Usar indicadores de bem-estar ou buscar o que os animais querem?

Já mencionei aqui no blog sobre a busca por indicadores de bem-estar animal e também sobre as dificuldades em utilizá-los, pois podem ser equívocos, dependendo do contexto… Por outro lado, de acordo com a proposta da Dra. Marian Dawkins, muitos pesquisadores começaram a buscar formas de identificar o que os animais querem por meio de testes de preferência e de motivação, os quais também tem suas limitações, como já mostrei para vocês aqui e aqui no blog. Além disso, já mostrei para vocês aqui minhas próprias razões para utilizarmos os testes de preferência e motivação a fim de determinarmos condições que melhorem o estado de bem-estar dos animais. Entretanto, será que a determinação das vontades dos animais é uma abordagem que exclui a busca e utilização de indicadores fisiológicos e comportamentais de bem-estar?

Já começo dizendo a vocês que não… Indicadores fisiológicos ou comportamentais podem ser muito úteis, dependendo do contexto. Níveis de estresse elevados não são sinônimos de condições ruins de bem-estar, como eu já expliquei, mas dependendo das condições ambientais e da associação à resposta observada para outros indicadores – por exemplo um indicador comportamental – o estresse pode indicar que um animal não está numa boa condição. Por exemplo, numa situação estável de cativeiro como um zoológico ou em condições ambientais mais padronizadas como um laboratório, se um animal saudável apresentar níveis elevados de cortisol e algum comportamento alterado, é claro que ele se encontra numa condição ruim. Por outro lado, apenas se comportar de forma inesperada num ambiente não natural, não necessariamente indica que o animal está numa situação ruim, como eu já falei pra vocês. Além disso, muitos pesquisadores utilizam apenas os níveis hormonais de cortisol no organismo para inferir a resposta ao estresse, concluindo que o animal não está estressado se não apresenta elevados níveis de cortisol. Entretanto, há estudos mostrando que há outras variáveis fisiológicas que respondem ao estresse em situações nas quais o cortisol não é alterado.

Assim, vemos que as principais limitações dos indicadores fisiológicos e comportamentais estão ligadas ao contexto. Não podemos inferir se um animal está bem ou não sem considerar os estímulos ambientais que o cercam (ou a falta de), seu estado interno de saúde e também ao fato de inferir a condição de bem-estar do animal baseada em apenas um tipo de indicador. Há pesquisadores que recomendam usar vários tipos de indicador para inferir a resposta de bem-estar de um animal, mas ainda assim pode haver problemas… Às vezes, um indicador pode nos mostrar que um animal está bem, dependendo do referencial, e outro pode nos mostrar o oposto… Por exemplo, como foi demonstrado num estudo, galinhas poedeiras, se mantidas em sistemas onde tem liberdade de se deslocar e tomar banhos de terra, vão reduzir consideravelmente a expressão do comportamento de bicar e arrancar penas de outras galinhas. Entretanto, tais galinhas desenvolvem algumas doenças com mais frequência. Assim, se estamos considerando apenas variáveis fisiológicas, diríamos que tais galinhas estariam em condições ruins de bem-estar, mas se considerarmos toda a situação, levando em conta a expressão comportamental do animal, diríamos que a situação de bem-estar está melhor em tais sistemas abertos. 

O mesmo pode ser dito na determinação das preferências dos animais, como eu já discuti aqui no blog com vocês. Se o que o animal prefere ou deixa de preferir melhora suas condições de bem-estar, vai depender do contexto… Quando um animal prefere consistentemente ou demonstra estar muito motivado para acessar uma droga ao invés de alimento (mesmo que passe fome significativamente para isso), tem um vício envolvido no contexto, o que, na verdade, tira a “liberdade psicológica” de escolha do animal. Ou seja, novamente vemos que a interpretação da resposta do animal está ligada ao contexto, à situação em que ele se encontra. Assim, na verdade, tanto em testes de preferência/motivação quanto em situações onde se usa indicadores fisiológicos e comportamentais para determinar as condições de bem-estar, é fundamental considerar o contexto ambiental. E, mais importante do que isso, tais abordagens devem se complementar, não se anular, pois nenhuma delas é completamente inequívoca independentemente do contexto. Pelo contrário, usar ambas as abordagens deve favorecer a determinação das condições em que o animal se encontra, bem como melhorá-las!