Ir para conteúdo
Voltando à questão do bem-estar animal, uma questão muito polêmica envolvida é a manutenção de animais silvestres em recintos de zoológicos. Por um lado, muitas pessoas defendem a existência dos zoológicos por vários motivos, como a educação, a pesquisa científica e a sobrevivência de indivíduos ou mesmo de toda uma espécie silvestre que não consegue mais viver em seu ambiente natural. Por outro lado, há pessoas que abominam a existência dos zoológicos pelas condições ruins dos ambientes aos quais os animais são frequentemente mantidos, além de serem diariamente expostos ao público. Geralmente essas pessoas argumentam que os zoológicos deveriam ser fechados e os animais deveriam ser soltos. Mas qual seria a melhor alternativa? Manter ou fechar os zoológicos?
É mais do que frequente observarmos animais em péssimas condições nos zoológicos. Na maior parte das vezes, os animais estão restritos a um ambiente pequeno, extremamente previsível e estático, sendo alimentados todos os dias pelos mesmos tratadores, num mesmo horário e ainda com o mesmo tipo de alimento. Todas essas características geram uma monotonia muito grande ao longo do tempo, algo ao que os animais não estão acostumados na natureza, que geralmente é dinâmica e muitas vezes imprevisível. Algumas dessas características dos ambientes de zoológico podem ainda ser mais prejudiciais dependendo da espécie. Por exemplo, um felino silvestre de grande porte naturalmente ocupa um extenso território na natureza e caça ativamente suas presas. Para esses animais, ficar confinado a um ambiente infinitamente menor do que seu hábitat natural e receber o alimento pronto, inerte, já em pedaços e no mesmo horário diariamente vai totalmente na contramão do que ocorreria em seu ambiente natural. Tudo isso frequentemente leva os animais de zoológico a expressarem comportamentos anormais, como as estereotipias (veja definições aqui), bem como a permanecerem frustrados e portanto, em péssimas condições de bem-estar.
Além disso, muito do que se argumenta sobre a favor dos zoológicos com base na educação e na pesquisa científica desenvolvidas em tais ambientes não tem um embasamento adequado. Isso ocorre porque embora educar as pessoas em relação ao hábito de vida e comportamento dos animais silvestres seja realmente importante, pouco ainda tem sido feito, ao menos no Brasil, para que efetivamente alguma educação adequada esteja envolvida na visitação pública nos zoológicos. Placas de madeira com a foto, o nome da espécie e alguns de seus hábitos? Além de não representarem muito, muitas vezes as pessoas sequer reparam nelas! É preciso um trabalho mais efetivo, que envolva a interação direta e dinâmica do público e especialistas que estejam presentes para assessorar na transmissão da informação adequada. Com relação à pesquisa científica desenvolvida em zoológicos, muitas vezes ela também não é aplicada de forma efetiva, envolvendo assim falhas do método científico. Assim, muitas pesquisas em zoológicos acabam comprometidas e então não resultam em conclusões relevantes e/ou confiáveis. Além disso, ainda pouco se pesquisa em zoológicos.
Entretanto, apesar de tudo isso, os zoológicos acabam sendo um dos únicos redutos para animais que realmente estão permanentemente impossibilitados de viverem na natureza. Por exemplo, um animal silvestre que foi criado por humanos de forma antropomórfica por muitos anos, dificilmente poderá ser solto em vida livre novamente, mesmo que passe por um treinamento. Tais animais normalmente já sofreram imprinting (veja definição aqui) e, portanto, tem os seus comportamentos naturais alterados de forma mais permanente, muitas vezes não sendo mais capazes de conseguir seu próprio alimento e comportar-se de forma completamente natural. Além disso, animais mutilados muitas vezes também não podem mais ser soltos na natureza, pois também podem não ser mais capazes de competir com outros animais, adquirir seu próprio alimento e sobreviver na natureza. Ou seja, há animais silvestres que não estão em condição alguma de serem soltos na natureza, pois estariam completamente condenados em tal situação.
Há ainda a questão dos animais provenientes do tráfico. Quando tais animais são capturados, eles não podem ser imediatamente soltos. Eles devem passar por um processo de recuperação e até mesmo algum treinamento, antes de retornarem à vida livre. É claro que receber esses animais em zoológicos não é o ideal, mas as vezes outras instituições que poderiam recebê-los de forma mais adequada estão mais do que lotadas e, assim, tais animais acabam indo parar em zoológicos. Se não houvesse os zoológicos, o que aconteceria a esses animais? Além disso, há espécies de animais silvestres que apenas foram salvas da extinção graças a sua manutenção em zoológicos, como por exemplo o cavalo da Mongólia. Outras espécies em declínio tiveram suas populações naturais incrementadas por indivíduos criados e mantidos em zoológicos através de planos de reprodução em cativeiro. Ou seja, a extinção, ao menos de algumas espécies, pode ser evitada pela manutenção de indivíduos dessas espécies em cativeiro, incluindo os zoológicos.
Assim, vemos que a existência dos zoológicos é ainda necessária e pode salvar indivíduos ou mesmo espécies inteiras como foi visto. Dessa forma, mesmo considerando as péssimas condições em que boa parte dos animais cativos são mantidos em zoológicos, eu acredito que tais instituições devem continuar existindo e que nosso dever é trabalhar para melhorar cada vez mais as condições de cativeiro nesses locais. É aqui que entram os programas de enriquecimento ambiental (veja definição aqui) e a busca pela avaliação e disponibilização das preferências dos animais em seus recintos. Também é aqui que entra a necessidade de melhorar muito o processo de educação, pesquisa e reprodução de animais em cativeiro. E tudo isso é possível. Há exemplos de zoológicos-modelo que ocorrem ao redor do mundo (como por exemplo, na Austrália), nos quais as condições em que os animais são mantidos estão muito mais próximas de suas condições naturais e muito além das que vemos frequentemente em zoológicos por aqui. Além disso, há zoológicos em que a interação com o público é muito mais efetiva e dinâmica, realmente gerando um processo educacional efetivo. E, claro, há pesquisas científicas desenvolvidas de forma apropriada e que tem gerado conhecimento relevante, inclusive auxiliando a melhorar as condições dos animais cativos.
Nesse contexto, encerro este ponto de vista argumentando a favor da manutenção de zoológicos como instituições necessárias para a sobrevivência de indivíduos ou mesmo de espécies de animais silvestres. Mas não deixo de reforçar a necessidade de melhorar as condições de cativeiro e efetivamente envolver a educação, a pesquisa científica e a reprodução como ferramentas que realmente beneficiem os animais de forma direta ou indireta.