Glúten: da revolução do pão às dúvidas no prato
Você já ouviu que glúten faz mal?
Talvez até tenha cogitado cortar o pãozinho da dieta. Mas antes de excluir alimentos, vale a pena conhecer a história dessa proteína do trigo que atravessa milênios — e que, para muita gente, ainda causa confusão.
O que é e como ele surgiu
O glúten é um complexo proteico formado pela combinação de duas proteínas: gliadina e glutenina. Essa união acontece quando a farinha de trigo entra em contato com a água, e é estimulada, formando uma rede elástica que é fundamental na panificação.
Mas a origem dessa proteína vai muito além da cozinha.
A história começa há cerca de 10 mil anos, com um “match genético” entre duas gramíneas selvagens. Esse cruzamento natural deu origem a um tipo de trigo com DNA mais complexo, capaz de produzir o glúten — uma novidade evolutiva que mudou para sempre a forma como fazemos pão.
Com o tempo, novos cruzamentos aconteceram e o trigo moderno passou a carregar três genomas completos (AABBDD). Resultado? Mais proteínas e um glúten cada vez mais complexo.
Por que o glúten é importante na panificação?
Esse “upgrade genético” transformou o glúten numa proteína elástica, interativa com a água e cheia de cadeias de aminoácidos.
É essa estrutura que permite que a massa cresça, fique aerada e o pão tenha textura macia. Ou seja, sem glúten, não haveria aquele pão fofinho que você ama.
Hoje, está presente em diversos alimentos feitos com trigo, centeio ou cevada, como bolos, massas, pizzas e cereais.
Glúten faz mal? Entenda doença celíaca e intolerância
Para a maior parte das pessoas, o glúten não representa risco à saúde. No entanto, há condições específicas em que ele deve ser evitado:
O que é doença celíaca? É uma condição autoimune em que o sistema de defesa ataca o intestino ao detectar fragmentos de gliadina, causando danos à parede intestinal. Isso afeta a absorção de nutrientes e pode levar a sintomas como diarreia, anemia, perda de peso, alterações neurológicas e dermatológicas.
Sensibilidade ou intolerância – não celíaca: provoca sintomas gastrointestinais e desconfortos, mas sem a resposta autoimune da doença celíaca.
Microbiota intestinal e sua relação com o glúten
Nos últimos anos, pesquisas revelaram que o glúten e a microbiota intestinal têm uma relação mais próxima do que se imaginava.
Pessoas com intolerância ou doença celíaca apresentam um desequilíbrio na microbiota, com menos bactérias benéficas e mais bactérias inflamatórias. Algumas bactérias saudáveis conseguem quebrar a gliadina antes que ela cause danos — ajudando a evitar inflamações.
Isso significa que um intestino com microbiota diversificada e equilibrada pode ajudar na tolerância ao glúten. Por outro lado, desequilíbrios desde a infância podem aumentar o risco de desenvolver reações negativas a essa proteína.
Cerveja e glúten: tradição, inovação e inclusão
Você sabia que o glúten também está na cerveja?
Isso porque ele está presente em um dos ingredientes tradicionais da bebida, a cevada.
Mas o que pouca gente sabe é que a cerveja, fermentada há mais de 7 mil anos, pode ter sido o principal motivo para começarmos a cultivar grãos. E, como tradição também pode evoluir, hoje temos:
- Cerveja sem glúten feita com ingredientes como arroz, milho, quinoa ou sorgo.
- Cerveja com cevada + enzimas, que quebram o glúten durante a fermentação.
Para pessoas com doença celíaca, no entanto, só é seguro consumir cervejas com certificação “gluten-free”.
Cortar ou não cortar? O que a ciência diz?
Pães, massas e cereais costumam ser fontes importantes de:
- Fibras
- Vitaminas do complexo B
- Ferro, zinco e magnésio
Devo cortar o glúten mesmo sem intolerância?
Não. Alimentos com glúten são nutritivos. Retirá-los sem orientação médica pode causar desequilíbrios nutricionais.
Por isso, cortar o glúten sem diagnóstico médico pode ser prejudicial. A recomendação da ciência é clara: somente pessoas com intolerância, sensibilidade ou doença celíaca devem evitá-lo.
Um olhar mais equilibrado sobre o glúten
Quando você morde um pão quentinho, está saboreando milhares de anos de evolução, conhecimento científico e tradições alimentares.
O glúten não é um vilão universal — é uma proteína complexa, funcional e parte da nossa história. Mais do que seguir dietas da moda, é preciso compreender o papel do glúten no corpo e na cultura.
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Principais referências
CARREIRO, Denise. Glúten: toxicidade, reações e sintomas. 1. ed. São Paulo: Editora Vida e Consciência Ltda, 2013.
BRAMMER, S.; FUNDO, P. A citogenética na caracterização genômica do trigo. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/852484/1/pdo31.pdf. Acesso em: 18 jul. 2025.
ASM. The gut microbiota in action: tackling celiac disease. American Society for Microbiology, 2024. Disponível em: https://asm.org/articles/2024/july/the-gut-microbiota-in-action-tackling-celiac-disea. Acesso em: 18 jul. 2025.
DRAUZIO VARELLA. Glúten: autoimunidade e história. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/gluten-autoimunidade-e-historia-artigo/. Acesso em: 18 jul. 2025.
Gluten-degrading bacteria: availability and applications. PubMed Central (PMC).
The role of microbiome in the development of gluten-related disorders. ScienceDirect.
Effect of gluten-free diet on gut microbiota composition in patients with celiac disease and non-celiac gluten/wheat sensitivity. ScienceDirect.
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