Muito foi dito quando foi criado o mercado de carbono. Já que o homem só entende algo quando esse algo dá lucro ou prejuízo financeiro, acreditou-se que fazer um mercado global de venda de créditos de carbono seria a solução para o problema da intensificação do efeito estufa. Mas o que seriam esses créditos de carbono? Pelo Protocolo de Quioto, cada país teria que reduzir suas emissões de gases estufa em níveis menores que a sua emissão de 1990. Se o país signatário do protocolo fosse do anexo 1 (grupo de países mais desenvolvidos), estes seriam obrigados a fazer esta redução. Os países como Brasil, China e Índia não eram obrigados a fazer esta redução. Sendo assim, cada país restringe quanto cada tipo de indústria pode emitir de gases estufa. Para atingir essa meta, os países do anexo 1 podem investir tanto na redução direta das emissões ou no investimento na redução de emissão ou captura de carbono em países que não são do anexo 1. É aí que entra o mercado de carbono.
A primeira vista, um plano infalível. O mercado financeiro regulando o preço do carbono! Bem, como pudemos observar no início do ano, o mercado financeiro entrou em crise no mundo inteiro, e nessa mesma onda, o mercado de carbono também. No dia 27 de janeiro o Luiz escreveu assustado um post dizendo que o preço da tonelada de carbono estava sendo negociada a 15 euros, hoje ela está valendo 10 euros (isso porque valorizou, pois estava a míseros oito euros). A título de curiosidade, no inicio da abertura do mercado de carbono, a tonelada valia 30 euros.
Com a tonelada custando essa merreca, as empresas não se veem obrigadas a investir em energias renováveis (ou no controle de emissão) para poupar dinheiro. É mais barato comprar milhares de créditos de carbono e continuar usando tecnologias antigas e bastante poluidoras. Com isso, novos métodos de quantificar o custo da tonelada de carbono são frequentemente desenvolvidas para tentar concertar essa situação. Por exemplo, o “social cost of carbon ” estima o dano causado pela emissão de uma tonelada de carbono durante o tempo de vida de toda essa massa na atmosfera. Porém, muitas variáveis tem que ser levadas em consideração, o preço da tonelada varia de 40 a 155 euros. Outra metodologia é a “shadow price of carbon” que é parecida com a anterior, mas ainda entra um fator de “disposição” para pagar por reduções na emissão. Algo muito subjetivo, usado pelo governo da Inglaterra para manipular o preço da tonelada.
Mas é isso mesmo que precisa ser feito? O mercado de carbono é uma boa solução? Andrew Simms escreveu recentemente no site da NewScientist um artigo muito bom sobre o tema. Ele descreveu o que seria o “Paradoxo da Economia Ambientalista“. Ela consiste no fato que estamos botando preço em algo que, quando emitido, vai ajudar na intensificação de algo que está botando em risco a vida como conhecemos no planeta Terra. Isso é valido? É como se existisse uma cota de assassinatos para cada exército de cada país, e os exércitos que matassem menos poderiam vender essa sobra para exércitos que querem matar mais do que podem. Sendo que o exército dos países subdesenvolvidos podem matar a vontade e conteriam sua sede de sangue apenas se quisessem. E o pior, cada morte seria vendida a preço de banana.
Carbon markets cannot save us unless they operate within a global carbon cap sufficient to prevent a rise of more than 2 °C above pre-industrial temperatures.
Andrew Simms
O mercado de carbono do jeito como é feito atualmente não é benéfico para a sociedade humana. Ele não evita a intensificação do efeito estufa. As metas do Protocolo de quioto são muito modestas. As cotas para cada país devem ser revistas, para aí sim, poder existir uma taxação mais justa da tonelada de carbono emitida, caso seja essa a única solução. Era uma boa ideia no papel e até teve uma grande participação do Brasil
na criação do MDL (mecanismo de desenvolvimento limpo). Mas como toda a
commodity, o carbono está longe de não sofrer com as flutuações do
mercado. Porém não devemos deixar sempre de ter em mente mais uma vez as palavras de Simms:
Even if you could price the killing tonne, it is a transaction that should never be allowed. Economics becomes redundant if it can rationalise an exchange that sells the future of humankind.
PS: Agradeço ao Luiz pela ótima ajuda dada na confecção do texto.
Breno, excelente post, crítico e esclarecedor. Vou divulgá-lo! Certamente a idéia do "mercado de carbono" era muito bonita até o capitalismo humano chegar e estragar tudo (como sempre).
Óptimo texto, Breno. Também acho que o sistema de mercado de carbono é uma má opção. Mas parece que os governos só funcionam assim, infelizmente o mercado domina a política, e pegaram no princípio do poluidor-pagador tornando a questão do carbono num negócio.
Mas devia ser uma questão acima do mercado.
E depois acontece esta "desvalorização"... numa altura em que as evidências apontam para urgência nas acções para reduzir a emissão de CO2, trata-se o assunto desta maneira.
A desvalorização é tal que o Governo português prepara-se para diminuir substancialmente as coimas devidas pelas infracções ambientais, e ainda criar benesses para os "arrependido" (poluem, arrependem-se e ficam perdoados).
Já aprovaram a proposta de lei em Conselho de Ministros, só falta a Assembleia da República concordar, mas como têm maioria, é como se já estivesse aprovada.
Neste momento, até estou envergonhada de ser portuguesa.
A associação ambientalista Quercus apelida isto de "uma vergonha", que o é, mas a comunicação social de maior alcance (TV) remete-se ao silêncio.
Assim não vamos lá, quase dá para desanimar.
Flávio,
Sobre as fontes de energia renováveis, já discutimos algumas delas aqui no blog. Principalmente a eólica e os biocombustíveis. Dê uma olhadinha nos arquivos do blog. Se puder, olhe outros posts também. Espero que goste.
Sobre a postura das grandes empresas diante de responsabilidade social e investimento em fontes de energia renováveis concordo com você. É bonito a petrobrás falar que tem responsabilidade social, ou mesmo a vale. São medidas bonitas aos olhos dos ambientalistas. Quando o orçamento aperta, as áreas de meio ambiente e RS são as primeiras a terem cortes nos investimentos. Sempre foi assim e sempre será, enquanto não forem setores que dêem altos lucros para as empresas. Não existe desenvolvimento sustentável, não nos modelos atuais.
Obrigado pelos elogios
Abraços
É impressionante a capacidade que o ser humano tem de "precificar" as coisas. Fico assustado com as soluções que temos para problemas gravíssimos, mas acredito que temos uma grande parcela de culpa. Direta ou indiretamente sempre visamos algo rentável nas ações que tomamos.
Já parou para pensar no setor de óleo e gás. Porque sempre ficamos preocupados quando o preço do barril de petróleo cai? Porque somos tão dependentes desta commodity? Será que não existe nenhuma fonte de energia alternativa ou será que não é rentável utilizá-la? Acho que vocês podiam explorar mais esse tema.
Apesar de trabalhar nessa área fico preocupadíssimo como as empresas nesse setor dominam o mercado e são atualmente as mais rentáveis no mundo. Como muitos dizem a empresa mais rentável do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada a segunda maior é uma empresa de petróleo mal administrada.
Segue um pensamento muito dito neste setor para vocês terem uma idéia de como os empresários e grandes estatais pensam: "O barril de petróleo tem que possui um valor alto que viabilize as operações, mas não tão alto que tornem fontes alternativas de energia viáveis". Ou seja, eles enxergam as fontes alternativas como um setor concorrente. Onde estaria a responsabilidade social? Estaria somente nos valores e visão dessas empresa?
Enfim, vejo cada vez mais grandes empresas investindo no setor chamado "Carbon capture and storage", logo usando a teoria do caos sobre este assunto penso que isso se tornará um ciclo, em que há cada vez mais empresas queimando combustível fóssil e do outro lado empresas ganhando cada vez mais dinheiro capturando e armazenando esse lixo.
Acho que o grande desafio que teremos será "descabornizar a economia".
Parabéns pelo ótimo blog, apesar de ser suspeito em falar. .
Esse texto me lembrou muito, muito, muito um texto que eu escrevi em agosto de 2007 (!!!!).
Cheat neutral
Vale a pena dar uma olhada no post, no vídeo e no link para o site. É hilário, mas é exatamente o que fazemos quando compramos ou vendemos créditos de carbono.
Olá João,
Como qualquer commodity, as previsões são um pouco relativas. Quem trabalha no mercado acha que devido aos baixos preços e o aumento da emissão registrado em grande parte dos países desenvolvidos (sim, houve aumento e não diminuição da emissão pós-quioto), o mercado tende a expandir nos próximos anos. Ainda mais em um mundo que estaria se recuperando da crise financeira atual. Mas é claro, essa é opinião de quem trabalha neste mercado, bem otimista. Um fato que pode alterar realmente o fluxo de créditos de carbono é a entrada dos EUA neste jogo. Mas é melhor esperar para ver o que vai acontecer.
Um dos principais problemas do MDL é a burocracia das metodologias. Nenhuma empresa pode vender créditos se não utilizar uma metodologia aprovada pela agência que fiscaliza isso. Além disso, eu tenho que comprovar minha linha de base (situação antes da sua intervenção). Se a minha linha de base era muito baixa (pouca emissão de gases estufa), o meu saldo de créditos de carbono será muito baixo. Voltando as metodologias, criar uma nova e ela ser aprovada pode demorar anos e, claro, tem um custo elevadíssimo.
Não tenho certeza de qual área foram aprovados os primeiros créditos, mas o de captação de gases em suinoculturas (que você sitou) é um bem utilizado, pois este tipo de cultura emite muito metano e outros gases, o que torna a linha de base alta. Outra área que gera bastante crédito é a captação de metano em lixões.
Uma falta grande nos MDL é que eles preveem como captação direta de co2 apenas o reflorestamento (vegetação terrestre). Outros produtores primários (microalgas) e todas as ferramentas de geoengenharia que estão sendo desenvolvidas não estão previstas. Desta forma, uma reforma em todo este mecanismo de geração de créditos e metodologias é urgente.
Trabalhei algum tempo no setor de marketing da Plant Inteligência Ambiental, que trabalha com crédito de carbono entre outras coisas.
Não entrei em contato constante com a esta área, mas ainda trabalho com comunicação sócio e ambiental.
Tenho uma dúvida: Era esperado uma grande crescente no preço da tonelada do carbono, mas, como dito no post, o preço vem caindo cada vez mais. Qual é a expectativa desse mercado?
Sei que a Coca-cola brasil já assinou um contrato de reflorestamento de mata ciliar, visando a manutenção dos rios e, claro, o crédito pelo reflorestamento. Lembro que o primeiro crédito aprovado era com alguma coisa de porcos e assim vai...Você tem outros casos para nos atualizar?
Muito bom o post, vou descobrir o resto do blog agora.
Estão de parabéns.