Embora já tenha sido demonstrado que os peixes possuem todo o aparato anatômico-fisiológico que capta e processa estímulos nocivos, enviando respostas correspondentes, e que os peixes demonstram alterações comportamentais esperadas quando em situações dolorosas, parece muito difícil admitir que tais animais sintam dor…Tanto isso é verdade, que ainda há autores (como o Dr. Rose e o Dr. Arlinghaus) que argumentam e defendem que os peixes não são capazes de sentir o sofrimento a nível consciente. Mas por que isso acontece?
Os peixes são os únicos animais vertebrados viventes que habitam permanentemente um ambiente bem diferente do nosso: as águas. Tal fato naturalmente os distancia de nós, das nossas próprias experiências e das nossas próprias sensações… A densidade da água é bem maior que a aquela do ar, dando mais sustentação ao corpo, mas também dificultando a movimentação e o deslocamento em tal ambiente. A concentração de oxigênio na água é bem menor do que no ar, dificultando assim sua extração e aproveitamento. A temperatura na água é mais constante do que no ar, ou seja, leva mais tempo para ser alterada quando ocorre uma mudança no ambiente. Todas essas características tornam o ambiente aquático bem diferente do ambiente terrestre, ao qual nós estamos acostumados, e isso já gera uma dificuldade para que nós possamos compreender como os peixes se sentem ou o que mais os afeta.
Além disso, os vertebrados mais derivados, especialmente os mamíferos (incluindo aqui os seres humanos), tem expressões faciais e corporais muito características, que geralmente são bem conservadas entre os animais desse grupo. Tal fato foi claramente explicitado e demonstrado no excelente livro de Darwin: “A expressão das emoções no homem e nos animais”. Assim, é fácil reconhecermos expressões indicativas de “alegria”, “excitação”, “dor”, “medo”, etc nos mamíferos, o que facilita muito nossa aceitação de que esses animais sejam seres sencientes e, portanto, capazes de sofrerem conscientemente. Entretanto, em peixes isso se torna mais complicado para nós, pois tais animais não demonstram tais expressões tão características como nós as reconhecemos. Assim, torna-se naturalmente mais difícil assumir que esses animais estejam sofrendo se não percebemos expressões corporais/faciais correspondentes ou mesmo sem um grito de dor, ao menos que seja audível para nós.
Entretanto, com todas as demonstrações científicas de que os peixes são realmente capazes de sentir dor a nível consciente, nós já temos razões suficientes para aceitar que esses animais são sim capazes de sentir dor. Aliás, novos achados científicos tem levantado a ideia de que a sensação de dor está presente também em alguns animais invertebrados. Isso faz muito sentido quando pensamos que sentir dor deve ser uma característica muito adaptativa, pois permite evitar estímulos nocivos que possam prejudicar o organismo, e que a evolução geralmente caminha a passos bem graduais ao longo do tempo. Dessa forma poderíamos (e deveríamos!) aceitar mais facilmente que os peixes sentem dor…
Mas há ainda um último entrave que dificulta essa nossa aceitação, e talvez esse seja o mais difícil de ser superado. Se nós aceitamos que os peixes podem sofrer, por considerações éticas, devemos mudar nossas atitudes em relação as atividades de produção, criação, manejo, pesca e lazer que envolvem esses animais. Pratos de culinária em que os peixes chegam até os clientes, parcialmente cozidos, mas ainda movimentando o opérculo (estrutura que protege as brânquias), parecem mais do que inaceitáveis. Atividades de pesque e solte, que envolve a captura dos peixes com anzol e a remoção deste para liberar os peixes na água novamente, provavelmente gerando muita dor e injúrias apenas por puro prazer humano, também passam a ser inaceitáveis. Isso ainda levanta outros questionamentos, como por exemplo, qual seria a melhor forma de sacrificar os peixes em experimentos ou mesmo em pescarias? Com certeza não deve ser por hipóxia após serem removidos do ambiente aquático e deixados para morrer fora da água…Pense que isso seria o equivalente a afogar um mamífero na água!
Assim, parece ser difícil para a maioria de nós aceitar que os peixes sejam realmente capazes de sentir dor, pois muitas das nossas atividades que envolvem esses animais teriam que ser radicalmente modificadas, ou mesmo banidas. Mas, com base em tudo que foi mencionado, está mais do que na hora de repensarmos nossas atitudes em relações aos peixes, de sairmos de nossa zona de conforto e mudarmos nossas atitudes, pois há motivos mais do que suficientes para isso!