Plantas transgênicas: ciência que devemos incentivar

Publicado por Descascando a ciência em

Aprovação do trigo transgênico no Brasil volta a levantar questões sobre a segurança e o processo regulatório da tecnologia trasngênica no País.

Começo do ano foi aprovado para plantio o trigo transgênico HB4, variedade tolerante à seca e resistente ao herbicida glufosinato. A aprovação fez com que organizações contrárias as plantas transgênicas exigissem o cancelamento da aprovação. A discussão acaba trazendo para a população dúvidas e insegurança.

Toda planta transgênica é um produto da ciência, resultado de anos de pesquisa e responsável por promover inovação na agricultura mundial. Por isso é importante compreender como essa tecnologia funciona e como ela é desenvolvida.

Simplificando as plantas transgênicas

A insegurança sobre uma tecnologia quase sempre vem por medo do desconhecido. Por isso a importância de conteúdos apresente um pouco da história. Quer saber quais descobertas levaram ao desenvolvimento do trigo transgênico e outras plantas transgênicas?

Plantas transgênicas, quando surgiu?

O termo “transgênico” surgiu na década de 1970 como uma combinação das palavras “trans” (que significa “além”, “através” ou “do outro lado”) e “gene” (que se refere a uma unidade de herança genética). Esse termo foi adotado para descrever organismos que receberam genes de outra espécie por meio da biotecnologia.

A técnica de transferência de genes entre diferentes organismos já era utilizada antes da criação do termo “transgênico”, mas o termo em si foi adotado para designar especificamente os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) que receberam genes de espécies sexualmente não compatíveis, ou seja, não aconteceria por meio da reprodução sexual.

Um parêntese:  A transferência de genes entre espécies não compatíveis sexualmente acontece na natureza (é natural). Pesquisadores aprenderem a fazer isso em laboratório e de forma controlada.

Como os cientistas escolhem os genes?

Os genes são segmentos específicos de DNA. Cada gene é uma “receita” para produção de uma proteína. Existem casos em que uma proteína pode ser a responsável por fazer bactérias matarem insetos, plantas sobreviverem em regiões com pouca água, a produzirem mais uma vitamina e por aí vai.

Grupos de pesquisa passam décadas estudando um microrganismo, uma planta e ou um animal para encontrar pelo menos uma proteína (e sua receita) que tenha potencial de causar algum impacto na área médica, agrícola, combustível, farmacêutica, entre outras. Com isso, é feito todo um estudo para entender como essa proteína funciona naquele organismo – chamamos isso de pesquisa básica, é uma das etapas mais complexas e demoradas no desenvolvimento de uma tecnologia.

Veja alguns resultados desse tipo de pesquisa:

Foi identificado que a tolerância do girassol a falta de água é conferida pela proteína produzida pelo gene HaHB4.

Estudos de microrganismos que vivem no solo resultaram na descoberta da bactéria Streptomyces hygroscopicus. Posteriormente foi descoberto que essa bactéria possuía um gene (nomeado de: bar), esse gene contém a receita para produção de uma proteína (PAT) que inativa o glufosinato de amônio (molécula que faz parte de herbicidas).

No início de 1900, pesquisadores identificaram a bactéria Bacillus thurigiensis como responsável pela morte de milhares de larvas do bicho seda e de traças da farinha. Atualmente, sabe-se que essa bactéria possui uma série de genes (chamados de: Cry) que funcionam como receitas para produção de proteínas que são tóxicas para grupos específicos de insetos (entre eles: mariposas, besouros e moscas) – Por exemplo, o gene CryA é efetivo contra mariposa, o CryB contra moscas…

Esses são alguns dos genes que hoje fazem parte de algumas das plantas transgênicas cultivadas no Brasil.

Voltando ao trigo transgênico

A única diferença entre o trigo transgênico HB4 e outras cultivares de trigo não transgênicos é a presença dos genes HaHB4 e bar, que fazem com que a cultivar transgênica seja tolerante à seca e resistência ao herbicida glufosinato.

Não é a primeira vez que nenhum desses genes são aprovados no Brasil ou no mundo. O gene HaHB4 também faz parte de uma soja transgênica tolerante à seca aprovada, no Brasil, em 2019 – Argentina aprovou em 2015, Estados Unidos em 1017, Canadá em 2021 e Austrália em 2022.

Enquanto o gene bar é ainda mais antigo e comum, está presente em pelo menos 57 eventos de plantas transgênicas. No mundo é possível encontrar plantas de chicória, canola, arroz, milho, algodão e soja. No Brasil, a primeira aprovação de uma planta transgênica com esse gene aconteceu em 2008 – um algodão transgênico.

Incentivar a ciência impulsiona a inovação e tornam tecnologias mais acessíveis

A pesquisa e o desenvolvimento de uma planta transgênica são longos e bastante caro – ultrapassa os 100 milhões de dólares e pode levar até 20 anos. Esse custo somado ao pré-conceito de grande parte da população – construído por campanhas negacionistas e que foi propagado por diversas organizações – dificultou a expansão dessa tecnologia para outras culturas e características.

O arroz transgênico rico em vitamina A e o feijão transgênico resistente a uma doença causada por vírus são exemplos do que essas campanhas causaram: atraso na entrega de importantes tecnologias. A primeira é capaz de reduzir a morte de crianças pela falta de vitamina A em regiões onde a deficiência por vitamina A é considerada um problema de saúde pública, enquanto o feijão poderia ter reduzido em muito os gastos e aplicação de inseticidas em lavouras de feijão.

Tanto o arroz quanto o feijão transgênico foram desenvolvidos por instituições públicas. Essas tecnologias poderiam estar disponíveis para população há pelo menos 10 anos, no entanto começaram a ser cultivadas comercialmente nessa década (2020) – Principal motivo: Impacto das campanhas negacionistas e do alto custo para liberação comercial, o que torna muito arriscado o investimento em algo que tem baixa aceitabilidade da sociedade.

No Brasil, existem tecnologias transgênicas aprovadas apenas para sete espécies de plantas (soja, milho, feijão, cana-de-açúcar, eucalipto, algodão e mais recentemente o trigo). Em todo o mundo existem disponíveis muitas outras espécies de plantas com tecnologias transgênicas, entre elas: berinjela, mamão, abacaxi, petúnia, rosa, girassol, tomate, pimenta e muitas outras. Algumas dessas poderiam melhorar a produção de alimentos no País e com a melhor aceitabilidades dessas tecnologias pela população, muitas outras poderia ser desenvolvidas.

Quer saber mais sobre as plantas transgênicas?

Nós do Descascando em parceria com o Nunca Vi um Cientista produzimos em 2021 um conteúdo bem completo com texto e vídeos falando sobre a pesquisa, desenvolvimento e segurança das plantas transgênicas.

Você pode acessa-lo aqui: Transgênicos: é hora de perder o medo.

Nosso Instagram também está cheio de conteúdos que falam sobre o assunto e ainda mostramos como o desenvolvimento das plantas transgênicas acontece, segue a gente lá: @descascandoaciencia.

O Instituto Questão Ciência presidido pela Dra Natalia Pasternak – pesquisadora que ganhou bastante destaque durante a pandemia da COVIDA-19 por combater “fake news” produzidas por grupos negacionistas antivacinas – também possui conteúdos bem interessantes sobre as plantas transgênicas, veja nos links a seguir:

Principais referências:

Aragão, F. J. L., et al. Molecular characterization of the first commercial transgenic common bean immune to the Bean golden mosaic virus. Journal of Biotechnology, 2013.

Ayala, F., et al. Compositional equivalence of event IND-ØØ412-7 to non-transgenic wheat. Transgenic Research, 2019.

Bioceres Crop Solutions Corp. Announces Regulatory Approval of Drought Tolerant HB4® Wheat in Argentina. Disponível em: https://investors.biocerescrops.com/news/news-details/2020/Bioceres-Crop-Solutions-Corp.-Announces-Regulatory-Approval-of-Drought-Tolerant-HB4-Wheat-in-Argentina/default.aspx.

CTNBio. Audiência pública CTNBIO – Trigo HB4. Disponível em: http://ctnbio.mctic.gov.br/documents/566529/2279701/Palestra+Bioceres/9958dc8f-2dcb-4c87-be50-8489debeae71?version=1.0.

Peng, Q., Yu, Q., e Song, F. Expression of cry genes in Bacillus thuringiensis biotechnology. Applied Microbiology and Biotechnology, 2019.

Silva, R. S., et al. Transgenic Elite Lines of Carioca Seeded Common Bean (Phaseolus Vulgaris L.) With Multiple Resistance to Viruses Reduce Cowpea Mild Mottle Virus Transmission. Euphytica (Preprint). 2022.

Souza, T., et al. The 10,000-Year Success Story of Wheat! Foods, 2021.

Stokstad, E. Bangladesh could be the first to cultivate Golden Rice, genetically altered to fight blindness. Science magazine, 2019.


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1 comentário

isabel · 19 de fevereiro de 2024 às 23:28

Não vim dizer que a engenharia genética é algo maléfico ou que não tem importantes contribuições para a saúde humana, com fundamental contribuição em vacinas e diversos tratamentos médicos. Mas vim apontar que não se pode chamar algo de negacionismo quando não há consenso científico verdadeiro. Enquanto no Brasil se propagandeia um falso consenso sobre a segurança dos transgênicos, mundo afora extensas revisões de literatura demonstram a falta deste, ao passo em que discute-se abertamente o quanto, ao contrário do que diz a propaganda há décadas, diversos cultivares transgênicos só aumentaram a necessidade do uso de agrotóxicos (os quais, aliás, Pasternak diz em publicações online que uma xícara de um aí é mais seguro do que tomar um cafezinho). Isso tudo sem falar de questões éticas, dos cultivares tradicionais milenares dos territórios, ou das contaminações de plantios que comprometem o rendimento de pequenos produtores nas diversas cooperativas ao redor do país, visto que, bom lembrar, diversos países não importam transgênicos e não autorizam seus cultivos, fazendo com que as cooperativas paguem menos pela produção contaminada.
Em relação especificamente ao trigo HB4, os dados do INASE na campanha 2021/2022, quando houve pela primeira vez o cultivo em escala em território argentino, mostraram resultados de resistência à seca inferiores às variedades convencionais, com exceção de dois departamentos, contrariando a propaganda insistente da Bioceres. Ainda, os testes de segurança obrigatórios pela CTNBio foram feitos de maneira irresponsável, de curto prazo, ineficiente, sem considerar sequer o glufosinato de amônio sendo aplicado ao plantio (que, vale lembrar, é proibido na Europa desde 2009 graças à ampla evidência de distúrbios reprodutivos e neurológicos), sem esclarecer 6200 pares de base modificados, e sem transparência alguma ao longo do processo (vejam vocês mesmos, que o vídeo das audiências foram removidos do canal do youtube da CTNBio), contrariando todos os compromissos de tratados já assinados pelo Brasil em relação à aprovação de OGMs (como o protocolo de Cartagena). Nada disso é negacionismo: é simplesmente o que aconteceu e está amplamente documentado, em literatura científica no Brasil e ao redor do mundo. Novamente: isso não é sobre ser contra uma tecnologia, mas é sobre olhar criticamente e entender seus vieses e seus problemas, podendo questionar se podemos ignorar processos malfeitos e relações de poder para estimulá-la, especialmente num país como o Brasil. Não há razão para não ter esse debate de forma ampla e com participação popular, além da pressa de alguns em ganhar com isso (faço uma menção honrosa à Bayer-Monsanto que já lucrou bilhões, até mesmo com patente vencida de soja RR e algodão, nas costas dos produtores brasileiros e indianos).

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