais respondem apenas de forma mais reflexiva e que não tem estruturas cerebrais adequadas que processem esses tipos de informação. Meu ponto aqui hoje não é argumentar a favor dos cientistas que defendem que os animais, ao menos em algum grau, tem consciência do que acontece à sua volta, mesmo porque para criar este blog ou mesmo você, que participa dele, é necessário acreditar na ideia de que os animais tem algum grau de consciência e merecem considerações de bem-estar. Meu foco nesta postagem é apenas levantar uma única questão no meio de toda essa discussão. Isso é mesmo necessário? Será que é preciso provar ou “disprovar” que os animais são seres sencientes? Será que é necessário provar que faz sentido, inclusive do ponto de vista evolutivo, que a distinção entre diferentes animais (incluindo nós, os humanos) é mais relacionada ao grau de percepção do que à presença ou ausência completa de consciência? O fato de apenas existir a possibilidade dos animais serem seres sencientes já não deveria bastar para serem merecedores de considerações de bem-estar?

Além disso, vejam o texto da Dra. Eliane Gonçalves de Freitas na postagem mais recente aqui no Blog no post sobre comentários de cientistas. Vejam que ela ressalta a importância de focarmos na capacidade associada ao sistema defensivo dos animais para as considerações de bem-estar. A presença de tal sistema defensivo é adaptativa e está amplamente difundida no reino animal, independentemente de falarmos em envolvimento de consciência da forma como a conhecemos nos seres humanos. Um animal que não se defende, não procura se proteger ou evitar uma situação perigosa, dolorosa ou danosa facilmente desaparece da face da terra… Assim, faz sentido pensar que animais nessas situações reajam de forma a evitá-las ou minimizá-las. Nesse contexto, quem somos nós para dizer que tais situações não são, ao menos de alguma forma, ruins para os animais? E é nesse sentido que hoje eu convido você a refletir sobre o bem-estar animal… Sob esse ângulo, fica fácil incluir todos os animais como merecedores de considerações de bem-estar, independentemente de demonstrações de suas capacidades de percepção consciente da forma como a conhecemos e, portanto, independentemente desse intenso debate entre cientistas, que tanto vemos por aí…