Este texto é de Lizie Pereira Buss, médica veterinária, pós graduada em gestão pública pela ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), atua com bem-estar animal há dez anos, doutoranda no tema na UnB (universidade de Brasília), resgata e reabilita cães há 20 anos e é responsável pelo conteúdo das mídias da Bicharada da Casa 7 e Instituto Equitare

Cães estão junto das pessoas há muitos milhares de anos. O primeiro animal que foi domesticado para viver perto da gente. Mas mesmo depois de tanto tempo, nós, as pessoas, ainda seguimos sendo negligentes e irresponsáveis com nossos melhores amigos. Esta frase pode parecer dura, mas garanto que não é e logo a seguir explico a razão disso.

Não é possível que após adquirirmos tanto conhecimento sobre fisiologia, comportamento, e patologia desses animais ainda seguimos observando, todos os dias, cães em situações de clara negligência, abandonado e sofrimento. Não sei onde você mora, mas uma breve passada pela periferia da sua cidade vai te mostrar a realidade de milhões de animais neste país. Estamos falhando miseravelmente. Nosso conhecimento não chega aos cidadãos de nossas cidades, ou pelo menos, não chega de forma efetiva para provocar a mudança de comportamento humano em relação a esses animais que é necessária.

Chega de reproduzir cães para vender filhotes que acabam nas ruas e lotam abrigos!

Após 15 anos de formada em veterinária e algumas dezenas de animais que já resgatei, chego à conclusão mais triste de todas: como profissionais, somos incompetentes em prevenir problemas básicos! Precisamos assumir nossa responsabilidade e sermos diretos, objetivos e efetivos para provocar a mudança de comportamento nos tutores. Não tem como continuar sendo evasivo. Precisamos deixar claro que não é ‘ok’, não é normal e não é aceitável comprar um filhote deformado para atender padrões estéticos absurdos. Não é aceitável comprar um filhote ‘de raça’ altamente exigente e doar para quem não tem condições financeiras, físicas e emocionais para cuidar bem dele. Não é ‘ok’ mudar-se e abandonar ou doar o cão. Isso tudo é negligência e abuso!

Muitas vezes fico de coração partido por não poder ajudar mais. Aqui na Bicharada da Casa 7 temos cães de todos os tamanhos, com os mais variados históricos e com todos os temperamentos que você possa imaginar. Todos os animais que resgatei e reabilitei são cães maravilhosos que sofreram do mesmo mal: pessoas despreparadas e mal orientadas, com expectativas irreais sobre os cães!

Se amamos os cães precisamos reconhecer suas necessidades básicas DE CÃES! Eles não são pequenos humanos! Se amamos os cães precisamos respeitar suas características de cães! Eles não precisam de perfumes: eles têm o próprio cheiro, que é importante para sua individualidade. Cães latem, correm, roem, cavam… E mordem! É a desinformação que gera acidentes, abandono, sofrimento e preconceito, além dos consequentes impactos negativos no meio ambiente e na saúde.

Portanto colega veterinário, zootecnista ou mesmo biólogo, eu peço: não incentive a reprodução dos cães; não incentive a aquisição por impulso; promova a castração; estimule a adoção responsável. Oriente de forma clara seus clientes ou outras pessoas com as quais você trabalha sobre o que é um cachorro, o que a família deve saber antes de adquirir um e como pode se preparar para evitar acidentes e problemas que são, antes de tudo, super previsíveis!

E mais, nós – os profissionais envolvidos nessa área – devemos cobrar ações e políticas públicas efetivas dos nossos representantes para o controle populacional e humanitário de cães e também de gatos. Fique tranquilo colega, pois campanhas de castração e vacinação não vão acabar com o seu negócio! Vão estimular mais cuidado e mais atenção, além de aumentar a expectativa de vida dos animais da sua região. Temos que frear a renovação populacional, que expõe tanto animais quanto pessoas a riscos diversos.

É preciso comprometimento para acabarmos com as Fake News do mundo canino, que estimulam expectativas irreais, criando frustração e consequências muito negativas para todos. Faça a sua parte, promova a guarda responsável!