Transmissão cultural

Anteriormente falei para vocês aqui no blog sobre o imprinting como uma forma de aprendizagem nos animais. Também falei aqui sobre a imitação como um dos mais complexos processos de aprendizagem que também ocorre nos animais. Agora, vou conversar com vocês sobre o processo de transmissão cultural, que envolve tanto processos de aprendizagem por imprinting quanto aprendizagem por imitação.

Segundo o dicionário de comportamento animal do Dr. McFarland, a transmissão cultural pode ser definida como um comportamento que tem sido passado de uma geração à outra por meios não genéticos. É claro que a evolução ocorre primariamente como um resultado da seleção natural, e a herança genética de características adquiridas, como sabemos, não é possível. Entretanto, a informação pode ser transmitida dos pais (especialmente das mães) para os filhotes através dos processos de imprinting (envolvendo uma janela temporal) e imitação.

Como já foi mencionado aqui, períodos sensíveis de aprendizagem ocorrem no início da vida de muitos animais. Durante tal período, os animais geralmente aprendem a partir dos seus pais, como é o caso de algumas aves canoras, que se lembram do canto dos pais que ouviram durante o período sensível (janela temporal) do imprinting e são capazes de cantá-los mais tarde na vida adulta. Tal tendência de copiar o canto dos pais geralmente leva a uma variação regional entre diferentes populações. Assim, populações separadas por apenas poucos quilômetros podem ter dialetos diferentes. Cada dialeto em si representa uma forma elementar de tradição. Além disso, outras formas possíveis de transmissão cultural (tradição) envolvendo aprendizagem numa janela temporal incluem rotas de migração e hábitos alimentares dos animais. 

Como eu disse acima, a imitação fornece ainda um outro mecanismo de troca cultural nos animais. Assim, os animais podem copiar uns aos outros como um simples resultado de facilitação social (= imitação aparente como resultado de uma tendência de investigar locais onde outros membros da espécie são observados), aprendizagem por observação (= o animal aprende algo pela observação do comportamento de outros e aí aprende a desempenhar o mesmo comportamento por conta própria) ou imitação verdadeira (= cópia direta do comportamento de outros indivíduos). Dessa forma, a transmissão cultural pode ser vertical (transmitida de pais para filhos entre gerações) como descrito no parágrafo acima (comum no imprinting) ou pode ser horizontal, ou seja, entre indivíduos numa mesma geração, como pode ocorrer em casos de facilitação social, aprendizagem por observação ou imitação verdadeira.

Um caso bem interessante que exemplifica a transmissão cultural nos animais é aquele observado em macacos japoneses (Macaca fuscata), em que uma jovem fêmea de uma população de uma ilha aprendeu a lavar as batatas doces nas águas da praia antes de comê-las. As batatas lavadas tinham mais palatabilidade (gosto melhor), pois estavam livres da areia da praia. Tal recompensa reforçou a repetição do comportamento pela fêmea e, com o passar do tempo, tal comportamento foi sendo imitado por outros companheiros do seu grupo e sendo transmitido de uns para os outros.

Assim, vemos que um comportamento tão complexo como a transmissão cultural pode ocorrer em animais não humanos por vários mecanismos distintos, sendo que a transmissão do conhecimento pode ocorrer entre indivíduos de gerações distintas (geralmente pais e filhotes) ou ainda entre indivíduos numa mesma geração.