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Continuando o tema abordado em minha última postagem aqui no blog, hoje vamos ver sobre a relação entre a competição e a seleção de habitat no reino animal. Como já vimos, selecionar o habitat preferido para viver ou se reproduzir tem valor adaptativo, aumentando as chances de sobrevivência e sucesso reprodutivo dos animais. Entretanto, como coloquei ao final de minha última postagem, nem sempre selecionar o habitat mais preferido, com as melhores condições, é possível. Muitas vezes, a principal causa associada a isso é a competição intraespecífica.
Podemos entender esse processo mais facilmente através do exemplo visto no artigo Habitat preference increases territorial defence in brown trout (Salmotrutta) de Johnsson et al (2000). Nesse trabalho, os autores demonstram que o peixe truta marrom (Salmo trutta) defende mais o seu território (onde ele é o animal residente) quando ele é de sua preferência. Ou seja, os ataques a peixes intrusos no território são mais intensos e mais rápidos quando o peixe residente está num ambiente que prefere, acirrando assim a competição por tal ambiente. Nesse contexto, é frequente que animais residentes e que, além disso, estejam em ambientes mais preferidos, defendam mais intensamente seu habitat, dificultando assim que peixes intrusos conquistem esses ambientes. Muitas vezes, animais residentes são machos de melhor qualidade, dominantes, enquanto que intrusos que não conseguem defender e manter um território de boa qualidade geralmente são mais submissos.
Apesar de toda a importância da permanecer/reproduzir em um ambiente preferido visto até agora e claramente demonstrada pela intensa defesa de território como visto no parágrafo acima, a relação direta entre habitat preferido e sucesso reprodutivo nem sempre é válida… Como habitats de melhor qualidade são muito concorridos entre os animais, como exemplificado acima, altas densidades de indivíduos da espécie ocorrem nos locais mais preferidos. Nesse cenário, indivíduos podem ter mais sucesso ao ocuparem ambientes inferiores em qualidade, mas com menor densidade populacional.
Um exemplo claro que demonstra isso é o que ocorre na espécie de peixe conhecida como European pike (Esox masquinongy). A seleção de habitat nessa espécie é baseada na competição. Essa espécie ocorre no Lago Windermere, na Inglaterra, onde há duas bacias com populações dessa espécie, de forma que os indivíduos podem se deslocar entre elas. Os indivíduos que permanecem na bacia sul tem maior sucesso reprodutivo do que aqueles na bacia norte. Assim, é natural esperarmos que os indivíduos facilmente migrem da bacia norte para a sul, buscando os ambientes preferidos e de melhor qualidade. E isso é o que realmente ocorre, mas há um limite. Esses peixes nadam da bacia norte para a sul até o momento em que a alta mortalidade na bacia sul pela alta densidade de indivíduos anula os benefícios associados ao sucesso reprodutivo dos indivíduos nessa bacia. A partir desse ponto, os peixes não migram mais para a bacia sul…
Assim, vemos que, dada a chance, os animais irão se distribuir espacialmente de forma a maximizar seu sucesso reprodutivo,um conceito conhecido como Teoria da distribuição livre ideal. Entretanto, a escolha verdadeiramente livre entre habitats nem sempre é possível, pois alguns indivíduos podem excluir outros dos melhores locais. Ou seja, a seleção de habitat é associada a defesa territorial gerada pela competição pelos locais mais preferidos, que são os de melhor qualidade.
Além disso, outros fatores além da competição intraespecífica afetam a seleção de habitats pelos animais. Veremos mais em minha próxima postagem no blog!
Referência:
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Johnsson JI, Carlsson M and Sundstrom LF. 2000. Habitat preference increases territorial defence in brown trout (Salmo trutta). Behavioral Ecology and Sociobiology, 48(5): 373–377.