Seleção de habitat – parte 1

Selecionar um habitat para viver e reproduzir-se é algo muito relevante na vida dos animais. Afinal, as características ambientais podem influenciar muito no sucesso de sobrevivência e reprodução. De acordo com a máxima: “Animais escolhem viver em um habitat que os capacite a maximizar o fitness, provendo o que eles precisam para gerar filhotes e aumentar suas chances de sobrevivência”, vemos isso claramente expresso. Assim, devemos esperar que os animais, em geral, expressem claramente uma preferência por um ou ao menos alguns tipos de ambientes, mesmo sendo capazes de viver e se reproduzir em uma série de ambientes diferentes. Nesse sentido, também é naturalmente esperado que os animais expressem adaptações físicas e comportamentais associadas aos seus habitats preferidos, uma vez que devem possuir uma relação estreita com eles. Inclusive, existem condições ambientais extremas e muito desfavoráveis nas quais encontramos certos animais, que são adaptados a essas condições…

Um exemplo claro que demonstra isso é a comparação entre as características morfológicas da raposa do Ártico com aquelas da raposa do Deserto. A raposa do Ártico apresenta uma pelagem branca bem espessa, além de orelhas bem pequenas, enquanto que a raposa do Deserto tem orelhas enormes e bem finas em relação ao tamanho de seu corpo, apresentando também uma pelagem rala e marrom claro. Assim, considerando o habitat natural de ocorrência dessas espécies, vemos uma clara associação entre tais características e o ambiente em que cada uma ocorre. A pelagem branca e espessa da raposa do Ártico permite com que ela permaneça perfeitamente camuflada e, ao mesmo tempo, aquecida em meio à neve intensa. Suas orelhas pequenas reduzem a perda de calor por tais extremidades para o ambiente externo congelante. Por outro lado, a pelagem rala e marrom claro da raposa do Deserto facilita as trocas de calor com o meio externo extremamente quente enquanto também mantém o animal camuflado na paisagem do deserto. Além disso, as grandes e finas orelhas dessa raposa facilitam muito as trocas de calor com o meio externo, o que é importante num ambiente como o deserto. Isso começa a nos mostrar que a escolha do habitat acaba envolvendo muito mais do que “maximizar o fitness”… ou seja, há todo um contexto envolvido. 

Visto isso, ou seja, sobre a importância da relação das características externas do habitat com os animais que nele vivem, agora podemos ver mais especificamente sobre home ranges. Eles contém todas as áreas usadas por um animal durante seus movimentos diários no habitat. Assim, os home ranges devem ser grandes o suficiente, contendo alimento para o animal e seus filhotes além de outros recursos como toca e água. Os tamanhos de um home range variam entre as espécies de acordo com a disponibilidade dos recursos, de forma que o home range de um animal pode  acabar sobrepondo com aquele de outros ou ainda um animal pode se deslocar além de sua área para encontrar parceiros sexuais em época reprodutiva. Por exemplo, o home range de um urso polar pode atingir até cerca de 125.000 Km², sendo suas presas esparsamente distribuídas ao longo desse ambiente.

Agora, voltando a nossa questão inicial, qual seria então a importância em selecionar um habitat mais apropriado considerando agora toda essa relação com o ambiente externo, seu tamanho e suas características? Pelo que vimos até aqui, basicamente a resposta é adaptação. Animais em ambientes preferidos deixam mais descentes e, portanto, tem maior chance de sucesso. Esse processo tem sido bem ilustrado pela relação entre destruição de habitat e declínio populacional (extinção). Os animais, em geral, são tão adaptados a seus habitats de ocorrência que quando tal ambiente é destruído, esses animais não conseguem facilmente sobreviver e/ou reproduzir em outros ambientes. Isso é algo muito relevante quando pensamos no processo de extinção das espécies causadas por destruição e/ou perda/fragmentação de habitat. Assim, o conhecimento das preferências de habitats dos animais deve ser fundamental visando restauração ambiental, manejo e proteção de espécies ameaçadas. Um exemplo que ilustra claramente isso é o de duas espécies de aves: Charadrius alexandrinus e Sternula antillarum. Essas aves preferem nidificar em praias abertas e pequenas ilhas arenosas, sendo que a presença de pessoas e cães acabam resultando em ovos pisoteados e destruídos dessas espécies, diminuindo assim, consideravelmente, o sucesso reprodutivo de ambas. Nesse sentido, a produção de praias artificiais, sem acesso de pessoas e cães, foi essencial para proteger tais espécies. Elas ocuparam tais praias artificiais e passaram a ter sua reprodução bem sucedida. 

Entretanto, mesmo considerando a importância de selecionar habitats preferidos para viver e reproduzir-se, sabemos que nem sempre é possível para os animais ocuparem seus ambientes preferidos. Isso é consistente com a ideia de que na maioria das espécies alguns indivíduos  ocupam os melhores habitats  (população cresce nessas condições) enquanto outros ocupam habitats de condições inferiores (população declina nessas condições). Uma das causas associadas a isso é a competição intraespecífica. Há competidores que não conseguem se inserir nos melhores habitats, pois perdem tais habitats para competidores melhores. Isso está normalmente associado a confrontos agonísticos entre indivíduos da própria espécie, ou seja, a defesa territorial. Tal tema será visto em mais detalhes na próxima postagem aqui do blog!