Sempre gostei muito de pássaros. Consigo reconhecer pelo
canto algumas espécies tipicamente brasileiras, em especial da mata atlântica.
Um ambiente bucólico e um canto de alguma ave ao fundo é algo que realmente
aprecio.
Porém um trabalho que ainda será publicado na revista Nature chamou muito minha
atenção. O objeto de estudo foram os famosos mandarins. Eles são vendidos
baratinhos em pet-shop, acredito que é devido o seu canto feinho. Bem, na minha
opinião, eles não cantam, só fazem alguns sons fanhos. Mas, nesse trabalho
aprendi que existe um padrão de sons usados por essas aves para o acasalamento.
Por serem pássaros sociais,
acreditava-se que aprendiam essas “canções” de seus pais e tios. Algo
como aquela famosa cantada infalível que tiozão velhaco sempre tenta ensinar aos
seus sobrinhos quando os moleques entram na adolescência. Porém, diferente do vexame
certo ensinado por seu tio, a canção aprendida pelos mandarins funciona bem
para a corte com as fêmeas.
Por quê usei “acreditava-se”? Em uma pesquisa recente pesquisadores
observaram que mandarins machos que foram retirados das colônias, sem ouvir a
canção selvagem, produziam um novo tipo de canção. Como o tipo original, essa
nova canção é ensinada paras os filhotes da nova colônia. Isso é meio
intuitivo, não? Sim, mas o interessante é que a cada geração os filhotes
acrescentam algumas diferenças nessa nova canção. E, após 4 ou 5 gerações, a
canção ensinada pelos machos da colônia nova converge em muito para a canção da
colônia antiga (aquela da onde o fundador da nova colônia foi tirado).
O impressionante é que a nova canção que foi gerada na nova colônia, na qual
nenhum dos machos jamais escutou a canção original, em um espaço de pouquíssimas
gerações, ficou muito parecida com a da colônia selvagem. Então qual foi a
possível explicação para o fato? A canção, de uma maneira, está gravada no
genoma dos pássaros. Não é que a partitura esteja escrita dentro dos núcleos de
todas as células da pequena ave. Mas que algum fator genético possa regular a
forma como esses pássaros emitem sons e produzindo, inevitavelmente, algo muito
parecido com a canção original.
É difícil, a meu ver, que a resposta para padrões culturais (nesse caso o canto
dos pássaros) esteja sendo regulada somente por fatores genéticos. Seria
muito determinístico. É como falarmos em genes homossexuais ou genes para
psicopatas. Relações que envolvem níveis de consciência e inconsciência são
muito complexas, algo que ainda temos muito o que pesquisar. Mas não deixa de
ser interessantes resultados desse tipo.
Fontes: EurekAlert e Wired.
Mais um inconsciente coletivo. Escrevemos juntinho sobre cultura em animais. O meu sobre aqueles macacos japoneses que aprenderam e ensinaram diversos truques, entre eles nadar em fontes termais. http://scienceblogs.com.br/bessa/2009/05/choque_cultural.php
Acredito que mesmo que o pássaro não saiba o padrão da canção o "gosto" musical não mude, então com o passar do tempo os mandarins com oscantos mais parecidos com o padrão que é a canção mais apreciada tem mais sucesso que os demais e passam para os seus filhos até alcançar o padrão
É o que o João Carlos disse acima.
Não sei se vou conseguir expressar a coisa corretamente, mas...
O padrão genético molda as características físicas dos órgãos não só os que produzem os sons, como também aqueles que os ouvem. Do que eu deduzo que as características físicas influem no "gosto musical" (e a diferença entre a música ocidental e a oriental já dá alguma dica).
Isso atua a nível de frequencias e hamonicos, bem lá no inconsciente.
E, provavelmente, tem influência também sobre as linguagens humanas.
Concordo com o que vc disse átila. Foi o que tentei falar na parte onde digo que a partitura da canção não está gravada nos genes. Não existe um gene que é responsável pela canção. A estrutura do pássaro (seu corpo mesmo) é que é determinado pelo genoma. A partir daí é que a música se desenvolve, com os limites dados pelo corpo do pássaro.
Além disso, por mais que o pássaro tenha sido tirado antes de ouvir algum outro cantar, ele foi recolocado numa população com estrutura igual a original. Isso deve ter afetado tb essa semelhança entre as duas canções.
Abraços
Não acho que seja a cultura que esteja nos genes, acho que a cada geração os genes moldam a cultura.
Tenho um caminho na minha cabeça que acho que se aplica a isso. O Oliver Sacks, neurologista e escritor fodão, escreveu em um livro chamado Vendo Vozes sobre surdo-mudos.
Ele contou sobre uma escola de linguagem de sinais em algum país pobre, que não colocou professores para ensinarem os alunos,mas as próprias crianças começaram a criar uma linguagem de sinais, no começo bem rudientar, mas a cada turma nova que entrava, a linguagem era enriquecida, inclusive com regras gramaticais. Em alguns anos, a linguagem deles ficou tão complexa quanto qualquer outra.
Acredito que o mesmo acontece com as aves. Não é preciso que a canção em si seja transmitida geneticamente, pode ser que o padrão de conexão que eles formam para cantar obedece certas regras, que fazem a canção convergir sempre no mesmo caminho.
Acho que poderia ser pq o padrão original seria "o" mais eficaz na corte...e a passagem de 4 ou 5 gerações melhorando a canção levasse naturalmente ao padrão