O papel dos bioinsumos na agricultura moderna

Publicado por Descascando a ciência em

Dos primórdios do controle biológico às inovações, como microbiomas sintéticos, os bioinsumos estão transformando a agricultura moderna. Através da união da ciência, MIP e tecnologias complementares, eles reforçam que no campo, o sucesso está no manejo inteligente e integrado.

Os bioinsumos emergem como uma solução essencial para a agricultura moderna, promovendo tanto a sustentabilidade quanto a eficiência produtiva. Inspirados pela diversidade biológica, desempenham um papel fundamental no manejo integrado de pragas, na melhoria da saúde do solo e na redução dos impactos ambientais. O Brasil, com sua reconhecida capacidade de pesquisa e um setor agrícola altamente competitivo, consolida-se como líder global no desenvolvimento de bioinsumos adaptados às condições tropicais, graças ao investimento crescente em inovação.

O que são os bioinsumos?

Os bioinsumos são produtos de origem biológica desenvolvidos a partir de microrganismos, insetos, plantas ou substâncias naturais. Eles desempenham diversas funções importantes no campo: promovem o crescimento das plantas, controlam pragas e doenças, aumentam a fertilidade do solo e fortalecem a resistência das culturas frente a condições ambientais adversas.

O termo “bioinsumos” foi criado como um conceito guarda-chuva para englobar tecnologias e estratégias já conhecidas, como controle biológico, produtos biológicos, biofertilizantes, inoculantes, bioestimulantes e biodefensivos. Essa abordagem facilita a criação de um arcabouço regulatório que incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias, atrai investimentos e padroniza a qualidade dos produtos disponíveis no mercado.

A definição oficial de bioinsumos no Brasil foi consolidada com o Decreto nº 10.375/2020, que instituiu o Programa Nacional de Bioinsumos. Esse decreto descreve os bioinsumos como produtos, processos ou tecnologias de origem biológica (animal, vegetal ou microbiana) que promovem interações positivas no desenvolvimento de plantas, microrganismos e sistemas produtivos.

Classificação dos bioinsumos

Os bioinsumos podem ser classificados conforme suas funções e composições, incluindo:

  • Biodefensivos: controlam organismos nocivos por meio de microrganismos, substâncias naturais e inimigos naturais.
  • Biofertilizantes: melhoram a qualidade do solo e das plantas, aumentando a produtividade.
  • Bioestimulantes: estimulam o desenvolvimento vegetal e promovem o equilíbrio hormonal das plantas.
  • Inoculantes: contêm microrganismos que favorecem o crescimento saudável das plantas.

Divisão do mercado de bioinsumos

A evolução dos bioinsumos na agricultura: das práticas antigas à inovação moderna

Primeira fase: os primórdios do controle biológico

O uso de bioinsumos remonta há mais de 3.000 anos, quando, na China, formigas foram empregadas para controlar pragas em plantações de laranja. No Brasil, registros iniciais datam da década de 1920, com a introdução de parasitóides como Encarsia berlesei e Aphelinus mali para o controle de pragas específicas na produção de pêssegos e maçãs. 

Na década de 1970, pesquisadores da Embrapa Trigo promoveram um marco ao utilizar agentes biológicos no controle de pulgões em lavouras de trigo no Rio Grande do Sul. Com o apoio da FAO e da Universidade da Califórnia, parasitóides específicos foram introduzidos em 1978, controlando a praga e reduzindo em mais de 90% o uso de inseticidas na região. 

Ainda, na década de 70, iniciou-se a utilização da famosa vespinha da cana-de-açúcar, a Cotesia flavipes. O primórdio dos trabalhos aconteceu no estado de São Paulo, com os estudos sobre manejo da broca-da-cana, Diatraea saccharalis, no PLANALSUCAR (Programa Nacional de Melhoramento de cana-de-açúcar).

Estes programas foram marcos doinício da implementação dos bioinsumos no Brasil.

Segunda fase: padronização e controle de qualidade

Nos anos 1980, a agricultura brasileira enfrentou um desafio significativo com a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis). A solução foi o uso do Baculovirus anticarsia (AgNPV), um vírus entomopatogênico eficaz contra a praga. Inicialmente, o programa cobriu apenas 2 mil hectares, de forma artesanal, sem produtos comerciais ou controle de qualidade.

O cenário mudou quando empresas privadas começaram a produzir o AgNPV em formulações comerciais, como o pó molhável à base de caulim, trazendo maior garantia de eficiência. Esse avanço resultou na ampliação da área tratada, que chegou a 1,2 milhão de hectares em 1998. Termos como “bioinseticidas” e “produtos biológicos” tornaram-se mais conhecidos, marcando o início da popularização dos bioinsumos entre os agricultores.

Terceira fase: consolidação e escalabilidade

Na década de 2000, os bioinsumos passaram por uma transformação significativa com investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Empresas nacionais e internacionais aprimoraram as formulações, tornando os produtos mais concentrados e eficazes.

Um exemplo notável foi o avanço na produção em larga escala de parasitóides como Trichogramma galloi, utilizado no controle de pragas como a broca-da-cana. O desafio de atender à enorme demanda da cultura da cana-de-açúcar foi superado com a instalação de laboratórios modernos, permitindo uma verdadeira industrialização da criação desses insetos.

Entre 2000 e 2010, os bioinsumos consolidaram sua presença na lavoura, com mais de 3 milhões de hectares de cana-de-açúcar tratados com agentes biológicos, evidenciando a escalabilidade e o impacto positivo dessa tecnologia.

Quarta fase: bioinsumos de alta performance 

A partir de 2010, os bioinsumos entraram em uma nova era marcada por avanços significativos na pesquisa e no desenvolvimento de produtos de alta performance. 

Investimento em melhoramento genético de microrganismos por meio de tecnologias como a fusão de protoplastos e a seleção de cepas adaptáveis resultaram em microrganismos mais eficientes, como o Trichoderma harzianum e o Beauveria bassiana, capazes de atuar com maior eficácia em diferentes condições ambientais.

No campo dos bioinseticidas, o Bacillus thuringiensis (Bt) e o Nucleopolyhedrovirus (HearNPV) ganharam destaque durante o surto de Helicoverpa armigera (2012-2013), contribuindo até hoje com o manejo em  diversas culturas, como  soja, milho e algodão. Estes agentes biológicos mostraram elevada eficiência no combate às pragas, reforçando a confiança dos produtores nos bioinsumos.

Essta fase também trouxe novas estratégias de aplicação, unindo inovação tecnológica e sustentabilidade. Um exemplo foi o desenvolvimento do Biodrop, um sistema de cápsulas biodegradáveis para a liberação de parasitóides, aplicado por drones em plantações, como na cultura da cana-de-açúcar. Essa solução inovadora, que tive a oportunidade de desenvolver em 2017 pela Agribela, nasceu do desejo de unir precisão e eficiência no uso de macrorganismos, permitindo maior alcance, redução de custos operacionais e impacto positivo na sustentabilidade do campo.

Também houve evolução  em termos de tecnificação. Produtos com combinação de cepas e microrganismos, melhorias na formulação resultaram em produtos mais estáveis, com maior tempo de prateleira, qualidade superior e maior eficiência no controle de pragas e doenças. Essas inovações possibilitaram o escalonamento do uso de bioinsumos em culturas de grande escala, consolidando sua posição como ferramentas indispensáveis na agricultura moderna.

Quinta fase: produtos inteligentes e microbiomas sintéticos

Atualmente, o mercado de bioinsumos avança para uma nova fronteira de inovação, marcada pelo uso intensivo de biotecnologia e ferramentas analíticas avançadas. Essa geração se caracteriza pela aplicação de tecnologias como transformação genética, edição gênica e técnicas “ômicas” — como metagenômica e transcriptômica. Essas abordagens permitem compreender, mapear e manipular microbiomas de maneira mais precisa, ampliando a eficiência e a aplicação dos bioinsumos.

Uma das inovações desta geração é o conceito de SynComs (Comunidades Microbianas Sintéticas). Ao contrário das formulações tradicionais, que normalmente utilizam um único microrganismo ou poucos ativos biológicos, os SynComs replicam a diversidade e funcionalidade de microbiomas naturais. Essas comunidades microbianas são criadas para oferecer maior resiliência às plantas, com capacidade de adaptação a variações ambientais e combate a múltiplos patógenos simultaneamente.

Além disso, a evolução no desenvolvimento de bioinsumos inclui novas estratégias para maximizar a interação entre microrganismos e plantas. Produtos mais sofisticados não apenas promovem a saúde das culturas, mas também fortalecem a capacidade das plantas de responder a estresses abióticos, como seca e salinidade. Esses avanços não só ampliam a eficiência dos bioinsumos, mas também posicionam o Brasil como um dos líderes na adoção dessas tecnologias inovadoras. A combinação de ciência e inovação promete transformar os sistemas produtivos, promovendo maior sustentabilidade e segurança alimentar global.

Integração tecnológica: bioinsumos, MIP e a agricultura moderna

A agricultura moderna é uma soma de tecnologias e estratégias. Enquanto o desenvolvimento e a adoção de bioinsumos cresce, é importante lembrar que toda tecnologia funciona melhor quando integrada a outras ferramentas, como defensivos químicos, fertilizantes, irrigação e monitoramento climático, assim como o Manejo Integrado de Pragas (MIP) potencializa os resultados, garantindo eficiência e sustentabilidade.

Os bioinsumos, como biodefensivos e inoculantes, são aliados indispensáveis, mas não substituem o papel dos defensivos químicos no controle de todas as pragas e doenças ou dos fertilizantes no fornecimento de nutrientes essenciais às plantas. Da mesma forma, a irrigação e as novas tecnologias de sensoriamento remoto permitem um manejo hídrico mais preciso, favorecendo a saúde da lavoura e auxiliando na mitigação dos efeitos climáticos.

A produção agrícola exige uma visão abrangente e cuidadosa: é o equilíbrio entre todas essas tecnologias que garante resultados consistentes e a preservação dos recursos naturais. Como costumo dizer: “Não existe milagre, existe manejo.” Por mais importantes que sejam os bioinsumos, eles não são uma solução isolada, mas sim parte de um sistema integrado que promove o sucesso no campo.

Sobre os autores:

Dra. Gabriela Vieira: Engenheira agrônoma, bióloga, doutora em fitossanidade e é especialista em Manejo Integrado de Pragas (MIP) e produtos biológicos. Trabalha como consultora, palestrante e treina profissionais do agro no Brasil todo.

Dr. Paulo Camargo é sócio-diretor do Descascando a Ciência. Biólogo, mestre em microbiologia e doutor em biologia funcional e molecular.

Principais referências

Fontes, E. M. G. e Valadares-Inglis, M. C. Controle biológico de pragas da agricultura. 1. ed. Brasília: Embrapa, 2020.

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. (2024). Bioinsumos. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/inovacao/bioinsumos. Acesso: 20/20/2024.

PARRA, J. R. P. Biological Control in Brazil. Scientia Agricola, 2014.

Sarroco, S. Biological Disease Control by Beneficial (Micro)Organisms: Selected Breakthroughs in the Past 50 Years. Phytopathology, 2023.


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